domingo, março 04, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

1) Acórdão de 13-02-2007, proferido no processo n.º 0627123:
"Depois de prescrita a obrigação cambiária incorporada num cheque, este pode continuar a ser título executivo, agora na veste de documento particular assinado pelo devedor, bastando que o exequente alegue na petição executiva a obrigação causal, desde que esta não constitua um negócio jurídico formal.
No caso de mútuo nulo por inobservância da forma legal, a nulidade inquina a invalidade do título que o pretende representar, tornando-o inexequível
"
.

Nota - No mesmo sentido, cfr. os acórdãos da mesma Relação
de 30-05-2005, proferido no processo n.º 0551718, de 14-02-2005, proferido no processo n.º 0457128 e de 06-10-2004, proferido no processo n.º 0453923 e da Relação de Guimarães de 09-11-2005, proferido no processo n.º 1502/05-2.
A posição maioritária na jurisprudência, quanto à exequibilidade do cheque prescrito pode encontrar-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 19-01-2004, proferido no processo n.º 03A3881. Para uma análise actualizada das várias correntes jurisprudenciais sobre a matéria, cfr. o acórdão do mesmo tribunal de 04-04-2006, proferido no processo n.º 06A736.
Para uma análise detalhada da ligação entre a relação cambiária emergente do cheque e a relação subjacente de mútuo, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 09-03-2004, proferido no processo n.º 03B4109.
Naturalmente que, se a relação cambiária não sofrer qualquer vício, a nulidade do mútuo por falta de forma não a afectará (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 25-10-2005, proferido no processo n.º 05A2703), sem prejuízo da possibilidade de invocação desse vício da relação subjacente, nas relações imediatas (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2003, proferido no processo n.º 03B3628).
A obrigação de restituição da quantia mutuada, decorrente da nulidade do mútuo, não é afectada pelo vício, pelo que pode ser titulada por cheque ou letra (cfr. os acórdãos da Relação do Porto
de 19-02-2004, proferido no processo n.º 0326076, de 20-04-2004, proferido no processo n.º 0421302, e de 22-11-2005, proferido no processo n.º 0524239).

2)
Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 0626871:
"Destina-se o direito de retenção conferido ao promitente-comprador de prédio urbano com traditio
a garantir que este seja ressarcido do crédito emergente de incumprimento por parte do promitente-vendedor, mantendo o seu direito de reter a coisa, de recusar a entrega, enquanto se mantiver a sua situação creditícia.
Não obsta, porém, à penhora e subsequente venda do prédio, não podendo o promitente-comprador travar ou paralisar a execução de outros credores com embargos de terceiro"
.

Nota - Em sentido concordante, podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal
de Justiça de 11-07-2006, proferido no processo n.º 06A1880, de 26-02-1992, proferido no processo n.º 081497, e de 12-02-2004, in CJ, tomo I, pág. 57, do Tribunal da Relação do Porto de 23-01-1996, proferido no processo n.º 9421190, de 12-06-1995, proferido no processo n.º 9451210, de 27-06-1995, proferido no processo n.º 9421188, do Tribunal da Relação de Évora de 09-03-2005, proferido no processo n.º 2196/04-2, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2005, 2396/2005-8, de 29-04-2003, proferido no processo n.º 00166811, e de 31-05-1990, proferido no processo n.º 0013232 (com um voto de vencido).
Admitindo, excepcionalmente, em certos casos, o recurso aos embargos (por exemplo, quando haja pagamento da totalidade do preço da coisa prometida vender), cfr. o acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa
de 11-01-1996, proferido no processo n.º 0005582.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 22-09-2005, proferido no processo n.º 05B1488, apesar de ter o mesmo sentido, contou com um voto de vencido, quanto a esta questão, considerando que o arresto ou penhora ofendem a posse do titular do direito de retenção e que, ainda que assim não se entendesse, "sempre haverá que ter em atenção a nova fisionomia dos embargos de terceiro, cuja instauração e procedência se bastam agora com a realização de acto judicial incompatível com direito de terceiro, situação que certamente acontece com o arresto ( e futura conversão em penhora e venda em acção executiva) em relação ao direito de retenção do promitente-comprador inocente".
A jurisprudência anterior à reforma de 1995/96 parecia ser maioritariamente favorável à possibilidade de embargar, por parte do titular do direito de retenção (cfr. os acórdãos do STJ de 19-11-1996, in CJ, tomo III, pág. 110, de 18-11-1982, in BMJ 321, pág. 387, de 04-12-1984, in BMJ 342, pág. 347, de 25-02-1986, in BMJ 354, pág. 549, de 16-05-1989, in BMJ 387, pág. 579, de 22-06-1989, in BMJ 388, pág. 437, de 22-01-1991, in BMJ 404, pág. 465, e de 07-03-1991, in BMJ 405, pág. 456).
Precisamente porque a questão não é linear e há algumas dúvidas na jurisprudência, decidiu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 30-01-2006, proferido no processo n.º 0555999, que "existindo, na doutrina e na jurisprudência, soluções diferentes, no que respeita à posição jurídica do promitente-comprador de uma fracção autónoma de que obteve a “traditio”, os embargos de terceiro por si deduzidos por tal fracção autónoma ter sido penhorada em processo executivo, alegando o embargante que, desde 1999, nela vive e exerce actos de posse como se fosse dono, não devem ser julgados improcedentes no despacho saneador". Discordo em absoluto desta decisão, a qual, salvo melhor opinião, não reproduz correctamente o espírito dos requisitos da decisão antecipada no despacho saneador.
Sobre o que sucede depois da venda, até que seja satisfeito o direito de crédito do titular do direito de retenção, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 23-01-2003, proferido no processo n.º 02B4386.

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1 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Sobre o tema da prescrição do cheque no direito brasileiro, vejam o julgamento adiante reproduzido.

Um abraço,

Ricardo Nacle

AÇÃO DE COBRANÇA - Cheque prescrito que não perde, contudo, sua eficácia cambial. Circulação do título. Endosso a terceiro de boa-fé. Incidência da inoponibilidade das exceções pessoais. Condenação da parte demandada ao pagamento do valor expresso no título. Incidência da multa de 10% sobre a condenação. Aplicabilidade da Lei nº 11.232/2005. O cheque, enquanto não prescrito, é título executivo extrajudicial, certo, líquido e exigível, autorizando processo de execução. Prescrito, mas não decorrido o prazo de dois anos (art. 61 da Lei nº 7.357/1985), autoriza ação de natureza cambial, dispensando a discussão sobre causa debendi, que tanto pode ser promovida pelo rito comum (ordinário ou sumário) ou pelo procedimento especial da ação monitória. Além desse prazo bienal, o cheque perde totalmente suas características, transformando-se tão-somente em prova escrita. Caso em que o título não perdeu sua característica cambial, embora prescrito, e, tendo ocorrido a circulação, com o endosso a terceiro de boa-fé, aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais, mostrando-se irrelevante a desavença comercial entre emitente e endossante do cheque. Condenação da parte demandada ao pagamento do valor exigido, acrescidos dos demais consectários, no prazo de 15 dias, sob pena da incidência da multa de 10% prevista pelo art. 475-j do CPC. Apelação provida. (TJRS - 17ª Câm. Cível; ACi nº 70017661646-Porto Alegre-RS; Rel. Des. Elaine Harzheim Macedo; j. 7/12/2006; v.u.). B. AASP
Tal título, como ordem de pagamento à vista que é, vem contemplado no ordenamento jurídico pátrio como título executivo extrajudicial, à luz do art. 585, inciso I, do CPC, mas cuja força prescritiva se esgota em tempo célere, isto é, 6 (seis) meses a contar da expiração do prazo de sua apresentação, na forma do art. 59, da Lei nº 7.357/1985. Vale dizer, dentro desse prazo, o credor goza de crédito certo, líquido e exigível. Decorrido o mesmo, remanesce, ainda, a ação cambial regulada pelo art. 61 do predito diploma legal. Trata-se de ação não mais executiva e sim de pretensão condenatória, isto é, visando à formação de título executivo agora judicial, seja via processo de cognição plenária (arts. 275 ou 282, do CPC), seja via processo sumário da ação monitória (art. 1.120 a). Não perde ela, porém, suas características de ação cambial, tanto assim que prevista e regulada pela Lei do Cheque. Mas também esse instrumento tem prazo prescricional, que é de 2 (dois) anos, computados da data em que se deu a prescrição. Decorrido o mesmo, não há mais que se falar em cheque, mas apenas em documento, como outro qualquer, que terá o condão de, no máximo, conformar uma prova de dívida, podendo a respectiva pretensão material de satisfação resolver-se, assim como a anterior, em sede ou de processo de procedimento comum ordinário ou sumário formal, ou ainda via ação monitória, cujo juízo de verossimilhança, porém, uma vez impugnada, não se furta a maiores investigações.
É sempre importante destacar que, pela característica e requisito da autonomia, o título de crédito é autônomo, segundo VIVANTE, "porque o possuidor de boa-fé exercita um direito próprio, que não pode ser restringido ou destruído em virtude das relações existentes entre os anteriores possuidores e o devedor. Cada obrigação que deriva do título é autônoma em relação às demais" (RUBENS REQUIÃO in Curso de Direito Comercial, 2º vol., 17ª ed., Saraiva, São Paulo, p. 299).
Além disso, pelo princípio da inoponibilidade das exceções cambiárias, o "interesse social visa, no terreno do crédito, a proporcionar ampla circulação dos títulos de crédito, dando aos terceiros de boa-fé plena garantia e segurança na sua aquisição. É necessário que na circulação do título, aquele que o adquiriu, mas que não conheceu ou participou da relação fundamental ou da relação anterior que ao mesmo deu nascimento ou circulação, fique assegurado de que nenhuma surpresa lhe venha perturbar o seu direito de crédito por quem com ele não esteve em relação direta. O título deve, destarte, passar-lhe às mãos purificado de todas as questões fundadas em direito pessoal, que porventura os antecessores tivessem entre si, de forma a permanecer límpido e cristalino nas mãos do novo portador" (REQUIÃO in obra citada, p. 304).
E, segue adiante o erudito comercialista:
"A segurança do terceiro de boa-fé é essencial na negociabilidade dos títulos de crédito. O direito, em diversos preceitos legais, realiza essa proteção, impedindo que o subscritor ou devedor do título se valha, contra o terceiro adquirente, de defesa que tivesse contra aquele com quem manteve relação direta e a favor de quem dirigiu a sua declaração de vontade. Por conseguinte, em toda a fase da circulação do título, o emissor pode opor ao seu credor direto as exceções de direito pessoal que contra ele tiver, tais como, por exemplo, a circunstância de já lhe ter efetuado o pagamento do mesmo título, ou pretender compensá-lo com crédito que contra ele possuir. Mas, se o mesmo título houver saído das mãos do credor direto e for apresentado por um terceiro, que esteja de boa-fé, já nenhuma exceção de defesa ou oposição poderá usar o devedor contra o novo credor, baseado na relação anterior. Este, ao receber o título, houve-o purificado de todas as relações pessoais anteriores que não lhe dizem respeito".
Já a Lei nº 7.357/1985, em seu art. 13, consagrou o princípio geral da autonomia e abstração, ao dispor que "as obrigações contraídas no cheque são autônomas e independentes", o que se refere exatamente à eficácia per se do título cambiário em relação ao negócio subjacente que lhe serviu de causa, implicando verdadeiro desligamento do cheque em relação ao negócio jurídico que lhe deu causa.
Diz ainda RUBENS REQUIÃO na obra citada, p. 305, que "se, todavia, o adquirente do título agir de má-fé, estando, por exemplo, conluiado com o portador anterior, a fim de frustrar o princípio da inoponibilidade da exceção de defesa que contra ele tivesse o devedor, este tem o direito de opor-lhe a defesa que teria contra o antecessor".
Não é o caso dos autos.
Ainda pela autonomia, ressalta WALDÍRIO BULGARELLI in Títulos de Crédito, 18ª ed., Ed. Atlas, 2001, São Paulo, p. 66, que, "por ela, o seu adquirente passa a ser titular de direito autônomo, independente da relação anterior entre os possuidores. Em conseqüência, não podem ser oponíveis ao cessionário de boa-fé as exceções decorrentes da relação extracartular, que eventualmente possam ser opostas ao credor originário".
E segue, na mesma página:
"Como possuidor legitimado do título, o credor, como terceiro de boa-fé, está imune às exceções decorrentes da relação fundamental, entre o seu cessionário e o devedor. Esse fato, como é evidente, dá ampla garantia ao credor de boa-fé, permitindo assim a circulação dos títulos, com ampla aceitação".
A autonomia, aliás, é consagrada no nosso ordenamento jurídico, pelo menos desde a Lei Saraiva (Decreto nº 2.044/1908), como se vê do dispositivo abaixo transcrito:
"Art. 43 - As obrigações cambiais são autônomas e independentes umas das outras. O signatário da declaração cambial fica, por ele vinculado e solidariamente responsável pelo aceite e pelo pagamento da letra, sem embargo da falsidade, da falsificação ou da nulidade de qualquer outra assinatura".
Assim também ensina FRAN MARTINS (Títulos de Crédito, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, vol. I, pp. 11/12).
"Daí, também, não poder o obrigado escusar-se de cumprir aquilo que prometeu, isto é, o pagamento ao portador da soma mencionada no título alegando qualquer outro motivo que não seja o de direito pessoal contra o autor, defeito de forma do título ou a falta de requisito necessário ao exercício da ação (antiga lei cambiária brasileira, art. 51, em vigor).
A autonomia das obrigações assumidas é uma das maiores garantias dos títulos de crédito, dando ao portador a segurança do cumprimento dessas obrigações por qualquer uma das pessoas que tenham lançado suas assinaturas nos mesmos. Assim, quanto mais o título circule, recebendo assinaturas, tanto mais segurança terá o portador de que, no mesmo momento aprazado, poderá reembolsar-lhe da importância mencionada no documento facultando-lhe a lei a recebê-la não apenas do obrigado principal, mas, na falta desse, de qualquer dos que lançaram as suas assinaturas no título e, assim, assumiram a obrigação de pagá-lo, se a isso forem justamente chamados.
As obrigações nos títulos de crédito são assumidas pela simples assinatura de uma das pessoas em um desses títulos. Ainda que essa assinatura sirva para transmitir o título de uma pessoa a outra - endosso - quem a lança fica obrigado a, futuramente, pagar o título, se o obrigado principal ou outros obrigados posteriores houverem feito. Por isso se diz que, nos títulos de crédito, não há assinaturas inúteis."
Nesse sentido apontam as decisões que seguem:
"Embargos a execução. Cheque ao portador. Inoponibilidade das exceções pessoais. Terceiro de boa-fé. São inoponíveis ao terceiro de boa-fé as exceções pessoais que o emitente do cheque tenha contra o beneficiário original. Apelo improvido" (ACi nº 196262893, 2ª Câm. Cível, Tribunal de Alçada do RS, Rel. Roberto Laux, j. 10/4/1997);
"Cheque. Cheque ao portador. O portador de cheque, estranho a relação negocial de que emergiu a sua emissão, não fica sujeito às exceções que teria o emitente contra aquele em favor de quem o título foi emitido, originariamente. Embargos, ainda, em que sequer se esclarece a sua contra-ordem ao banco sacado. Embargos de Devedor rejeitados. Apelação improvida". (ACi nº 194251302, 6ª Câm. Cível, Tribunal de Alçada do RS, Rel. Marcelo Bandeira Pereira, j. 9/3/1995)
Ou seja, mácula alguma existe sobre o cheque objeto da demanda, na medida em que foi emitido para a empresa I., que acabou endossando para o ora demandante. Qualquer discussão acerca do desacordo comercial havido entre a parte emitente e a endossante deve ser veiculada em demanda própria e em face da empresa endossante, não havendo que se veicular no presente momento, em face dos princípios do direito cambiário já analisados.
Por outro lado, desimporta a alegação formulada somente em sede de contra-razões, o que configura inovação processual, no sentido de que não seria a parte autora terceira de boa-fé porquanto teria atuado como fornecedor da matéria-prima para a confecção dos móveis objetos do contrato firmado e que gerou o desacordo comercial, até porque nada impede que tenha fornecido a mencionada matéria-prima sem, contudo, ter participado da negociação entre emitente e endossante.
Pelos expostos fundamentos, dá-se provimento ao Apelo, julgando procedente o pedido veiculado nos autos da Ação de Cobrança movida por N. J. B. em face de M. D. L. S., condenando a parte demandada ao pagamento da quantia de R$ 400,00, corrigida monetariamente pelo IGP-M a partir da data da emissão do cheque, e com juros de mora de 1% ao mês contados da citação. Custas e honorários, fixados em 15% sobre o valor da condenação, em face da aplicação do disposto pelo art. 20, § 3º, do CPC, pela requerida, que fica desde já intimada a efetuar o pagamento do valor da condenação no prazo de 15 (quinze) dias a contar da data da publicação do aresto, sob pena de incidência de multa de 10% sobre o valor da condenação, em face da aplicação do art. 475-J do CPC.
É a decisão.
Des. Alzir Felippe Schmitz (Revisor) - De acordo.
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha (Presidente) - De acordo.
Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha - Presidente - ACi nº 70017661646, Comarca de Porto Alegre: "Deram provimento. Unânime."

3/07/2007 4:08 da tarde  

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