terça-feira, novembro 21, 2006

Aos meus alunos - algumas notas sobre a incompetência

A busca de jurisprudência sobre incompetência absoluta e incompetência relativa pode gerar alguns equívocos, caso não se preste alguma atenção à hipótese concreta. Os ditos regimes são, à partida, fáceis de distinguir. Assim, por exemplo:

- se A intentar uma acção contra B nas varas cíveis do Porto, reivindicando um prédio urbano de que se arroga proprietário, sito em Coimbra, verifica-se a incompetência relativa do referido tribunal, pois seriam territorialmente competentes as varas mistas de Coimbra, pressupondo que o valor da acção é superior à alçada da Relação (cfr. artigos 108.º e 73.º do CPC, não se admitindo, neste caso, pacto de competência, nos termos dos artigos 99.º e 110.º, n.º 1 do CPC);

- se C, residente em Lisboa, intentar contra D, também ali residente, uma acção, nos juízos cíveis da comarca de Lisboa, pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento, verifica-se incompetência absoluta deste tribunal, pois seria competente, em razão da matéria, o Tribunal do Trabalho de Lisboa (cfr. artigos 101.º do CPC e 85.º, al. b) da LOFTJ);

- se E intentar, no Tribunal Judicial de Viseu, uma acção contra o Ministério da Saúde, na qual pede a declaração de nulidade de um acto administrativo praticado pelo respectivo ministro, verifica-se a incompetência absoluta daquele tribunal, pois seriam competentes os tribunais administrativos (cfr. artigos 101.º do CPC, 18.º, n.º 1 da LOFTJ e 4.º, n.º 1, al. c) do ETAF).

A principal diferença entre a segunda e a terceira hipótese é que, naquela, a incompetência absoluta, restrita à violação das regras de competência em razão da matéria dentro da ordem dos tribunais judiciais, segue o regime do artigo 102.º, n.º 2 do CPC, enquanto que a última tem o seu regime previsto no n.º 1 da mesma norma.

A dificuldade pode surgir quando o aluno encontra um acórdão como este (do STJ de 17-02-2005, proferido no processo n.º 04B3944), em que o Tribunal de Família e Menores de Aveiro se declarou incompetente para julgar determinada acção, remetendo-o para o tribunal da comarca de Santa Maria da Feira. Porque será que o STJ considerou tratar-se aqui de uma hipótese de incompetência relativa? Não deveria tratar-se de uma questão de incompetência absoluta (tribunal de comarca vs. tribunal de competência especializada)?

Não necessariamente. Olhado com atenção, o acórdão revela-nos que o Tribunal de Família e Menores de Aveiro se declarou incompetente por entender que o processo pertencia territorialmente ao foro de Santa Maria da Feira. Uma vez que o foro de Santa Maria da Feira não é abrangido territorialmente por qualquer Tribunal de Família (salvo para efeitos do disposto no nº2 do artigo 84º da LOFTJ, o que não sucedia naquele caso - cfr. Regulamento da LOFTJ), então o processo teria de ser recebido pelo tribunal de comarca.

Deste modo, apesar de o processo transitar de um tribunal de competência especializada para um tribunal de competência genérica, tal deveu-se a um juízo sobre a aplicação das normas de competência territorial e não sobre a aplicação das normas de competência em razão da matéria. Daí o acórdão em causa seguir o regime da incompetência relativa. A chave para a compreensão da questão passa pela análise da letra do artigo 108.º do CPC, onde se refere que se verifica a incompetência relativa quando se infringem normas de competência fundadas "na divisão judicial do território" - conceito que inclui sem dificuldade o juízo supra descrito.

A situação já seria claramente de incompetência material se tivesse sido intentada uma acção de divórcio no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, sendo da competência do Tribunal de Família e Menores de Aveiro.

Etiquetas: , , , ,

2 Comentários:

Blogger Nuno Almeida disse...

Olá Lemos.
Estive hoje com o Pedro Pina aqui no tribunal em Seia e ele disse-me deste teu blog.
Sei que está a dar aulas e daqui te endereço os meus parabéns.
Um grande abraço e bom trabalho.
Nuno

11/21/2006 3:01 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Pois que visita inesperada.

Muito obrigado. Mantém visitas aqui ao burgo. Espero que possa ajudar (ou, pelo menos, distrair).

Um abraço para ti também.

Nuno

11/21/2006 10:18 da tarde  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial