domingo, janeiro 07, 2007

Processos urgentes / actos a praticar em férias judiciais

Dispõe assim o n.º 1 do artigo 144.º do CPC: "O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais, salvo se a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes".

Por sua vez, o artigo 143.º do CPC, prevê que "1. Não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais.
2. Exceptuam-se do disposto no número anterior as citações, notificações e os actos que se destinem a evitar dano irreparável."

A compatibilização entre estas normas nem sempre é fácil, desde logo porque não se delimitam nos mesmos termos ("processos urgentes", no artigo 144.º; "actos que se destinem a evitar dano irreparável", no artigo 143.º).

O problema tem sido colocado nos seguintes termos: poderá considerar-se que, num processo urgente, haja actos a praticar que não se destinem a evitar dano irreparável e que, por isso, não devam ser praticados durante férias? Quem subscrever esta tese admitirá que tal acto seja praticado no primeiro dia útil após as férias. Assim, por exemplo, os processos referentes a arrendamento rural são qualificados pela lei como urgentes. Se neles correr o prazo para a prática de um acto, prazo esse que termine em 1 de Agosto, caso o acto não se destine a "evitar dano irreparável", poderá ser praticado no primeiro dia após férias (1 de Setembro, se for dia útil). Usando as palavras do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-06-2004, proferido no processo n.º 1786/04, "o prazo judicial para apresentação das alegações não se suspendeu durante as férias judiciais de Verão. O que sucedeu foi que na altura em que terminou o prazo para alegar, por decorrem as férias judiciais e nos termos do dito art. 143.º n.ºs 1 e 2, a parte não pôde apresentar no tribunal as suas alegações. Nessas circunstâncias deveria apresentá-las logo que lhe fosse (legalmente) possível, ou seja, no primeiro dia útil depois das férias."
No mesmo sentido, pode ler-se, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2006, proferido no processo n.º 06S2453.

Não me parece ser esta a melhor tese. É certo que, atendendo à sua letra, as normas em causa parecem mover-se em torno de conceitos diferentes e não sobreponíveis. No entanto, a interpretação citada não conduz a bons resultados e parece sacrificar a utilidade do n.º 1 do artigo 144.º do CPC. De que servirá esta norma, ao prescrever que os prazos dos processos urgentes correm em férias, se, na prática, a actividade processual pode paralisar (veja-se o exemplo que referi: basta que o último dia do prazo seja o primeiro de férias)? A interpretação criticada tem ainda o inconveniente de obrigar a distinguir, no processo urgente, entre actos que se destinem a evitar prejuízo irreparável e os que não se destinem a evitá-lo, o que, no quadro de todo um processo urgente pode ser extremamente difícil e corre o risco de tornar-se arbitrário.
Há todavia uma forma de compatibilizar ambos os preceitos: o de interpretar a expressão do n.º 2 do artigo 143.º como abrangendo todos os actos dos processos que a lei qualifique como urgentes. É esta a tese subscrita pelo Dr. Lopes do Rego (in CPC anotado, vol. I, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 150), expressamente seguida nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-04-98, proferido no processo n.º 0001692, e do Tribunal da Relação do Porto de 30-01-2003, proferido no processo n.º 0330142, sendo implicitamente assumida em muitos outros. Parece-me ser a mais razoável, pois, sem forçar excessivamente a letra do artigo 143.º, n.º 2, deixa intocado o espírito do n.º 1 do artigo 144.º do CPC.
Esta divergência jurisprudencial pode facilmente passar despercebida mas tem consequências práticas importantíssimas, como se vê. Aqui fica, por isso, o "aviso à navegação".

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