quarta-feira, janeiro 24, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra - terceiros para efeitos de indemnização pela seguradora

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-01-2007, proferido no processo n.º 140/1998.C1, decidiu-se o seguinte:

"I – No artº 7º, nº 1, do DL nº 522/85, de 31/12, na redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 130/94, de 19/05, estão excluídos da garantia do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel os danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro.
II – Esta exclusão apenas se reporta aos danos (patrimoniais e não patrimoniais de qualquer espécie) sofridos pelo condutor do veículo seguro decorrentes de lesões corporais, não a outros danos sofridos por terceiros, designadamente pelos seus familiares, também decorrentes desse tipo de lesões.
III – Nas referidas lesões corporais está abrangido o dano morte causado ao motorista do veículo, pelo que quando este dano se verifique ela fica excluído da garantia do seguro obrigatório, nos termos da disposição legal citada.
IV – Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos familiares do motorista do veículo em consequência da morte desta num acidente de viação, por se tratarem de danos sofridos pelos próprios familiares e não pelo sinistrado, tem de se considerar que estes danos não são abrangidos pela exclusão prevista no nº 1 do citado artº 7º, face ao que estes danos estão abrangidos pelo seguro obrigatório."


Ou seja, exclui-se do âmbito do seguro a indemnização (aos familiares, claro está) pelo dano da perda da vida (enquanto tal, e não pelo desgosto ou sofrimento). No mesmo sentido desta decisão podem ler-se, entre outros, o
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-10-2006, proferido no processo n.º 54/06.6YRCBR. No sentido de excluir quaisquer danos dos familiares em virtude da morte do condutor, cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30-03-2006, proferido no processo n.º 1982/2006-6.

A solução deste problema não é fácil. Há que ter em conta, desde logo, a natureza do direito à indemnização pelo dano morte (as várias teses a este respeito, na doutrina e na jurisprudência, estão descritas, com citações abundantes, no
acórdão do STJ de 07-10-2003, proferido no processo n.º 03A2692) e a distinção entre lesões corporais e materiais (matéria explicada em profundidade no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-09-2005, proferido no processo n.º 5052/2005-6), sempre à luz do disposto no artigo 7.º da Lei do Seguro Obrigatório (DL 522/85, de 31/12).

Tudo ponderado, faço minhas as palavras constantes do voto de vencido aposto no
acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16-01-2007, proferido no processo n.º 140/1998.C1, pelo Desembargador Jorge Arcanjo, que me parecem resumir a melhor solução a dar ao problema, sem prejuízo de ser reconhecida a sua complexidade (o realçado na citação é meu).

"Voto vencido por, sem quebra de respeito, discordar do acórdão, na parte em que, revogando parcialmente a sentença recorrida, absolveu os Autores do pedido de indemnização pelo dano morte.
A questão submetida a recurso consiste em saber se os danos não patrimoniais reclamados pelos Autores estão excluídos do seguro obrigatório, por força do art.7º nº1 do DL nº522/85, de 31-12 (na redacção do DL nº130/94, de 19-5) – “Excluem-se da garantia do seguro os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo condutor do veículo seguro.”
Está em causa o conceito de terceiro para efeitos do âmbito da garantia do seguro obrigatório e dos danos ressarcíveis, o qual se apresenta definido pela negativa (cfr. Filipe Albuquerque Matos, “O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel”, BFDUC, Vol. LXXVIII, 2002, pág.329 e segs.).
Não é terceiro o condutor do veículo, já que, segundo o previsto no art.7º nºs 1 e 2 do DL 522/85, o seguro não cobre as lesões corporais, nem as materiais por si sofridas, ou seja, os danos próprios do condutor.
O critério de parentesco apenas funciona para as exclusões impostas nas alíneas d) e e) do nº2 do art.7, mas que aqui não relevam.
Resta saber se os Autores (viúva e filhos) são terceiros relativamente aos danos reclamados.
Quanto aos danos não patrimoniais pelo sofrimento pela perda da vítima (art.496º nº3 do CC) é inquestionável tratar-se de danos próprios sofridos directamente pelos Autores, e daí não estarem excluídos.
Sobre a titularidade do direito de indemnização pelo dano morte, como é sabido, existem três orientações jurisprudenciais e doutrinárias, parecendo-me a mais consistente a tese de que o direito é adquirido directa e originariamente pelas pessoas mencionadas no art.496º nº2 do CC, não havendo lugar à transmissão sucessória (também adoptada no acórdão), conforme já sustentei em artigo – “Notas Sobre Responsabilidade Civil e Acidentes de Viação” – publicado na Revista do CEJ, 2º Semestre 2005, nº3, pág.60 a 62).
Sendo assim, porque ambos os danos radicam na titularidade dos Autores (terceiros), enquanto danos próprios, não estão excluídos da garantia do seguro, e como tal devem ser ressarcíveis (art.1º do DL nº522/85).
Por outro lado, se a exclusão do art.7º nº2 d) e e) do DL nº522/85, assente no critério do parentesco, está limitada aos danos derivados de lesões materiais, significa que o legislador não pretendeu excluir a indemnização por danos não patrimoniais.
O acórdão, depois de considerar que as “lesões corporais” abrangem o dano morte, e muito embora reconheça que o direito de indemnização pelo respectivo dano não patrimonial radica por direito nos familiares (e já não por via sucessória), postergou a indemnização.
Contudo, não vislumbro razões para que, sendo também ele um dano próprio de terceiro, se negue a pretensão indemnizatória, com base na norma de exclusão.
"


Finalmente, aqui fica o teor do artigo 7.º do DL 522/85.

"Artigo 7.º
(Exclusões)


1 - Excluem-se da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões corporais sofridos pelo condutor do veículo seguro.
2 – Excluem-se também da garantia do seguro quaisquer danos decorrentes de lesões materiais causados às seguintes pessoas:
a) Condutor do veículo e titular da apólice;
b) Todos aqueles cuja responsabilidade é, nos termos do nº 1 do artigo 8º. garantida, nomeadamente em consequência da compropriedade do veículo seguro;
c) Sociedades ou representantes legais das pessoas colectivas responsáveis pelo acidente, quando no exercício das suas funções;
d) Cônjuge, ascendentes, descendentes ou adoptados das pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1, assim como outros parentes ou afins até ao 3.º grau das mesmas pessoas, mas, neste último caso, só quando com elas coabitem ou vivam a seu cargo;
e) Aqueles que, nos termos dos artigos 495.º, 496.º e 499.º do Código Civil, beneficiem de uma pretensão indemnizatória decorrente de vínculos com alguma das pessoas referidas nas alíneas anteriores;
f) A passageiros, quando transportados em contravenção às regras relativas a transporte de passageiros constantes do Código da Estrada.
3 – No caso de falecimento, em consequência do acidente, de qualquer das pessoas referidas nas alíneas d) e e) do número anterior, é excluída qualquer indemnização ao responsável culposo do acidente por danos não patrimoniais
4 - Excluem-se igualmente da garantia do seguro:
a) Os danos causados no próprio veículo seguro;
b) Os danos causados nos bens transportados no veículo seguro, quer se verifiquem durante o transporte, quer em operações de carga e descarga;
c) Quaisquer danos causados a terceiros em consequência de operações de carga e descarga;
d) Os danos devidos, directa ou indirectamente, a explosão, libertação de calor ou radiação, provenientes de desintegração ou fusão de átomos, aceleração artificial de partículas ou radioactividade;
e) Quaisquer danos ocorridos durante provas desportivas e respectivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguros celebrados ao abrigo do artigo 9.º
5 - Relativamente ao transporte colectivo de mercadorias não é aplicável o disposto na alínea b) do número anterior".

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