quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 2 de 4)

1) Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 705/2007-7:
"Não desrespeita comando legal o acordo de regulação do exercício do poder paternal em que os pais acordam exercer em conjunto o poder paternal (artigos 1901.º/1, 1906.º/1 e 1909.º do Código Civil) embora aceitem confiar a um deles a guarda da criança.
Permitindo a lei que os avós estejam presentes na conferência (artigo 175.º/1 da Organização Tutelar de Menores) não se vê que haja obstáculo a que os avós assumam responsabilidades relativamente ao neto e muito em particular quando existe acordo entre todos os interessados e a que lhes seja atribuída directamente a quantia mensal devida a título de alimentos".

Nota - Nesta decisão, há um voto de vencido (com o qual concordo), que tem o seguinte teor:
"1- O conceito técnico-jurídico de “ partes” não pode, a meu ver, ter um alcance tão amplo e indefinido como é sustentado no acórdão
2- A pensão de alimentos estabelecida em favor da menor deveria ser entregue à mãe - que tem a sua guarda, exercendo ( em conjunto com o pai) o poder paternal sobre ela - e não aos avós paternos ( que poderiam apenas servir de intermediários na entrega da pensão à mãe)
O que determinaria a procedência parcial do recurso".

2)
Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 3559/2006-7:
"O Tribunal comum é competente em razão da matéria para conhecer de acção proposta contra o Estado Português para efectivação de responsabilidade civil por danos decorrentes da função política e legislativa.
É o caso de acção em que os autores pretendem a responsabilização do Estado pela descolonização de Moçambique considerando que, no acordo de Lusaka, não foi consagrada nenhuma cláusula que visasse a protecção das vidas e dos bens dos cidadãos portugueses depois da independência relativamente à Frelimo.
Por isso, viram-se os autores, que tiveram de fugir daquele território para salvar as vidas, atingidos pelo Decreto-Lei n.º 5/76, de 5 de Fevereiro, que no seu artigo 3.º previa a reversão para o Estado de Moçambique da propriedade sobre os bens imóveis pertencentes a estrangeiros não domiciliados na República Popular de Moçambique, considerando-se como não residentes todos os estrangeiros ou moçambicanos que estivessem ou viessem a estar ausentes do país por um período superior a 90 dias sem autorização".

Nota - Sobre o direito a indemnização na sequência do movimento de descolonização, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-03-2006, proferido no processo n.º 05B4370de 21-11-1991, proferido no processo n.º 079764 (responsabilidade do Estado por acto da Comissão Nacional de Descolonização), de 06-05-1998, proferido no processo n.º 98B095 (interrupção da prescrição por reconhecimento, por parte do Estado, do direito do autor), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-06-2005, proferido no processo n.º 7136/2005-6 (qualificação de certos actos do Estado como de reconhecimento do direito a indemnização).

3)
Acórdão de 06-02-2007, proferido no processo n.º 3839/2006-7:
"O pedido de retroacção dos efeitos os divórcio previstos no artigo 1789.º/2 do Código Civil não pode ser deduzido depois do trânsito em julgado da sentença de divórcio.
Não tendo sido formulado tal pedido, vale a regra constante do artigo 1789.º/1 do Código Civil segundo a qual os efeitos os divórcio retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges
Havendo inventário para partilha dos bens comuns dos ex-cônjuges, cada um deles é considerado titular dos bens que lhe couberem desde a data da propositura da acção de divórcio.
Proposta acção de divórcio no dia 4-12-1998, tem o autor, considerando que o imóvel foi adjudicado em partilha à mulher, direito a receber, em partilha, metade da quantia por ele paga até àquela data à instituição de crédito mutuante relativa às prestações do mútuo concedido para aquisição do imóvel".

Nota - Esta decisão tem, no final, em rodapé, indicações abundantes de jurisprudência. Sobre o momento até ao qual pode ser pedida a retroacção dos efeitos do divórcio, cfr. o acórdão do STJ de 07-11-2006, proferido no processo n.º 06A2918, seguindo e citando o acórdão do mesmo tribunal de 19-10-2004, proferido no processo n.º 04A2781, este último também com um grande levantamento jurisprudencial.

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3 Comentários:

Blogger Malta de 74 disse...

Quanto ao 1º processo:
Sendo um processo de jurisdição voluntária, pode falar-se em "partes"?

2/28/2007 11:40 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Caro "sempre jurista" (não consegui encontrar o seu nome no perfil),

Boa pergunta! A questão não é linear.

Comecemos pela palavra "partes".

Há quem a use aplicada à jurisdição voluntária, considerando porém que não terá aí o mesmo sentido que tem na jurisdição contenciosa. Enquanto que, nesta, a palavra implica posições opostas ou contrapostas, na jurisdição voluntária a construção processual não se faz sobre dois interesses divergentes, mas sim com vista à protecção de um só (ou principalmente um) interesse.

Daí que, se se quiser usar a palavra "partes" para a jurisdição voluntária, terá que ser sempre com esta ressalva implícita. E talvez seja mesmo mais cauteloso não a usar, já que a própria expressão faz apelo a alguma "oposição" (uma parte e "a outra" parte).

Quando aderi à posição constante do voto de vencido, não me preocupava tanto esta questão, mas sim o sentido geral subjacente a esse voto, que me parece correcto (e quanto ao sentido em que pode ser lida a expressão "partes", nesse voto, já lá voltarei).

É certo que, na jurisdição voluntária (que nem será verdadeira jurisdição), há muita liberdade na regulação da relação jurídica, por não haver necessidade de recorrer a um critério de legalidade estrita. O juiz pode recorrer à equidade, na busca da justiça do caso concreto.

No entanto, este recurso à equidade para "temperar" as injustiças concretas da solução estritamente legal nunca deixa de ter por referente a ordenação da relação jurídica que decorre do direito material.

Agora, consideremos que
- credor na relação jurídica emergente da obrigação de alimentos é o menor e devedores os pais; e
- esta relação jurídica é indisponível.
Esta indisponibilidade da relação material não me parece permitir, nem com recurso à equidade, que se os avós ajam como credores de alimentos.
Note-se que nada impediria, a meu ver (como se diz no voto de vencido), que os avós fossem "intermediários" na recepção daquelas quantias, mas na decisão ficaram elas de recebê-las como se de um direito seu se tratasse.
Não me parece que tal solução seja imposta pela equidade, nem que a equidade possa ir tão longe.

O voto de vencido é breve, mas não é descabido interpretá-lo como se referisse mais às partes na relação jurídica material do que às processuais.
Lido assim, dirá algo como isto: "não me parece que, no âmbito da jurisdição voluntária, com recurso à equidade, se possa alargar tanto o conceito de parte de uma relação jurídica, ao ponto de modificar a pessoa do credor".
Neste sentido, ou num aproximado, parece-me uma posição correcta.

Não quero entrar aqui na polémica da natureza da jurisdição voluntária (não creio que pertença à função jurisdicional), porque isso será toda uma "outra guerra".

Obrigado por visitar e comentar (isto anda um pouco parado, da banda dos leitores). Vá regressando.

Nuno Lemos

3/01/2007 11:57 da manhã  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Só para completar o comentário anterior:

- entre muitas outras, encontra um uso frequente da palavra "partes" aplicada à jurisdição voluntária na obra "Manuale della volontaria giurisdizione", de JANNUZZI e LOREFICE (Giuffrè: 2002).

- quando refiro que "credor é o menor" não retiro, claro está, que as quantias lhe devem ser entregues a ele, mas sim a quem o represente (que não são os avós, seria a mãe, neste caso)

3/01/2007 12:09 da tarde  

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