sexta-feira, janeiro 26, 2007

Ainda sobre a noção de terceiro para efeitos de indemnização pela seguradora em acidente de viação

Há dias, num outro post (cfr. aqui), referi algumas divergências jurisprudenciais quanto à noção de terceiro para efeitos de indemnização pela seguradora, à luz do artigo 7.º da Lei do Seguro Obrigatório (LSO).

Hoje, deixo aqui, sobre o mesmo tema, a nota de uma outra decisão, do Supremo Tribunal de Justiça, onde também se espelha a grande dificuldade da matéria. Neste caso, apreciado no
acórdão de 16-01-2007, proferido no processo n.º 06A2892, foi tratada a seguinte questão: se o tomador viaja no banco do passageiro do automóvel objecto do seguro, que é conduzido por outra pessoa, terá a qualidade de terceiro, devendo ser indemnizado?
A resposta não foi unânime. A posição que fez vencimento no acórdão é no sentido de conceder a indemnização, considerando que o tomador deve ser considerado terceiro, por não ser o condutor (interpretando, pois, o artigo 7.º da LSO à letra).
No entanto, a decisão conta um voto de vencido, do conselheiro Sebastião Póvoas, que sustenta não poder a mesma pessoa surgir na relação jurídica como lesante e lesado. Eis o sumário da decisão.

"1. Na esteira do entendimento predominante do Supremo, os lesados em acidente de viação para quem resultaram incapacidades permanentes totais ou parciais, sofrem, a par dos danos não patrimoniais, traduzíveis em dores e desgostos, danos patrimoniais por verem reduzidas a sua capacidade de trabalho e a sua autonomia vivencial.
2. Trata-se de realidades distintas, com critérios de avaliação também distintos, mesmo no que concerne ao elemento comum a ambos — o juízo de equidade, pois, enquanto na avaliação dos danos não patrimoniais e conforme decorre do n°3 do artigo 496 do Código Civil é a equidade que funciona como primeiro critério, embora condicionada aos parâmetros estabelecidos no artigo 494 do mesmo Código, na avaliação dos danos patrimoniais, a equidade funciona residualmente para o caso, como textualmente se lê no n°3 do artigo 566 do C. Civil, de não ter sido possível averiguar o valor exacto dos danos.
3. Não obstante o contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel tenha a natureza jurídica de “seguro de responsabilidade”, o certo é que a sua moderna especificidade – com acolhimento no chamado “3.ª Directiva Automóvel” (Directiva do Conselho de 14 de Maio de 1990 (90/232/CEE), publicada no Jornal Oficial, L 129, de 19 de Maio do mesmo ano, (a pgs. 33 e seguintes) e transposição para a nossa ordem jurídica interna através do Dec. Lei nº 130/94, de 19 de Maio, que entrou em vigor a partir de 31 de Dezembro de 1995 – reside no primado da protecção das vítimas corporais, ressarcindo todos quanto não sejam o próprio condutor (o responsável pelo respectivo ilícito) relativamente aos danos corporais de que forem vítimas, por acidente rodoviário não por si próprios causado.
4. Esse é o resultado interpretativo que se deve fazer do artº 7º. (nº.s 1º e 2º, al. a)), do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo aludido Dec Lei nº 130/94.
5. Contrariamente ao entendimento anterior, hoje, “terceiro”, em matéria de acidente de viação, é todo aquele que possa imputar a responsabilidade do evento a outrem - e, não, como anteriormente, aquele que não era o tomador do seguro .
6. Tal princípio sofre das excepções ou exclusões contidas no aludido art. 7º do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Dec Lei nº 130/94, donde resulta “ex vi” do nº 1 que, no que se refere às “lesões corporais”, somente se encontram excluídos da garantia do seguro as sofridas pelo condutor do veículo seguro.
7. O proprietário e tomador do seguro que é transportado como passageiro no seu próprio veículo, sendo outrem o respectivo condutor, está coberto pela responsabilidade civil automóvel quanto aos danos decorrentes de lesões corporais que lhe advenham em virtude do acidente, por, na situação, ter a qualidade de terceiro.
8. O Ac. do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 30.7.2005
[nota: conferir rectificação da data adiante]
decidiu que a segunda Directiva 84/5/CEE e a terceira Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil sobre circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado a indemnização com fundamento na contribuição de um passageiro para o dano por si sofrido.
9. E, incisivamente, afirmou que o facto de o passageiro ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante."


A leitura da decisão recomenda-se aos estudiosos e curiosos desta matéria, além do mais, porque quer a fundamentação do acórdão, quer o voto de vencido se esforçam por harmonizar a legislação nacional com o acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades de 30-06-2005, onde se decidiu que "a segunda Directiva 84/5/CEE e a terceira Directiva 90/232/CEE, relativas à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil sobre circulação de veículos automóveis, opõem-se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado a indemnização com fundamento na contribuição de um passageiro para o dano por si sofrido. E, incisivamente, decidiu que o facto de o passageiro ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante" (citação do referido acórdão do STJ).

Nota muito importante para a leitura: a decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades a que se refere o acórdão do STJ é de 30-06-2005 e não, como ali se indica, por lapso, de 30-07-2005, podendo encontrar-se
aqui (escolher, na ligação, o processo n.º C‑537/03). O seu sumário é o seguinte.
"Em circunstâncias como as do processo principal, os artigos 2.°, n.° 1, da Segunda Directiva 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis, e 1.° da Terceira Directiva 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil relativo à circulação de veículos automóveis, opõem‑se a uma regulamentação nacional que permita excluir ou limitar de modo desproporcionado, com fundamento na contribuição de um passageiro para a produção do dano que sofreu, a indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório. O facto de o passageiro em causa ser o proprietário do veículo cujo condutor provocou o acidente é irrelevante."

As directivas 84/5/CEE do Conselho, de 30 de Dezembro de 1983 e 90/232/CEE do Conselho, de 14 de Maio de 1990 podem encontrar-se, em versões consolidadas,
aqui e aqui, respectivamente.

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