sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

Deixo aqui um levantamento de decisões recentes do Supremo Tribunal de Justiça. Chamo especial atenção para a nota à quarta decisão, que contém um resumo da aplicação prática do conceito de "facto notório". Espero que agrade e possa ser útil aos visitantes da página.

1) Acórdão de 13-02-2007, proferido no processo n.º 06A4655:
"1 - Se as instâncias tiverem considerado não provado que A, casada com B no regime da comunhão de adquiridos, se vinculou como promitente vendedora num contrato promessa reduzido a escrito concluído entre o seu marido e C (este como promitente comprador) relativo a um imóvel comum, o STJ não pode modificar tal decisão, por se tratar de matéria de facto que escapa à sua competência de tribunal de revista.
2 - O contrato promessa referido em 1) é válido e, porque não lhe foi atribuída eficácia real mediante declaração expressa de B e C, não se lhe aplica a norma do art.º 1682º-A, nº 1, do Código Civil.
3 - Se A recusar o seu consentimento à realização do contrato definitivo a que B se vinculou, nos termos referidos em 1), C não adquire por esse facto o direito à execução específica previsto no art.º 830º, nº 1, do mesmo código.
4 - Adquire, porém, o direito à imediata (isto é, com dispensa de interpelação admonitória) restituição em dobro do sinal que tiver prestado, nos termos do art.º 442º, nº 2, se B lhe tiver comunicado por escrito que não outorgaria (como não outorgou) o contrato definitivo devido à recusa de A em prestar o seu consentimento.
5 - C não incorre em mora, nos termos do art.º 813º, se se recusar a aceitar a devolução em singelo do sinal pretendida por B na sequência da comunicação referida em 4)."

Nota - Optei por transcrever todo o sumário, e não apenas a parte processual (em "I"), por ser matéria de grande interesse prático e a redacção ser muito clara.
Especificamente quanto à parte processual, note-se que
"as instâncias não deram como assente que a ré tivesse querido vincular-se como promitente vendedora". À falta deste facto, que só as instâncias poderiam ter dado como provado, toda a restante decisão é perfeitamente lógica e coerente.

2) Acórdão de 13-02-2007, proferido no processo n.º 06A4739:
"I – Não é legalmente admissível recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância que rejeitara um articulado superveniente por extemporâneo, desde que se não verifique nenhuma das excepções à regra da inadmissibilidade de recurso prevista na primeira parte do nº 2 do art. 754ºº do C. P. Civil, excepções essas que estão prevista na segunda parte do referido nº 2 e no nº 3 do mesmo dispositivo.
II – Tendo a Relação, além de confirmar aquela rejeição do articulado superveniente, ainda condenado o agravante como litigante de má fé na instância do recurso de agravo, há recurso de agravo apenas restrito à referida condenação, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 456º do mesmo código.
III – Não se verificando que o embargante tenha violado com dolo ou, pelo menos, com negligência grave, qualquer uma das hipóteses previstas nas alíneas do nº 2 do art. 456º mencionado, não pode ser condenado como litigante de má fé."

3) Acórdão de 14-02-2007, proferido no processo n.º 06S4616:
"A decisão que, na sequência da sustação da execução, remete o pagamento das despesas devidas ao depositário judicial para o processo em que penhora de bens seja mais antiga, e cuja execução prossegue, segundo o disposto no artigo 871º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não viola o caso julgado formal constituído por anterior decisão que havia ordenado entretanto o pagamento dessas despesas."

Nota - Transcreve-se o essencial da fundamentação:
"(...) a decisão que remeteu o pagamento de encargos para o Processo n.º 19-A/2002, na sequência da sustação da execução no Processo n.º 420/2002, não inviabiliza que os anteriores despachos que ordenaram o pagamento de encargos entretanto vencidos produzam os seus efeitos, implicando unicamente que esses pagamentos tenham lugar no processo próprio, isto é, no processo em que prosseguiu a execução".

4) Acórdão de 15-02-2007, proferido no processo n.º 07B209:
"1. O Supremo Tribunal de Justiça não tem competência funcional para sindicar a situação económica do alimentando nem o seu nível de necessidades, porque se trata de matéria de facto da exclusiva competência das instâncias.
2. É facto notório que o credor de alimentos e o obrigado à sua prestação realizam despesas com a sua própria alimentação.
3. Na possibilidade de o obrigado prestar alimentos deve atender-se, além do mais, à idade, ao sexo, ao estado de saúde e à sua situação económica e social, em termos de a fixação não afectar a própria manutenção em quadro de dignidade humana.
4. O aumento das necessidades do alimentando e a diminuição das possibilidades do obrigado a alimentos são susceptíveis de decorrer do próprio aumento do custo de vida, por exemplo, o que decorre da diminuição do poder de compra em virtude da inflação.
5. Se os factos provados apenas revelarem, no que concerne ao circunstancialismo motivador da fixação da pensão de alimentos, a posterior depreciação do valor da moeda durante cerca de vinte anos, é esta que deve relevar na sua alteração, mas tendo em conta que a inflação afectou de igual modo o obrigado."

Nota - Os factos notórios são aqueles que, sendo de conhecimento geral, escapam à regra do dispositivo na alegação de factos principais, podendo ser considerados pelo juiz mesmo que não tenham sido alegados pelas partes.
Para algumas aplicações práticas do conceito (umas vezes aceitando, outras negando a sua aplicação), podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2005, proferido no processo n.º 04S3165 (horário de trabalho, em face de registos de ponto), de 01-02-1995, proferido no processo n.º 084550 (desvalorização da moeda), de 26-05-1993, proferido no processo n.º 083340 (desvalorização da moeda), de 05-06-2002, proferido no processo n.º 02S345, (necessidade de alimentação), de 05-11-1996, proferido no processo n.º 96A336 (a poupança de um casal não é forçosamente canalizada só em proveito dos filhos), de 17-11-1998, proferido no processo n.º 98A893 (inflação), de 12-11-1991, proferido no processo n.º 081133
(distinção entre facto notório e presunção ad hominem), de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03A1235 (abalo moral e desequilíbrio emocional da mulher que durante 19 anos está separada do marido), de 08-04-2003, proferido no processo n.º 03A202 (nexo de causalidade em acidente de viação), de 08-05-1997, proferido no processo n.º 96B852 (desvalorização da moeda), de 17-01-1995, proferido no processo n.º 085888 (aumento anual dos vencimentos, que não se qualifica como facto notório, aparentemente em contradição com o acórdão de 21-06-1979, proferido no processo n.º 067908, embora este possa referir-se apenas à actualização do salário mínimo), de 17-11-1994, proferido no processo n.º 084784 (inflação), de 19-03-1992, proferido no processo n.º 079907 (inflação), de 15-12-1998, proferido no processo n.º 98A638 (à privação ilegítima e ilícita do gozo de um bem corresponde implicíta e necessariamente um prejuízo), de 25-06-1998, proferido no processo n.º 97B581, de 28-05-1996, proferido no processo n.º 96B231 (valor de máquinas), de 03-07-1996, proferido no processo n.º 96S074 (os trabalhos em cima de um telhado revestem-se de particulares perigos), de 27-02-1986, proferido no processo n.º 072636 (uma vez celebrado o contrato-promessa, ha uma serie de diligencias a realizar que implicam necessidade do decurso de algum tempo para que possa ser outorgada a escritura definitiva), de 19-05-1992, proferido no processo n.º 081989 (sentença proferida noutro processo judicial), de 24-05-1989, proferido no processo n.º 077193 (a publicação em um jornal de grande divulgação e expansão de um retrato da autora em "topless" sem o seu consentimento se tinha de repercutir forçosamente na reputação e honra da retratada e, só por si, gerar prejuízos), de 09-06-1987, proferido no processo n.º 074659 (desvalorização de um automóvel), de 19-01-1989, proferido no processo n.º 076831 (contributo de um cônjuge para a economia comum), de 02-02-1989, proferido no processo n.º 076743 (o atraso na entrega de mercadoria comprada acarreta necessariamente prejuizo ao comerciante comprador), de 13-05-1986, proferido no processo n.º 073048 (os comboios que circulam na rede férrea portuguesa estão na direcção efectiva da C. P., Caminhos de Ferro Portugueses, E.P., e circulam no seu interesse), e de 20-03-1990, proferido no processo n.º 078636 (relevância do ano de fabrico quanto a determinação do preço de um automóvel).

Existem muitos outros, para além dos citados (fico-me pelo STJ, que já produziu um caudal abundante de decisões sobre o assunto), principalmente sobre a inflação e desvalorização da moeda enquanto factos notórios (citei alguns destes, mas há muitos, muitos mais).

Entendendo, a meu ver erradamente, que a qualificação de um facto como "facto notório" é matéria de facto (logo, subtraída ao conhecimento do STJ), cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03B1007. Em sentido mais correcto, cfr. o acórdão do mesmo tribunal de 09-12-1999, proferido no processo n.º 99A872 e principalmente o de 27-02-1996, proferido no processo n.º 088211.

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