Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 3 de 3)
1) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-10-2007, proferido no processo n.º 180/06.1TBCNT-B.C1:
"Dispõe o artº 198º-A do CPC que quando a nulidade da citação tenha sido arguida pelo citando, a notificação do despacho que a atenda dispensa a renovação da citação desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artº 235º CPC.
Porém, nestes elementos não se contam aqueles que tenham já sido satisfeitos com o acto de citação anulado (por exemplo, a entrega de documentos efectuada), os quais se têm de considerar como realizados.
O regime de nulidade do acto de citação tem como escopo exclusivo o de evitar a restrição ou a supressão prática do direito de defesa e não deve servir para finalidades puramente formais e dilatórias.
Da leitura do artº 16º do C.C.J. resulta que a condenação de qualquer das partes nas custas de incidentes a que dêem causa e em que fiquem vencidos decorre não de eles assumirem carácter dilatório, mas poderem enquadrar autonomia de tributação no contexto geral do processado da causa.
Essas situações incidentais são de três tipos: - ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas; - a incompetência relativa, os impedimentos, as suspeições, a habilitação, a falsidade, a produção antecipada de prova e o desentranhamento de documentos; - outras questões incidentais não previstas no artº 14º.
A arguição de nulidade da citação operada na pessoa dos requeridos enquadra uma questão incidental atípica, de natureza contenciosa e que não se insere na normal tributação da causa, pelo que se justifica a tributação do incidente, à margem da tributação da causa, devendo quem nele ficou vencido pagar as custas que forem devidas."
Nota - O acórdão analisa dois problemas distintos, ainda que relacionáveis.
O primeiro resume-se ao seguinte: arguida, com sucesso, a nulidade da citação, a renovação do acto implicará que se repitam todos os actos já anteriormente realizados (por exemplo, a entrega de documentos)?
No acórdão em análise entendeu-se que não, no caso concreto, pois da própria arguição da nulidade se depreendia que não tinha sido a falta dos documentos que havia fundamentado tal arguição, para além de estar demonstrado nos autos que a parte os conhecia, bem como ao seu teor. Assim, poder-se-ia sustentar que, neste caso concreto, não tendo a falta da entrega de documentos, na citação repetida, prejudicado a defesa da parte, não teria esta sucesso na arguição de uma segunda nulidade daí decorrente. No entanto, independentemente destas considerações, penso que a regra, na repetição da citação, deve ser a de praticar todos os actos que ela implica (incluindo, também, a da entrega dos documentos). Deste modo se evitarão dúvidas (sobre quais actos da anterior citação são aproveitáveis), para além de que, segundo me parece, se respeitará melhor o espírito da lei (que é repetir a citação, e não apenas alguns dos actos que a integram).
O segundo passa por saber se a nulidade da citação poderá considerar-se incidente autónomo para efeitos de tributação, em sede de custas. Na decisão anotada, entendeu-se que sim. Embora não conheça outra que analise propriamente o problema, encontram-se hipóteses em que o tribunal decidiu tributar os actos em causa como incidente - cfr. a parte decisória do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2004, proferido no processo n.º 0424730, a decisão de 1.ª instância confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 4297/2007-7, e a decisão de 1.ª instância confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2006, proferido no processo n.º 3313/2006-7.
2) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2007, proferido no processo n.º 973/05.7TBPMS.C1:
"Em caso de contestação da oposição à execução, embora a mesma deva ser notificada ao executado, este não dispõe de qualquer articulado suplementar onde possa responder à matéria da mesma.
O direito de crédito cambiário é cartular, pressupondo uma relação jurídica prévia, a relação subjacente ou fundamental, e tem, normalmente, o mesmo conteúdo económico de um dos direitos que decorre desta, de forma a que, sem esta última, não se explica a criação do título.
Não se está em presença de dois títulos executivos, mas apenas de um, o contrato de mútuo, enquanto relação fundamental, o qual, só por si, independentemente da livrança, se observados os demais requisitos legais, pode servir de título executivo bastante, sendo o título de crédito cambiário o instrumento da circulação de direitos, através do mecanismo do endosso.
A letra e assinatura constantes de um documento particular devem ser havidas como verdadeiras, por força da lei, independentemente de reconhecimento, expresso ou tácito, se, apesar de serem atribuídas ao executado, este declarou não saber se lhe pertencem.
A força probatória legal formal do documento particular só pode ser impugnada pelo incidente de falsidade, sob pena de fazer prova plena, quanto às declarações atribuídas ao seu autor, isto é, de revestir força probatória legal material."
Nota - O primeiro ponto é pacífico, em face do artigo 817.º, n.º 2 do CPC ("se for recebida a oposição, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração"). Não se esqueça, porém, nestas hipóteses, o regra do artigo 3.º, n.º 4 do CPC ("Às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final."). Para uma análise das consequências do exercício (ou falta dele) da faculdade prevista no artigo 3.º, n.º 4 do CPC, numa hipótese próxima da analisada no acórdão anotado, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-03-2007, proferido no processo n.º 07B764.
Quanto ao segundo ponto (juntos dois documentos - um contrato e uma livrança - que são títulos executivos, como saber qual deles se deve considerar invocado?), o caso em apreço não oferecia a dificuldade de os títulos não coincidirem no montante da obrigação devida. Mais difícil seria se fossem divergentes - uma hipótese que foi analisada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-07-2004, proferido no processo n.º 1335/04-1.Quanto à força probatória dos documentos particulares, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2007, proferido no processo n.º 07S921, de 13-02-2003, proferido no processo n.º 02B4551, de 26-06-1984, proferido no processo n.º 071793, de 03-05-1987, in BMJ n.º267, pág. 125, de 10-03-1980, in BMJ n.º 295, pág. 345, e de 03-02-1994, in BMJ n.º 434, pág. 547.
A genuinidade do documento particular determina-se nos termos do artigo 374.º do Código Civil.
3) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-09-2007, proferido no processo n.º 146/06:
"A lei admite que os documentos supervenientes possam ser juntos com as alegações de recurso, depois do encerramento da discussão em 1ª instância, apenas, nos casos excepcionais, em que a sua apresentação não tenha sido possível, até ao aludido encerramento da discussão em 1ª instância."
Nota - Sobre a junção de documento em fase de recurso, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-1999, proferido no processo n.º 98B908 ("A junção de um documento apenas se torna necessária em virtude do julgamento em 1. instância (artigo 524 n. 1 do CPC) quando essa decisão se haja baseado em meio probatório inesperadamente junto ou deduzido por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação os litigantes justificadamente não tivessem contado"). Cfr. ainda, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-2006, proferido no processo n.º 06A3489, de 31-05-2005, proferido no processo n.º 05B1094, e de 10-02-2005, proferido no processo n.º 04B4506 (considerando a regra aplicável nos mesmos termos aos processos de jurisdição voluntária), de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B287, e de 09-10-2007, proferido no processo n.º 07A703.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-1994 (in BMJ 433, pág. 467) tem servido de âncora para muitas decisões posteriores, quanto a esta matéria (não sendo o caso do acórdão anotado, este cita, na fundamentação, a obra de João Espírito Santo, O Documento Superveniente Para Efeito de Recurso Ordinário e Extraordinário, Coimbra: Almedina, 2001, pág. 50) .
O sumário do dito acórdão de 12-01-1994 é o seguinte: "I – O nº 2 do artigo 524º do Código de Processo Civil permite que os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, possam ser oferecidos em qualquer estado do processo. II – A expressão «em qualquer estado do processo» significa que os documentos em referência podem ser juntos mesmo depois de encerrada a discussão em 1ª instância. III – Prescrevendo o nº 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil que «as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 525º», deve, todavia, entender-se que é necessário, para que a junção seja lícita, que a parte demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância. IV – A última parte do referido nº I do artigo 706º – que permite às partes juntar documentos às alegações «no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1. a instância» – não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o despacho da acção e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. V – Na verdade, o legislador quis cingir-se aos casos que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida decisão na 1ª instância. VI – Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar a decisão da lª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam. VII – É matéria de facto da competência das instâncias determinar se os factos constantes da especificação e do questionário são ou não suficientes para a boa decisão da causa, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias e, consequentemente, pronunciar-se sobre o acórdão da Relação que julgar da suficiência dos factos para conhecer do mérito. VIII – A matéria de facto dada como provada pela Relação só pode ser censurada pelo Supremo Tribunal de Justiça havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos 722º, nº 2, e 729º, ambos do Código de Processo Civil)".
4) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-10-2007, proferido no processo n.º 361/04:
"Quem alega um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos do mesmo.
Pretendendo ver declarada a constituição de uma servidão de passagem por usucapião, terá o Autor que alegar, além do decurso do tempo os factos integrados de uma posse pública, pacífica e de boa-fé.
No tocante ao animus, elemento intencional da posse, o mesmo presume-se, provada a materialidade dos actos possessórios; todavia o Autor não está dispensado de alegar tal facto.
É admitida a constituição de uma servidão de passagem por usucapião ainda que de carácter sazonal. Todavia também aqui terão que existir sinais materiais visíveis e indiciadores de tal servidão ainda que compatíveis com a natureza da mesma.
Tendo sido eliminada a regulamentação das acções de arbitramento que tinha a sua sede nos artigos 1 053º ss do Código de Processo Civil, a constituição das servidões legais de passagem segue hoje o formalismo previsto no processo comum. Todavia tal não obsta a que o Autor tenha de alegar os factos constitutivos do seu direito, bem como os elementos essenciais para que a acção possa ter êxito, ou seja as condições da respectiva procedência e ainda as necessárias para que a acção possa prosseguir e o Tribunal se possa pronunciar sobre o respectivo mérito.
Entre estas últimas conta-se o valor que o Autor entende ser de atribuir ao benefício pretendido em ordem a que o mesmo possa ser objecto de pronúncia por parte dos R. e ulteriormente de avaliação pericial.
A falta de tal alegação surge como uma excepção dilatória inominada artigo 494º do Código de Processo Civil, à luz do disposto no do Código de Processo Civil, sendo que a sua falta dá origem à absolvição do Réu da instância - artigo 288º nº 1 alínea e) do mesmo diploma legal."
Nota - Muitíssimo interessante é esta decisão, pronunciando-se sobre um problema raro do processo civil. Se o autor, numa acção em que pretende a constituição de uma servidão, não alegar o valor que entende ser de atribuir ao benefício pretendido, e se já não o puder fazer, o tribunal deve absolver o réu da instância ou do pedido?
Na decisão em análise, entendeu-se - a meu ver, bem - que a dita falta constitui excepção dilatória inominada, absolvendo o réu da instância.
À primeira vista, poder-se-ia pensar que se trata, aqui, de uma condição de procedência da acção (cuja falta conduziria à aboslvição do pedido), mas não me parece que seja esse o melhor enquadramento a dar ao problema. O que se passa é que, sem que seja alegado o valor, o tribunal não estará em condições de apreciar o mérito (por falta de um elemento no processo que antecede esse juízo de mérito).
Trata-se, assim, de uma hipótese de certo modo análoga à falta de junção de contrato escrito nas acção de arrendamento rural, nos termos do artigo 35.º, n.º 5 do RAR (cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-11-2002, proferido no processo n.º 1998/02, de 17-10-2006, proferido no processo n.º 19/2000.C1, 25-03-1996, in CJ XXI, t. II, pág. 20, e do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2007, proferido no processo n.º 0627330, e de 11-01-2001, proferido no processo n.º 0031685), em que o tribunal considera que a falta obsta ao conhecimento do mérito.
"Dispõe o artº 198º-A do CPC que quando a nulidade da citação tenha sido arguida pelo citando, a notificação do despacho que a atenda dispensa a renovação da citação desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artº 235º CPC.
Porém, nestes elementos não se contam aqueles que tenham já sido satisfeitos com o acto de citação anulado (por exemplo, a entrega de documentos efectuada), os quais se têm de considerar como realizados.
O regime de nulidade do acto de citação tem como escopo exclusivo o de evitar a restrição ou a supressão prática do direito de defesa e não deve servir para finalidades puramente formais e dilatórias.
Da leitura do artº 16º do C.C.J. resulta que a condenação de qualquer das partes nas custas de incidentes a que dêem causa e em que fiquem vencidos decorre não de eles assumirem carácter dilatório, mas poderem enquadrar autonomia de tributação no contexto geral do processado da causa.
Essas situações incidentais são de três tipos: - ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas; - a incompetência relativa, os impedimentos, as suspeições, a habilitação, a falsidade, a produção antecipada de prova e o desentranhamento de documentos; - outras questões incidentais não previstas no artº 14º.
A arguição de nulidade da citação operada na pessoa dos requeridos enquadra uma questão incidental atípica, de natureza contenciosa e que não se insere na normal tributação da causa, pelo que se justifica a tributação do incidente, à margem da tributação da causa, devendo quem nele ficou vencido pagar as custas que forem devidas."
Nota - O acórdão analisa dois problemas distintos, ainda que relacionáveis.
O primeiro resume-se ao seguinte: arguida, com sucesso, a nulidade da citação, a renovação do acto implicará que se repitam todos os actos já anteriormente realizados (por exemplo, a entrega de documentos)?
No acórdão em análise entendeu-se que não, no caso concreto, pois da própria arguição da nulidade se depreendia que não tinha sido a falta dos documentos que havia fundamentado tal arguição, para além de estar demonstrado nos autos que a parte os conhecia, bem como ao seu teor. Assim, poder-se-ia sustentar que, neste caso concreto, não tendo a falta da entrega de documentos, na citação repetida, prejudicado a defesa da parte, não teria esta sucesso na arguição de uma segunda nulidade daí decorrente. No entanto, independentemente destas considerações, penso que a regra, na repetição da citação, deve ser a de praticar todos os actos que ela implica (incluindo, também, a da entrega dos documentos). Deste modo se evitarão dúvidas (sobre quais actos da anterior citação são aproveitáveis), para além de que, segundo me parece, se respeitará melhor o espírito da lei (que é repetir a citação, e não apenas alguns dos actos que a integram).
O segundo passa por saber se a nulidade da citação poderá considerar-se incidente autónomo para efeitos de tributação, em sede de custas. Na decisão anotada, entendeu-se que sim. Embora não conheça outra que analise propriamente o problema, encontram-se hipóteses em que o tribunal decidiu tributar os actos em causa como incidente - cfr. a parte decisória do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19-10-2004, proferido no processo n.º 0424730, a decisão de 1.ª instância confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 4297/2007-7, e a decisão de 1.ª instância confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-2006, proferido no processo n.º 3313/2006-7.
2) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-10-2007, proferido no processo n.º 973/05.7TBPMS.C1:
"Em caso de contestação da oposição à execução, embora a mesma deva ser notificada ao executado, este não dispõe de qualquer articulado suplementar onde possa responder à matéria da mesma.
O direito de crédito cambiário é cartular, pressupondo uma relação jurídica prévia, a relação subjacente ou fundamental, e tem, normalmente, o mesmo conteúdo económico de um dos direitos que decorre desta, de forma a que, sem esta última, não se explica a criação do título.
Não se está em presença de dois títulos executivos, mas apenas de um, o contrato de mútuo, enquanto relação fundamental, o qual, só por si, independentemente da livrança, se observados os demais requisitos legais, pode servir de título executivo bastante, sendo o título de crédito cambiário o instrumento da circulação de direitos, através do mecanismo do endosso.
A letra e assinatura constantes de um documento particular devem ser havidas como verdadeiras, por força da lei, independentemente de reconhecimento, expresso ou tácito, se, apesar de serem atribuídas ao executado, este declarou não saber se lhe pertencem.
A força probatória legal formal do documento particular só pode ser impugnada pelo incidente de falsidade, sob pena de fazer prova plena, quanto às declarações atribuídas ao seu autor, isto é, de revestir força probatória legal material."
Nota - O primeiro ponto é pacífico, em face do artigo 817.º, n.º 2 do CPC ("se for recebida a oposição, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo sumário de declaração"). Não se esqueça, porém, nestas hipóteses, o regra do artigo 3.º, n.º 4 do CPC ("Às excepções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência preliminar ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final."). Para uma análise das consequências do exercício (ou falta dele) da faculdade prevista no artigo 3.º, n.º 4 do CPC, numa hipótese próxima da analisada no acórdão anotado, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-03-2007, proferido no processo n.º 07B764.
Quanto ao segundo ponto (juntos dois documentos - um contrato e uma livrança - que são títulos executivos, como saber qual deles se deve considerar invocado?), o caso em apreço não oferecia a dificuldade de os títulos não coincidirem no montante da obrigação devida. Mais difícil seria se fossem divergentes - uma hipótese que foi analisada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-07-2004, proferido no processo n.º 1335/04-1.Quanto à força probatória dos documentos particulares, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2007, proferido no processo n.º 07S921, de 13-02-2003, proferido no processo n.º 02B4551, de 26-06-1984, proferido no processo n.º 071793, de 03-05-1987, in BMJ n.º267, pág. 125, de 10-03-1980, in BMJ n.º 295, pág. 345, e de 03-02-1994, in BMJ n.º 434, pág. 547.
A genuinidade do documento particular determina-se nos termos do artigo 374.º do Código Civil.
3) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25-09-2007, proferido no processo n.º 146/06:
"A lei admite que os documentos supervenientes possam ser juntos com as alegações de recurso, depois do encerramento da discussão em 1ª instância, apenas, nos casos excepcionais, em que a sua apresentação não tenha sido possível, até ao aludido encerramento da discussão em 1ª instância."
Nota - Sobre a junção de documento em fase de recurso, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-1999, proferido no processo n.º 98B908 ("A junção de um documento apenas se torna necessária em virtude do julgamento em 1. instância (artigo 524 n. 1 do CPC) quando essa decisão se haja baseado em meio probatório inesperadamente junto ou deduzido por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação os litigantes justificadamente não tivessem contado"). Cfr. ainda, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-2006, proferido no processo n.º 06A3489, de 31-05-2005, proferido no processo n.º 05B1094, e de 10-02-2005, proferido no processo n.º 04B4506 (considerando a regra aplicável nos mesmos termos aos processos de jurisdição voluntária), de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B287, e de 09-10-2007, proferido no processo n.º 07A703.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-1994 (in BMJ 433, pág. 467) tem servido de âncora para muitas decisões posteriores, quanto a esta matéria (não sendo o caso do acórdão anotado, este cita, na fundamentação, a obra de João Espírito Santo, O Documento Superveniente Para Efeito de Recurso Ordinário e Extraordinário, Coimbra: Almedina, 2001, pág. 50) .
O sumário do dito acórdão de 12-01-1994 é o seguinte: "I – O nº 2 do artigo 524º do Código de Processo Civil permite que os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, possam ser oferecidos em qualquer estado do processo. II – A expressão «em qualquer estado do processo» significa que os documentos em referência podem ser juntos mesmo depois de encerrada a discussão em 1ª instância. III – Prescrevendo o nº 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil que «as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 525º», deve, todavia, entender-se que é necessário, para que a junção seja lícita, que a parte demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância. IV – A última parte do referido nº I do artigo 706º – que permite às partes juntar documentos às alegações «no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1. a instância» – não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o despacho da acção e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. V – Na verdade, o legislador quis cingir-se aos casos que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida decisão na 1ª instância. VI – Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar a decisão da lª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam. VII – É matéria de facto da competência das instâncias determinar se os factos constantes da especificação e do questionário são ou não suficientes para a boa decisão da causa, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias e, consequentemente, pronunciar-se sobre o acórdão da Relação que julgar da suficiência dos factos para conhecer do mérito. VIII – A matéria de facto dada como provada pela Relação só pode ser censurada pelo Supremo Tribunal de Justiça havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos 722º, nº 2, e 729º, ambos do Código de Processo Civil)".
4) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02-10-2007, proferido no processo n.º 361/04:
"Quem alega um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos do mesmo.
Pretendendo ver declarada a constituição de uma servidão de passagem por usucapião, terá o Autor que alegar, além do decurso do tempo os factos integrados de uma posse pública, pacífica e de boa-fé.
No tocante ao animus, elemento intencional da posse, o mesmo presume-se, provada a materialidade dos actos possessórios; todavia o Autor não está dispensado de alegar tal facto.
É admitida a constituição de uma servidão de passagem por usucapião ainda que de carácter sazonal. Todavia também aqui terão que existir sinais materiais visíveis e indiciadores de tal servidão ainda que compatíveis com a natureza da mesma.
Tendo sido eliminada a regulamentação das acções de arbitramento que tinha a sua sede nos artigos 1 053º ss do Código de Processo Civil, a constituição das servidões legais de passagem segue hoje o formalismo previsto no processo comum. Todavia tal não obsta a que o Autor tenha de alegar os factos constitutivos do seu direito, bem como os elementos essenciais para que a acção possa ter êxito, ou seja as condições da respectiva procedência e ainda as necessárias para que a acção possa prosseguir e o Tribunal se possa pronunciar sobre o respectivo mérito.
Entre estas últimas conta-se o valor que o Autor entende ser de atribuir ao benefício pretendido em ordem a que o mesmo possa ser objecto de pronúncia por parte dos R. e ulteriormente de avaliação pericial.
A falta de tal alegação surge como uma excepção dilatória inominada artigo 494º do Código de Processo Civil, à luz do disposto no do Código de Processo Civil, sendo que a sua falta dá origem à absolvição do Réu da instância - artigo 288º nº 1 alínea e) do mesmo diploma legal."
Nota - Muitíssimo interessante é esta decisão, pronunciando-se sobre um problema raro do processo civil. Se o autor, numa acção em que pretende a constituição de uma servidão, não alegar o valor que entende ser de atribuir ao benefício pretendido, e se já não o puder fazer, o tribunal deve absolver o réu da instância ou do pedido?
Na decisão em análise, entendeu-se - a meu ver, bem - que a dita falta constitui excepção dilatória inominada, absolvendo o réu da instância.
À primeira vista, poder-se-ia pensar que se trata, aqui, de uma condição de procedência da acção (cuja falta conduziria à aboslvição do pedido), mas não me parece que seja esse o melhor enquadramento a dar ao problema. O que se passa é que, sem que seja alegado o valor, o tribunal não estará em condições de apreciar o mérito (por falta de um elemento no processo que antecede esse juízo de mérito).
Trata-se, assim, de uma hipótese de certo modo análoga à falta de junção de contrato escrito nas acção de arrendamento rural, nos termos do artigo 35.º, n.º 5 do RAR (cfr. acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-11-2002, proferido no processo n.º 1998/02, de 17-10-2006, proferido no processo n.º 19/2000.C1, 25-03-1996, in CJ XXI, t. II, pág. 20, e do Tribunal da Relação do Porto de 13-03-2007, proferido no processo n.º 0627330, e de 11-01-2001, proferido no processo n.º 0031685), em que o tribunal considera que a falta obsta ao conhecimento do mérito.
Penso que a solução da decisão anotada é a mais acertada, pois absolver o réu do pedido não conduziria aos melhores resultados. O que falta no processo é um elemento formal (indicação do valor). Não é comparável à falta de alegação de uma condição de procedência da acção (por exemplo, não alegar a culpa na violação das obrigações decorrentes do casamento, numa acção de divórcio), pois, no caso em apreço, falta ao processo um elemento cuja existência é certa (o valor), enquanto que no segundo, a falta da alegação consubstancia insuficiência da causa de pedir, que conduz (essa sim) à absolvição do pedido.
Etiquetas: citação, excepção dilatória, jurisprudência TRC, nulidade processual, processo executivo, prova documental, recursos, título executivo
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