Aos meus alunos - factos instrumentais
"Um dos parâmetros em que assenta o modelo processual introduzido pela reforma de 1995/96 é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo.
Esta finalidade precípua do processo postula, inter alia, a atribuição ao juiz de um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório. Na verdade, continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa (art. 264º/1), de tal modo que, em princípio, o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes (art. 664º).
Certo é, porém, que - para além da atendibilidade dos factos notórios e daqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art. 514º), e ainda de outros que não importa agora referir (1) - o juiz tem agora a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.
Esta simples afirmação logo aponta para uma evidente conclusão: a de que, relativamente aos factos instrumentais - ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais (à procedência da pretensão do autor e à procedência da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu), relativamente aos quais funciona o princípio da auto- responsabilidade das partes - o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova.
Mas, o que são factos instrumentais?
A elaboração doutrinal à volta do conceito ajuda a defini-lo.
Para Castro Mendes, factos instrumentais são "os que interessam indirectamente à solução do pleito, por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes" (2).
Anselmo de Castro define-os como "factos que não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção (constitutivos). Por outras palavras: têm apenas a função possível de factos-base de presunção, e, como tais, dada a sua função instrumental e auxiliar da prova, estão subtraídos ao princípio dispositivo" (3) .
Teixeira de Sousa refere-se-lhes como sendo "os que indiciam aqueles factos essenciais" (4) .
Um exemplo esclarecedor é o apontado por Antunes Varela: numa acção de cobrança de dívida o réu alega na contestação ter já entregue ao autor a quantia devida e, no decurso da instrução, uma das testemunhas afirma ter o autor declarado, em tempos, a determinada pessoa, que recebera, efectivamente, essa quantia (5)."
Notas de rodapé indicadas no acórdão (atenção, na nota (4), ao facto de o manual "Introdução ao Processo Civil" ter já edição mais recente, de 2000 - as páginas correspondentes são agora 61-62):
(1) Cf. sobre este ponto A. Pais de Sousa e Cardona Ferreira, Processo Civil, 1997, pág. 31.
(2) Direito Proc. Civil, 1968, 2º, pág. 208.
(3) Direito Proc. Civil Declaratório, 3º, pág. 275/276.
(4) Introdução ao Proc. Civil,1993, pág. 52.
(5) Manual de Proc. Civil, 1984, pág. 400.
Etiquetas: alunos, factos instrumentais, jurisprudência STJ
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