sexta-feira, novembro 23, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto (parte 1 de 2)

1) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-11-2007, proferido no processo n.º 0745542:
"É inválido o acto de envio a tribunal de uma motivação de recurso através de aparelho de telecópia de advogado que não consta da lista oficial organizada pela Ordem dos Advogados."

Nota - Apesar de esta decisão ter sido proferida em processo penal, optei por dar conta dela aqui, por envolver a interpretação de normas também aplicáveis em processo civil e em relação ao qual tenho a minha opinião já formada há algum tempo.
Antes de mais, convém referir que a posição constante do acórdão anotado é largamente maioritária na jurisprudência (cfr., por exemplo, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 30-09-1997, proferido no processo n.º 97A445, do Tribunal da Relação do Porto de 01-03-2000, proferido no processo n.º 9911230, do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-12-1998, proferido no processo n.º 0072712, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-11-2006, proferido no processo n.º 1021/06.5YRCBR, tendo-se entendido, até, que tal interpretação não viola os preceitos constitucionais (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 191/98).
Discordo, porém, dessa posição maioritária.
Antes de mais, considero, no mínimo, discutível que o disposto no Decreto-Lei n.º 66/2005, de 15 de Março, possa apoiar a interpretação feita no acórdão, já que se destina a regular "a transmissão e recepção por telecópia e por via electrónica pelos serviços registrais, cartórios notariais e outros serviços, bem como a recepção pelas mesmas vias por advogados e solicitadores, de documentos com valor de certidão respeitantes aos arquivos dos serviços registrais e cartórios notariais ou destinados à instrução de actos ou processos dos registos e do notariado ou a arquivo nos respectivos serviços", para além de que, a meu ver, se apoia um erro em outro erro.
Assim, a solução há-de encontrar-se apenas no quadro do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, que regula a transmissão de actos processuais aos tribunais, por telecópia, em processos judiciais.
Ora, sendo verdade que aquele diploma prevê que o acto deve ser praticado a partir de um dos aparelhos registados na lista oficial, uma análise mais atenta das normas em causa imporá, a meu ver, outra solução.
A referência à necessidade de o aparelho constar da lista oficial consta do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, e constava também, na altura, do n.º 3 do artigo 150.º do CPC.
Essa exigência, porém, foi retirada do artigo 150.º do CPC na reforma de 1995/96. Tal alteração, se considerarmos a já de si despropositada cautela da lei, aparentemente decorrente de uma desconfiança na tecnologia que já então não se justificava e hoje ainda menos, leva a que seja mais razoável interpretá-la como implicando uma revogação parcial tácita do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, precisamente na parte em que prevê tal exigência.
Este entendimento - da revogação tácita parcial do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro - é minoritário, mas não isolado. No mesmo sentido, podem ler-se Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 157, e, na jurisprudência, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 06-06-2007, proferido no processo n.º 25/2007-4. Mas ainda que assim não se entenda, parece-me desproporcionada a consequência da nulidade, parecendo, ainda assim, mais razoável a posição que coloca o problema no plano do valor probatório do acto - cfr., por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08-11-1995, in CJ, t. V, 251 e ss., e do Tribunal da Relação de Évora de 16-01-1996, in CJ, t. I, pág. 284.
É claro que nada disto apaga a "jurisprudência das cautelas", razão pela qual, apesar da minha opinião, tendo em conta a jurisprudência maioritária, tenho aconselhado os meus alunos a enviarem o fax de um aparelho registado, para que a "certeza teórica" não se confronte com a decisão prática contrária, sem remédio.



2)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-11-2007, proferido no processo n.º 0725284:
"A acção de divisão de coisa comum com valor superior à alçada da relação, sendo uma acção para a qual a lei prevê a intervenção do tribunal colectivo, verificando-se o condicionalismo do nº 3 do art. 1053º do CPC, é originariamente da competência das varas cíveis e não dos juízos cíveis."

Nota - Não conheço outra decisão sobre esta questão específica, mas concordo com esta.
O problema subjacente ao processo é semelhante ao que tem ocorrido com os processos especiais de interdição. Na vara cível, entendeu-se que o n.º 1 do artigo 97.º da LOFTJ abrange apenas as acções que seguem a forma comum, o que levaria à incompetência do tribunal.
Só que a Relação entendeu - a meu ver bem - que aquela norma da LOFTJ se aplica às acções declarativas, quer sigam o processo especial, quer sigam o processo comum. É o entendimento que melhor se adequa à letra do preceito e que, a meu ver, não há razões para ser aqui afastado (não colhendo o argumento de que a intervenção do colectivo é meramente eventual, pois o mesmo sucede nas acções ordinárias).
No que toca à competência das varas cíveis para o julgamento das acções de interdição, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto
de 31-01-2007, proferido no processo n.º 0656587, e de 06-11-2006, proferido no processo n.º 0654776, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-06-2007, proferido no processo n.º 3900/2007-7. É a corrente jurisprudencial predominante (a mais acertada, a meu ver). Na verdade, houve já algumas decisões dissonantes. O acórdão da Relação do Porto de 20-04-2006, proferido no processo n.º 0631866, enveredou por um caminho um pouco forçado, quanto a mim, decidindo que a acção deveria ser intentada nos juízos cíveis, transitando para as varas cíveis caso houvesse contestação, posição essa que também se encontra no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-05-2003, proferido no processo n.º 3409/2003-6. A dúvida levanta-se, no essencial, porque a tramitação do processo especial de interdição não implica necessariamente a intervenção do tribunal colectivo. Veja-se, a este propósito, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-03-2006, proferido no processo n.º 2064/2006-7, tendo sido expressamente acolhida no citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31-01-2007, proferido no processo n.º 0656587, bem como no de 06-11-2006, proferido no processo n.º 0654776.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-11-2007, proferido no processo n.º 0753594:
"É competente para o julgamento da oposição a execução o Juiz do Tribunal onde a execução decorre, por força do disposto no n.º 2 do art. 817.º do CPC, que remete para os termos do processo sumário, aí se incluindo a competência para julgamento."

Nota - A questão aqui levantada é análoga à que se discutiu no
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-05-2007, proferido no processo n.º 0751166. Aliás, a comarca em causa é precisamente a mesma.
Aliás, o problema é análogo ao que se levantou nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 01-10-2007, proferido no processo n.º 0752634, e de 28-05-2007, proferido no processo n.º 0751166. A diferença é apenas que estes último se debruçavam sobre hipóteses que decorriam em comarca (Porto) com varas cíveis e juízo de execução, e aquelas decisões provieram de comarca (Santa Maria da Feira) que não tem varas, mas sim juiz de círculo.
Mas a questão central, os termos em que se coloca e a argumentação em jogo são muito semelhantes: trata-se de saber se, ultrapassando os embargos o valor da alçada da Relação, o seu julgamento deve continuar a caber ao juiz singular.
A decisão anotada que a competência para o julgamento nos embargos, naquelas hipóteses, pertence ao juiz de círculo ou varas cíveis, conforme a comarca em causa, considerando, com as devidas adaptações, que se mantém a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-1993, in CJ, tomo II, p. 106, por sua vez muito semelhante semelhante ao do mesmo tribunal de 12-03-1996, proferido no processo n.º 88283, in BMJ n.º 455, pág. 402 (texto integral em ligação a ficheiro PDF).
Como já tive oportunidade de referir, concordo com esta posição constante do acórdão em análise e dos outros citados no mesmo sentido, discordando, por exemplo, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-12-2006, proferido no processo n.º 0655190.
A posição que defendo encontra apoio no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2007, proferido no processo n.º 07A1219, e as razões que me convencem constam dos comentários a este post anterior do blog.
Atente-se, por fim, na curiosa circunstância de um dos adjuntos no acórdão já referido de 04-12-2006, proferido no processo n.º 0655190 (contrário à posição que defendo e à da decisão anotada), ter alterado a sua posição, agora como relator no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-10-2007, proferido no processo n.º 0753860, tendo-o nesta decisão assumido expressamente.

Etiquetas: , , , , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial