quinta-feira, janeiro 11, 2007

Nota adicional sobre a inconstitucionalidade do artigo 14.º do regime da injunção

Citei, há cerca de uma semana, aqui o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 658/2006, de 28 de Novembro, que julgou inconstitucional "a norma do artigo 14.º do Regime anexo ao Decreto‑Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, na interpretação segundo a qual, na execução baseada em título que resulta da apo­sição da fórmula executória a um requerimento de injunção, o executado apenas pode fundar a sua oposição na alegação e prova, que lhe incumbe, de factos impeditivos, mo­dificativos ou ex­tintivos do direito invocado pelo exequente, o qual se tem por de­monstrado".

Hoje, um colega e, mais tarde, um aluno comentaram a decisão, o segundo com dúvidas sobre o seu sentido e as consequências para o futuro. Uma vez que a resposta que dei a este pode ter interesse também para os restantes alunos e outros visitantes da página, aqui a reproduzo.

Emergindo a decisão do Tribunal Constitucional de um processo de fiscalização concreta da inconstitucionalidade, é evidente que a força da decisão se esgota naquele âmbito: o juízo de inconstitucionalidade só implica, então, a não aplicação da norma (e consequente reforma da decisão) no processo em que a questão foi suscitada.
O que pode questionar-se - à semelhança de qualquer outra hipótese de fiscalização concreta - é se o juízo de inconstitucionalidade ali formulado permite supor que, no futuro, tal decisão venha a repetir-se, pensando talvez numa fiscalização abstracta.
Ora, precisamente neste ponto convém atentar com cuidado na fundamentação do acórdão e na história processual anterior.

Antes, porém, há que observar o seguinte. Quando o pretenso credor apresenta o requerimento de injunção e o pretenso devedor não deduz oposição, é aposta em tal requerimento uma fórmula executória, pelo secretário judicial. Esta aposição confere força executiva ao requerimento, isto é, transforma-o em título executivo, pelo valor nele constante.
Quando, subsequentemente, o requerente move acção executiva contra o pretenso devedor, este poderá defender-se, na execução, invocando qualquer fundamento que poderia deduzir numa acção declarativa, já que o requerimento de injunção com fórmula executória não constitui sentença. Assim se deve entender porque, antes de mais, o secretário não é um órgão jurisidicional. Acresce que não se discutiram, no procedimento da injunção, quaisquer questões emergentes da relação jurídica material que se desenvolve entre o exequente e o executado. No fundo, a aposição da fórmula executória não é uma decisão jurisdicional nem pode ser a ela equiparada, razão pela qual devem ser garantidos ao executado, nestes casos, os normais meios de defesa previstos no artigo 816.º do CPC, não se podendo restringi-la aplicando o regime mais restrito do artigo 814.º do CPC (fundamentos de oposição à execução baseada em sentença). Assim conclui a generalidade da doutrina.

Ora, no caso concreto que originou o acórdão do Tribunal Constitucional citado, o juiz da causa considerou que o executado só poderia opor-se à execução fundada em requerimento de injunção com fórmula executória por um dos fundamentos previstos no artigo 814.º do CPC, não podendo salvaguardar-se do previsto no artigo 816.º.
A decisão é inesperada e insólita, pelas razões expostas. E foi contra essa interpretação concreta que se pronunciou o Tribunal Constitucional. Não é, por isso, de esperar que tal decisão se venha a repetir. Mesmo que venha a repetir-se, o facto de se tratar de uma interpretação pouco usual, não permite supor como provável uma futura declaração de inconstitucionalidade em fiscalização abstracta.
Tratou-se, ao fim e ao cabo, de um erro de interpretação do direito infraconstitucional com consequências jurídico-constitucionais.


A talhe de foice, convém chamar a atenção para o facto de o acórdão tocar também em outra questão, sobre a qual há muitas dúvidas, na prática, em matéria de direito processual constitucional. A Lei do Tribunal Constitucional prevê, no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) que, em sede de fiscalização concreta, compete a este tribunal apreciar recursos de decisões em que "se aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".
O problema é o seguinte: o que fazer quando, como sucedeu no caso em apreço, a parte é surpreendida com a aplicação da norma em decisão da primeira instância não susceptível de recurso ordinário que põe fim ao processo? Não poderá discutir-se a questão da constitucionalidade e a letra do preceito parece inviabilizar o recurso para o Tribunal Constitucional.
Nesta hipótese, decidiu o Tribunal Constitucional que "no presente caso, a não suscitação ade­quada da questão de inconstitucionalidade no pedido de reforma da sentença não teve por efeito a perda do direito que, perante a natureza inesperada da interpretação normativa nela aplicada, assistia à recorrente de recorrer para o Tribunal Constitucional com dispensa desse requisito específico do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC".
Aqui fica a menção, que me parece útil para qualquer advogado que pretenda preparar um recurso para o Tribunal Constitucional directamente a partir da primeira instância.

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