Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 2)
1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007, proferido no processo n.º 07B4219:
"Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente.
Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.
Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa.
Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.
Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igulamente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»."
Nota - Considerando, também que não está em causa, nestas hipóteses, apenas a prova do valor venal do veículo, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal Justiça de 12-01-2006, proferido no processo n.º 05B4176, de 10-02-2004, proferido no processo n.º 03A4468, e de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1849, do Tribunal da Relação do Porto de 16-06-1994, proferido no processo n.º 9321411, de 02-05-2002, proferido no processo n.º 0230570, de 27-05-2004, proferido no processo n.º 0430932, de 28-09-2004, proferido no processo n.º 0423204, de 11-01-2005, proferido no processo n.º 0427006, e de 06-03-2006, proferido no processo n.º 0650879, do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-03-2005, proferido no processo n.º 3302/04. A decisão cita, em sentido oposto, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-1995, in CJ, tomo II, pág. 97 (o qual não consultei, por não ter comigo esse tomo, de momento - creio, porém, que também pode indicar-se em sentido oposto ao da decisão o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-1997, proferido no processo n.º 9520970).
Sobre matéria relacionada, cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2003, proferido no processo n.º 03B2756, do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-02-2006, proferido no processo n.º 11972/2005-6, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2007, proferido no processo n.º 356/07.4YCBR.
2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007, proferido no processo n.º 07B4321:
"O prazo a que se reporta o nº 2 do artigo 39º da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, é de caducidade, mas não se reporta a direitos indisponíveis.
O tribunal não pode conhecer oficiosamente da caducidade do direito de acção tendente a fazer valer o direito de acessão industrial imobiliária relativamente ao terreno baldio de implantação."
Nota - Em sentido oposto, quanto ao conhecimento oficioso da caducidade do direito de acção cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2000, proferido no processo n.º 9921336, e de 19-02-2004, proferido no processo n.º 0326737, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-06-2007, proferido no processo n.º 1325/05.4TBCVL.C1.
Talvez seja importante fixar aqui as razões pelas quais a decisão anotada se afastou da regra do conhecimento oficioso da caducidade, para reflexão. Aqui fica a parte da fundamentação em causa:
"No plano processual estamos perante uma excepção peremptória própria de tipo extintivo (artigo 487º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade dos interessados (artigo 496º do Código de Processo Civil).
No que concerne à prescrição, a lei estabelece que o tribunal a não pode suprir de ofício e que a sua eficácia depende da respectiva invocação, por via judicial, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante, ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público (artigo 303º do Código Civil).
Assim, a consideração da prescrição depende da sua invocação pelas partes interessadas, pelos seus representantes ou pelo Ministério Público.
No que concerne à caducidade, ela só é de conhecimento oficioso pelo tribunal se for estabelecida em matéria de indisponibilidade das partes, nesse caso em qualquer estado do processo (artigo 333º, nº 1, do Código Civil).
No caso contrário, isto é, se a caducidade for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável o regime previsto para a prescrição, ou seja, o tribunal só dela pode conhecer se for invocada por quem dela aproveita (artigo 333º, nº 2, do Código Civil).
Os direitos são indisponíveis quando os respectivos titulares deles não possam dispor por mero efeito da sua vontade, como é o caso dos direitos relativos à personalidade e ao estado pessoal lato sensu, incluindo o familiar, em que prevalecem interesses de ordem pública.
Certo é que os cidadãos integrantes das comunidades locais não podem dispor individualmente do direito de propriedade sobre os terrenos baldios nem os podem adquirir por via da usucapião (artigos 1º, nº 1 e 4º, nº 1, da Lei dos Baldios).
Com efeito, a sua usufruição individual ou colectiva limita-se à apascentação de gados, à recolha de lenhas ou de matos, ao cultivo ou outras utilizações, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola, a que acima de fez referência.
Dir-se-á que o interesse público exige que se mantenha a referida propriedade comunitária, que corresponde a uma instituição que sobrevive de remoto passado, gerada pela necessidade do povoamento do território português.
Mas importa considerar que os mencionados baldios podem ser objecto de expropriação, de alienação por motivos de interesse público, de constituição de servidões, de cessão exploração por longos períodos, de arrendamento e até de extinção (artigos 10º, 26º, 27º, 29º e 31º, da Lei dos Baldios).
As referidas vicissitudes inscrevem-se na competência da assembleia de compartes, sob proposta do conselho directivo ou após a audição deste (artigos 15º, nº 1, alíneas j) e p), e 21º, alíneas f), da Lei dos Baldios).
Acresce que a lei permite a aquisição do direito de propriedade sobre parcelas de terreno baldio a quem tenha construído nelas, de boa fé, a casa de habitação, como ocorre no caso vertente.
Embora o recorrido pudesse fazer valer, no confronto dos recorrentes, o seu direito a adquirir a construção realizada pelos últimos, porque estes deixaram decorrer o prazo de exercício do direito de aquisição do terreno, não o fez porém, nem contestou esta acção, e já lá vão cerca de sete anos.
Independentemente disso, estamos perante este quadro de disponibilidade pelos órgãos de administração dos baldios em relação à parcela de terreno em causa e ao direito patrimonial dos recorrentes de adquirirem o respectivo direito de propriedade por via do instituto da acessão industrial imobiliária.
Por isso, concluímos que o prazo de um ano a que se reporta o artigo 39º, nº 2, da Lei dos Baldios se refere a direitos disponíveis.
Em consequência, não podiam as instâncias conhecer oficiosamente da excepção peremptória da caducidade, porque o seu conhecimento dependia da respectiva invocação pelo recorrido, e tal não aconteceu."
3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007, proferido no processo n.º 07B4252:
"A expropriação por utilidade pública de prédios de velha construção, degradados, integrados por lei em zonas críticas de recuperação e reconversão urbanística, envolve particularidades em relação ao regime geral constante do Código das Expropriações de 1999.
Não comportando o aproveitamento económico normal do prédio a habitação ou o exercício de alguma actividade económica de comércio ou indústria, antes implicando a demolição do seu interior no quadro da mencionada reconversão urbanística, não deve o valor da indemnização pela expropriação ser calculada com base no valor do solo apto para construção acrescido do valor da edificação.
Face às normas dos nºs 2 e 3 do artigo 28º do aludido Código extensivamente interpretadas, deve a referida indemnização ser calculada com base no valor do solo apto para construção acrescido do da fachada e cérceas do prédio.
Não tendo as instâncias fixado valor da parte da construção a considerar para o cálculo da indemnização, impõe-se a anulação do acórdão da Relação com vista à ampliação pertinente da matéria de facto."
Nota - Sobre o uso, pelo STJ, da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 729.º do CPC (anular o acórdão da Relação com vista à ampliação da matéria de facto), cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A1528, de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A759, de 13-09-2007, proferido no processo n.º 07B1827, de 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2739 e de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2407, de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3541, e de 15-11-2007, proferido no processo n.º 07B3036.
Tal uso só se justifica quando a matéria apurada se revelar insuficiente para a apreciação jurídica a que o STJ procederá, como tribunal de revista - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06S789, de 12-01-2006, proferido no processo n.º 05S2655, de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1263, de 09-05-2006, proferido no processo n.º 06A1001, de 02-03-2006, proferido no processo n.º 06B514, de 24-02-2005, proferido no processo n.º 04B4164, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3513 (este especialmente detalhado), de 06-05-2004, proferido no processo n.º 04B1409, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 07A091.
O STJ pode ainda ordenar a baixa do processo, nos termos da mesma norma, para que se sanem contradições nas respostas à matéria de facto - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2005, proferido no processo n.º 05B531, de 11-01-2005, proferido no processo n.º 04A3357, de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03P2032, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06A4375.
4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007, proferido no processo n.º 07B4158:
"Um documento particular só constitui título executivo se provar a constituição ou contiver o reconhecimento de uma obrigação pecuniária e se for assinado pelo devedor (artigo 46º, nº 2, c) do Código de Processo Civil);
Numa execução baseada em título extra-judicial, o executado pode utilizar para se opor à execução todos os fundamentos de que se poderia servir numa acção declarativa;
Num contrato, reduzido a escrito apesar de tal forma não ser imposta por lei, não se pode separar, para efeitos de interpretação da vontade das partes (no sentido juridicamente relevante, apurado de acordo com as regras definidas pelo artigo 236º do Código Civil), o corpo de uma cláusula dos respectivos parágrafos;
Se no corpo da cláusula de um contrato designado por “contrato de transmissão de acções” se estabelecer que a liquidação do valor global da transmissão, pelo adquirente, será efectuado até uma determinada data, de acordo com as suas possibilidades, e no parágrafo único da mesma cláusula se estipular que, se até essa data, tal montante não estiver pago, o adquirente se obriga a devolver as acções em causa, a consideração conjunta das duas partes da cláusula leva à conclusão de que se estipulou que o adquirente ficava com a possibilidade de, até àquela data, optar entre pagar o valor das acções ou devolvê-las ao alienante;
O documento em causa não pode ser utilizado como título executivo numa execução destinada a obter o pagamento do preço da transmissão, ainda que proposta após a referida data, porque não prova a constituição da obrigação de o pagar."
Nota - Não estava em causa, neste processo, a noção de título executivo (pacífica, nos termos expostos no sumário), mas tão-só a interpretação de um cláusula contratual. A admitir que a obrigação pecuniária não se encontrava devidamente comprovada no documento (apesar de bem construída, a fundamentação não esclarece completamente quanto a esta matéria, sentindo-se, quanto a mim, a necessidade de conhecer todo o contrato), então a conclusão só poderia ser no sentido apontado, segundo o qual o contrato não poderia constituir título executivo.
5) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2007, proferido no processo n.º 07B1301:
"O processo especial de reforma de documentos, regulado no artigo 1067º e segs. do Código de Processo Civil, comporta uma fase inicial, prévia à citação e sem contraditório, que comporta produção de prova, destinada a que o autor, sumariamente, descreva o documento a reformar, justifique o interesse na sua recuperação e, caso alegue extravio, os termos em que o mesmo ocorreu;
Não adquire força de caso julgado formal, quanto à verificação dos requisitos de procedência da acção, a decisão de mandar seguir o processo, proferida no termo dessa fase, prevista na lei com o objectivo de evitar que prossiga uma acção manifestamente inviável;
É admissível prova testemunhal para proceder à reforma de um documento escrito que contenha um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, sem qualquer violação do disposto nos artigos 364º, nº 1, ou 393º, nº 1, do Código Civil, pois não se trata de substituir por testemunhas o documento legalmente exigido, mas de o reconstituir;
Para proceder o pedido de reforma, é necessário que a prova produzida permita considerar suficientemente descrito o documento a reformar, quer quanto ao respectivo conteúdo, quer quanto à sua aparência formal, mas apenas quanto aos aspectos relevantes."
Nota - Com interesse, sobre esta acção especial, podem ler-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-05-2006, proferido no processo n.º 3277/2006-6 ("A emissão do certificado de importação cabe no âmbito da gestão pública do Estado. O pedido de concessão de prazo de validade para o certificado de importação interfere no conteúdo da respectiva relação jurídica administrativa. Tratando-se na acção de reforma de documento, sobretudo, de uma relação jurídica administrativa, a competência material para a acção é dos tribunais administrativos."), do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-2005, proferido no processo n.º 0552205 ("O processo especial de reforma de documentos ou autos perdidos, regulado no Código de Processo Civil, foi previsto para situações de desaparecimento irreversível de documentos ou peças processuais, cuja restauração apenas seja viável por aquele processo. Os princípios da economia processual, da celeridade, e da adequação formal impõem o indeferimento liminar da petição inicial da acção, em que uma das partes, socorrendo-se daquele processo, visa suprir o extravio de peças processuais de que dispõe duplicados, oportunamente remetidos à parte contrária que os recebeu, e que se extraviaram no Tribunal. Impunha-se que desse conhecimento, oportunamente, de tal extravio ao Tribunal, e com ele cooperasse, requerendo o ingresso no processo dos duplicados dessas peças que tinha em seu poder – e, ademais, estavam na posse da parte contrária – a quem foram remetidas, antes de lançar mão do processo em causa."), e de 10-02-2004, proferido no processo n.º 0325614 ("É competente o tribunal comum para a acção especial de reforma de documentos, prevista nos artigos 1069 a 1072 do Código de Processo Civil." - num processo em que a competência se discutia entre este e o Tribunal do Comércio).
Quanto ao segundo ponto ("Não adquire força de caso julgado formal, quanto à verificação dos requisitos de procedência da acção, a decisão de mandar seguir o processo, proferida no termo dessa fase, prevista na lei com o objectivo de evitar que prossiga uma acção manifestamente inviável"), concordo inteiramente com a decisão - sempre entendi que a decisão de prosseguimento da acção (em termos próximos dos que, antes da reforma de 1995/96 eram a regra nas acções declarativas comuns e que, hoje, excepcionalmente, se prevêem no artigo 234.º do CPC) não é apta a formar caso julgado, na medida em que não aprecie concretamente qualquer questão e se limite a uma apreciação genérica - princípio que creio subjazer ao disposto no n.º 5 do artigo 234.º do CPC.
Finalmente, parece-me oferecer pouca discussão a conclusão do sumário quanto á possibilidade de uso da prova testemunhal, neste caso. Determinado que esteja o desaparecimento do documento, está apenas em causa reconstituí-lo, naquele processo especial. Aliás, enquanto não se apurar, no processo especial, qual era o conteúdo do documento desaparecido, não será possível sequer concluir que a prova testemunhal se faz contra ou para além dele - em todo o caso, não é questão que se coloque neste processo especial, que se situa logicamente antes dela.
"Em matéria da obrigação de indemnização por danos o princípio, a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente.
Aplicando à situação as regras básicas do ónus da prova, ao Autor cabe a prova do princípio, à Ré cabe a prova da excepção.
Ao autor, que viu o seu automóvel danificado em acidente de viação, cabe a prova do em quanto importa a sua reparação, restaurando in natura o veículo danificado; à Ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo - que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa.
Um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.
Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igulamente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»."
Nota - Considerando, também que não está em causa, nestas hipóteses, apenas a prova do valor venal do veículo, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal Justiça de 12-01-2006, proferido no processo n.º 05B4176, de 10-02-2004, proferido no processo n.º 03A4468, e de 05-07-2007, proferido no processo n.º 07B1849, do Tribunal da Relação do Porto de 16-06-1994, proferido no processo n.º 9321411, de 02-05-2002, proferido no processo n.º 0230570, de 27-05-2004, proferido no processo n.º 0430932, de 28-09-2004, proferido no processo n.º 0423204, de 11-01-2005, proferido no processo n.º 0427006, e de 06-03-2006, proferido no processo n.º 0650879, do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-03-2005, proferido no processo n.º 3302/04. A decisão cita, em sentido oposto, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-1995, in CJ, tomo II, pág. 97 (o qual não consultei, por não ter comigo esse tomo, de momento - creio, porém, que também pode indicar-se em sentido oposto ao da decisão o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-1997, proferido no processo n.º 9520970).
Sobre matéria relacionada, cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2003, proferido no processo n.º 03B2756, do Tribunal da Relação de Lisboa de 09-02-2006, proferido no processo n.º 11972/2005-6, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-11-2007, proferido no processo n.º 356/07.4YCBR.
2) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007, proferido no processo n.º 07B4321:
"O prazo a que se reporta o nº 2 do artigo 39º da Lei nº 68/93, de 4 de Setembro, é de caducidade, mas não se reporta a direitos indisponíveis.
O tribunal não pode conhecer oficiosamente da caducidade do direito de acção tendente a fazer valer o direito de acessão industrial imobiliária relativamente ao terreno baldio de implantação."
Nota - Em sentido oposto, quanto ao conhecimento oficioso da caducidade do direito de acção cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18-01-2000, proferido no processo n.º 9921336, e de 19-02-2004, proferido no processo n.º 0326737, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-06-2007, proferido no processo n.º 1325/05.4TBCVL.C1.
Talvez seja importante fixar aqui as razões pelas quais a decisão anotada se afastou da regra do conhecimento oficioso da caducidade, para reflexão. Aqui fica a parte da fundamentação em causa:
"No plano processual estamos perante uma excepção peremptória própria de tipo extintivo (artigo 487º, nº 2, do Código de Processo Civil).
O tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade dos interessados (artigo 496º do Código de Processo Civil).
No que concerne à prescrição, a lei estabelece que o tribunal a não pode suprir de ofício e que a sua eficácia depende da respectiva invocação, por via judicial, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante, ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público (artigo 303º do Código Civil).
Assim, a consideração da prescrição depende da sua invocação pelas partes interessadas, pelos seus representantes ou pelo Ministério Público.
No que concerne à caducidade, ela só é de conhecimento oficioso pelo tribunal se for estabelecida em matéria de indisponibilidade das partes, nesse caso em qualquer estado do processo (artigo 333º, nº 1, do Código Civil).
No caso contrário, isto é, se a caducidade for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável o regime previsto para a prescrição, ou seja, o tribunal só dela pode conhecer se for invocada por quem dela aproveita (artigo 333º, nº 2, do Código Civil).
Os direitos são indisponíveis quando os respectivos titulares deles não possam dispor por mero efeito da sua vontade, como é o caso dos direitos relativos à personalidade e ao estado pessoal lato sensu, incluindo o familiar, em que prevalecem interesses de ordem pública.
Certo é que os cidadãos integrantes das comunidades locais não podem dispor individualmente do direito de propriedade sobre os terrenos baldios nem os podem adquirir por via da usucapião (artigos 1º, nº 1 e 4º, nº 1, da Lei dos Baldios).
Com efeito, a sua usufruição individual ou colectiva limita-se à apascentação de gados, à recolha de lenhas ou de matos, ao cultivo ou outras utilizações, nomeadamente de natureza agrícola, silvícola, silvo-pastoril ou apícola, a que acima de fez referência.
Dir-se-á que o interesse público exige que se mantenha a referida propriedade comunitária, que corresponde a uma instituição que sobrevive de remoto passado, gerada pela necessidade do povoamento do território português.
Mas importa considerar que os mencionados baldios podem ser objecto de expropriação, de alienação por motivos de interesse público, de constituição de servidões, de cessão exploração por longos períodos, de arrendamento e até de extinção (artigos 10º, 26º, 27º, 29º e 31º, da Lei dos Baldios).
As referidas vicissitudes inscrevem-se na competência da assembleia de compartes, sob proposta do conselho directivo ou após a audição deste (artigos 15º, nº 1, alíneas j) e p), e 21º, alíneas f), da Lei dos Baldios).
Acresce que a lei permite a aquisição do direito de propriedade sobre parcelas de terreno baldio a quem tenha construído nelas, de boa fé, a casa de habitação, como ocorre no caso vertente.
Embora o recorrido pudesse fazer valer, no confronto dos recorrentes, o seu direito a adquirir a construção realizada pelos últimos, porque estes deixaram decorrer o prazo de exercício do direito de aquisição do terreno, não o fez porém, nem contestou esta acção, e já lá vão cerca de sete anos.
Independentemente disso, estamos perante este quadro de disponibilidade pelos órgãos de administração dos baldios em relação à parcela de terreno em causa e ao direito patrimonial dos recorrentes de adquirirem o respectivo direito de propriedade por via do instituto da acessão industrial imobiliária.
Por isso, concluímos que o prazo de um ano a que se reporta o artigo 39º, nº 2, da Lei dos Baldios se refere a direitos disponíveis.
Em consequência, não podiam as instâncias conhecer oficiosamente da excepção peremptória da caducidade, porque o seu conhecimento dependia da respectiva invocação pelo recorrido, e tal não aconteceu."
3) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007, proferido no processo n.º 07B4252:
"A expropriação por utilidade pública de prédios de velha construção, degradados, integrados por lei em zonas críticas de recuperação e reconversão urbanística, envolve particularidades em relação ao regime geral constante do Código das Expropriações de 1999.
Não comportando o aproveitamento económico normal do prédio a habitação ou o exercício de alguma actividade económica de comércio ou indústria, antes implicando a demolição do seu interior no quadro da mencionada reconversão urbanística, não deve o valor da indemnização pela expropriação ser calculada com base no valor do solo apto para construção acrescido do valor da edificação.
Face às normas dos nºs 2 e 3 do artigo 28º do aludido Código extensivamente interpretadas, deve a referida indemnização ser calculada com base no valor do solo apto para construção acrescido do da fachada e cérceas do prédio.
Não tendo as instâncias fixado valor da parte da construção a considerar para o cálculo da indemnização, impõe-se a anulação do acórdão da Relação com vista à ampliação pertinente da matéria de facto."
Nota - Sobre o uso, pelo STJ, da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 729.º do CPC (anular o acórdão da Relação com vista à ampliação da matéria de facto), cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2007, proferido no processo n.º 07A1528, de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A759, de 13-09-2007, proferido no processo n.º 07B1827, de 04-10-2007, proferido no processo n.º 07B2739 e de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2407, de 30-10-2007, proferido no processo n.º 07A3541, e de 15-11-2007, proferido no processo n.º 07B3036.
Tal uso só se justifica quando a matéria apurada se revelar insuficiente para a apreciação jurídica a que o STJ procederá, como tribunal de revista - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2006, proferido no processo n.º 06S789, de 12-01-2006, proferido no processo n.º 05S2655, de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1263, de 09-05-2006, proferido no processo n.º 06A1001, de 02-03-2006, proferido no processo n.º 06B514, de 24-02-2005, proferido no processo n.º 04B4164, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3513 (este especialmente detalhado), de 06-05-2004, proferido no processo n.º 04B1409, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 07A091.
O STJ pode ainda ordenar a baixa do processo, nos termos da mesma norma, para que se sanem contradições nas respostas à matéria de facto - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2005, proferido no processo n.º 05B531, de 11-01-2005, proferido no processo n.º 04A3357, de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03P2032, e de 01-03-2007, proferido no processo n.º 06A4375.
4) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2007, proferido no processo n.º 07B4158:
"Um documento particular só constitui título executivo se provar a constituição ou contiver o reconhecimento de uma obrigação pecuniária e se for assinado pelo devedor (artigo 46º, nº 2, c) do Código de Processo Civil);
Numa execução baseada em título extra-judicial, o executado pode utilizar para se opor à execução todos os fundamentos de que se poderia servir numa acção declarativa;
Num contrato, reduzido a escrito apesar de tal forma não ser imposta por lei, não se pode separar, para efeitos de interpretação da vontade das partes (no sentido juridicamente relevante, apurado de acordo com as regras definidas pelo artigo 236º do Código Civil), o corpo de uma cláusula dos respectivos parágrafos;
Se no corpo da cláusula de um contrato designado por “contrato de transmissão de acções” se estabelecer que a liquidação do valor global da transmissão, pelo adquirente, será efectuado até uma determinada data, de acordo com as suas possibilidades, e no parágrafo único da mesma cláusula se estipular que, se até essa data, tal montante não estiver pago, o adquirente se obriga a devolver as acções em causa, a consideração conjunta das duas partes da cláusula leva à conclusão de que se estipulou que o adquirente ficava com a possibilidade de, até àquela data, optar entre pagar o valor das acções ou devolvê-las ao alienante;
O documento em causa não pode ser utilizado como título executivo numa execução destinada a obter o pagamento do preço da transmissão, ainda que proposta após a referida data, porque não prova a constituição da obrigação de o pagar."
Nota - Não estava em causa, neste processo, a noção de título executivo (pacífica, nos termos expostos no sumário), mas tão-só a interpretação de um cláusula contratual. A admitir que a obrigação pecuniária não se encontrava devidamente comprovada no documento (apesar de bem construída, a fundamentação não esclarece completamente quanto a esta matéria, sentindo-se, quanto a mim, a necessidade de conhecer todo o contrato), então a conclusão só poderia ser no sentido apontado, segundo o qual o contrato não poderia constituir título executivo.
5) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2007, proferido no processo n.º 07B1301:
"O processo especial de reforma de documentos, regulado no artigo 1067º e segs. do Código de Processo Civil, comporta uma fase inicial, prévia à citação e sem contraditório, que comporta produção de prova, destinada a que o autor, sumariamente, descreva o documento a reformar, justifique o interesse na sua recuperação e, caso alegue extravio, os termos em que o mesmo ocorreu;
Não adquire força de caso julgado formal, quanto à verificação dos requisitos de procedência da acção, a decisão de mandar seguir o processo, proferida no termo dessa fase, prevista na lei com o objectivo de evitar que prossiga uma acção manifestamente inviável;
É admissível prova testemunhal para proceder à reforma de um documento escrito que contenha um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, sem qualquer violação do disposto nos artigos 364º, nº 1, ou 393º, nº 1, do Código Civil, pois não se trata de substituir por testemunhas o documento legalmente exigido, mas de o reconstituir;
Para proceder o pedido de reforma, é necessário que a prova produzida permita considerar suficientemente descrito o documento a reformar, quer quanto ao respectivo conteúdo, quer quanto à sua aparência formal, mas apenas quanto aos aspectos relevantes."
Nota - Com interesse, sobre esta acção especial, podem ler-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-05-2006, proferido no processo n.º 3277/2006-6 ("A emissão do certificado de importação cabe no âmbito da gestão pública do Estado. O pedido de concessão de prazo de validade para o certificado de importação interfere no conteúdo da respectiva relação jurídica administrativa. Tratando-se na acção de reforma de documento, sobretudo, de uma relação jurídica administrativa, a competência material para a acção é dos tribunais administrativos."), do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-2005, proferido no processo n.º 0552205 ("O processo especial de reforma de documentos ou autos perdidos, regulado no Código de Processo Civil, foi previsto para situações de desaparecimento irreversível de documentos ou peças processuais, cuja restauração apenas seja viável por aquele processo. Os princípios da economia processual, da celeridade, e da adequação formal impõem o indeferimento liminar da petição inicial da acção, em que uma das partes, socorrendo-se daquele processo, visa suprir o extravio de peças processuais de que dispõe duplicados, oportunamente remetidos à parte contrária que os recebeu, e que se extraviaram no Tribunal. Impunha-se que desse conhecimento, oportunamente, de tal extravio ao Tribunal, e com ele cooperasse, requerendo o ingresso no processo dos duplicados dessas peças que tinha em seu poder – e, ademais, estavam na posse da parte contrária – a quem foram remetidas, antes de lançar mão do processo em causa."), e de 10-02-2004, proferido no processo n.º 0325614 ("É competente o tribunal comum para a acção especial de reforma de documentos, prevista nos artigos 1069 a 1072 do Código de Processo Civil." - num processo em que a competência se discutia entre este e o Tribunal do Comércio).
Quanto ao segundo ponto ("Não adquire força de caso julgado formal, quanto à verificação dos requisitos de procedência da acção, a decisão de mandar seguir o processo, proferida no termo dessa fase, prevista na lei com o objectivo de evitar que prossiga uma acção manifestamente inviável"), concordo inteiramente com a decisão - sempre entendi que a decisão de prosseguimento da acção (em termos próximos dos que, antes da reforma de 1995/96 eram a regra nas acções declarativas comuns e que, hoje, excepcionalmente, se prevêem no artigo 234.º do CPC) não é apta a formar caso julgado, na medida em que não aprecie concretamente qualquer questão e se limite a uma apreciação genérica - princípio que creio subjazer ao disposto no n.º 5 do artigo 234.º do CPC.
Finalmente, parece-me oferecer pouca discussão a conclusão do sumário quanto á possibilidade de uso da prova testemunhal, neste caso. Determinado que esteja o desaparecimento do documento, está apenas em causa reconstituí-lo, naquele processo especial. Aliás, enquanto não se apurar, no processo especial, qual era o conteúdo do documento desaparecido, não será possível sequer concluir que a prova testemunhal se faz contra ou para além dele - em todo o caso, não é questão que se coloque neste processo especial, que se situa logicamente antes dela.
Etiquetas: acção de indemnização, ampliação da matéria de facto, baldios, caducidade, caso julgado formal, jurisprudência STJ, prova testemunhal, reforma de documentos, título executivo
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