Absolvição da instância em processo penal - sim ou não?
Eis algo de que não se ouve falar todos os dias: absolvição da instância em processo penal. Justifica-se, creio, um desvio aos temas centrais deste blog. Embora pense não ser caso único (mas certamente pouco habitual), o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-10-2006 (ligação directa) considerou esta figura, que tem a marca típica das forjas do processo civil, aplicável também nos processos criminais, quando, por deficiente elaboração do auto de notícia, este não permite a condenação do arguido (no caso concreto, estava em causa a condução sob influência de álcool, mas o auto não indicava claramente o arguido como condutor do automóvel).
Será tal possível, atendendo, designadamente, aos princípios in dubio pro reo (que contém em si uma dimensão processual) e ne bis in idem?
Não subscrevo as conclusões do acórdão. A estrutura do processo penal só muito forçadamente receberá um tal instituto, que, no limite, permitirá que o arguido seja levado mais de que uma vez (e quantas?) a julgamento sobre os mesmos factos. Quando o Ministério Público ou o juiz dão impulso ao processo, fazem-no no pressuposto de haver fundamento para uma possível condenação. Cabe-lhes providenciar pelo regular andamento do processo. Nas actuações de juízes, procuradores-adjuntos, funcionários judiciais e órgãos de polícia criminal, podem exisitir falhas, mas esse risco não pode correr por conta do arguido.
Pergunto-me se este processo seguirá para o Tribunal Constitucional (o que se me afigura difícil, já que, aparentemente, não foi levantada a questão da inconstitucionalidade no requerimento em que se arguiu a nulidade).
Aqui fica, para que cada um forme o seu juízo, uma parte da fundamentação (podendo aceder-se à restante na ligação supra indicada).
"É sabido, e não será o recorrente que se poderá arrogar o topete de nos ensinar o que quer que seja, que a legislação adjectiva processual penal não contempla a figura da absolvição da instância.
No entanto, tivesse o recorrente atentado no último dos acórdãos citados, relatado por um dos mais sapientes Juízes Conselheiros que lavraram no nosso mais Alto Tribunal, o Dr. Lourenço Martins, e talvez não se arrojasse na sua apodíctica prosa.
A figura de absolvição da instância não se encontra especialmente prevista no ordenamento jurídico-processual, mas doutrinariamente é defendida por tratadistas, dada a necessidade de acorrer a situações similares aquelas que ocorreram nos autos. Isto é, não poder o infractor quedar impune, por factos que, indiciariamente, terá praticado, e que se não se utilizasse a figura da absolvição da instância formar-se-ia relativamente ao crime cometido caso julgado material que impediria a perseguição por factos similares, na obediência ao principio do ne bis in idem.
O Código Processo Penal não é um diploma completo – a prova desta asserção vem que desde que foi publicado já sofreu duas ou três alterações e está prestes a sofrer outra – e contém lacunas que ele próprio prevê poderem ser colmatadas com recurso a figuras existentes no ordenamento adjectivo civil.
No caso que ocupou a decisão ora acoimada de nula, por ter decidido absolver o arguido da instância, o que terá ocorrido foi uma deficiência na descrição factual de uma actividade que é pressuposto da infracção noticiada. Não se indicou que o arguido era quem na altura exercia a condução, sendo certo que todos os factos posteriores evidenciam ter sido ele o condutor que se recusou e ser fiscalizado e pantominou juntou ao posto da autoridade policial. O acto de desobediência, acto matricial e axial do ilícito pelo qual o arguido se mostra acusado, está demonstrado faltando um pressuposto formal, qual seja a qualidade de condutor que não vem expressamente referida no auto de noticia mas que ressalta de toa a materialidade factual que ressuma dos autos. É por isso que, nestas circunstâncias, em que a materialidade substantiva está demonstrada, mas que falha um pressuposto formal decorrente de uma deficiente padronização dos formatos utilizados pelas forças de segurança, que entendemos que a solução deve ser atalhada com recurso à figura da absolvição da instância de modo a impedir que se frustre a realização da Justiça histórico-social.
Repontar-se-á que com este expediente a justiça penal, que se rege pelos princípios da legalidade, da oficialidade e da verdade material, para só citar aqueles que mais poderão atinar com o caso, ficará inane a qualquer atropelo que possa ser feito, pois que poderia sempre ser reaberto um procedimento criminal, com os custos e gravames pessoais que tal pode acarretar. Concedemos, só que também não nos parece que se cumpra o princípio da verdade material, se se deixa de realizar justiça, e com isso ficar alguém impune, porque ocorre uma deficiência num auto estandardizando que é utilizado pelas forças de segurança. Repontar-se-á, ainda, no atinente a este argumento, sibi imputat. Se as forças de segurança agem desatinadamente com o formalismo legal não deverão ser os cidadãos a pagar pelas suas falhas e pelos erros grosseiros que cometem na transmissão das notícias de crimes que lhes está cometido reprimirem e/ou prevenirem.
Seja, porém, como for, o facto é que, em nosso juízo, a figura de absolvição de instância tem cabimento, doutrinalmente, e revela-se como forma ajustada a evitar absolvições injustas e decorrentes tão só de falhas processuais, que verificadas impedem a realização da justiça material. E este é um princípio cardeal do direito e da justiça penal que deverá sobrelevar e conlevar aos demais.
Ainda que, concedemos, seja discutida a figura de absolvição da instância, o nº3, al.b) do art. 374º, nem o art. 376º do CPP, não excluem a figura da absolvição da instância, dado que com a absolvição da instância o arguido é desonerado deste processo, isto é fica extinta a sua responsabilidade neste processo. A partir daqui, o Ministério Público, deverá organizar um outro procedimento que, tendo por base certidão da participação inicial e outros elementos que forem achados pertinentes, indague da, eventual, responsabilidade criminal do arguido.
Neste processo o arguido não terá que prestar mais contas. Se alguma responsabilidade lhe vir a ser assacada só poderá decorrer da averiguação que venha apurar a eventual responsabilidade criminal pelos factos noticiados pela autoridade policial.
Este processo não deixou de ter o seu ocaso e o seu fim, com a decisão de absolvição da instância, cumprindo-se assim o determinado na al.b) do nº3 do art. 374º do CPP, só que a partir de agora, se o Ministério Publico assim o entender, poderá iniciar outro procedimento.
Com este procedimento que não é ilegal, nem acarreta a nulidade da decisão proferida, se cumpre o princípio da justiça material, trave mestra da Justiça e do Direito material penal."
Será tal possível, atendendo, designadamente, aos princípios in dubio pro reo (que contém em si uma dimensão processual) e ne bis in idem?
Não subscrevo as conclusões do acórdão. A estrutura do processo penal só muito forçadamente receberá um tal instituto, que, no limite, permitirá que o arguido seja levado mais de que uma vez (e quantas?) a julgamento sobre os mesmos factos. Quando o Ministério Público ou o juiz dão impulso ao processo, fazem-no no pressuposto de haver fundamento para uma possível condenação. Cabe-lhes providenciar pelo regular andamento do processo. Nas actuações de juízes, procuradores-adjuntos, funcionários judiciais e órgãos de polícia criminal, podem exisitir falhas, mas esse risco não pode correr por conta do arguido.
Pergunto-me se este processo seguirá para o Tribunal Constitucional (o que se me afigura difícil, já que, aparentemente, não foi levantada a questão da inconstitucionalidade no requerimento em que se arguiu a nulidade).
Aqui fica, para que cada um forme o seu juízo, uma parte da fundamentação (podendo aceder-se à restante na ligação supra indicada).
"É sabido, e não será o recorrente que se poderá arrogar o topete de nos ensinar o que quer que seja, que a legislação adjectiva processual penal não contempla a figura da absolvição da instância.
No entanto, tivesse o recorrente atentado no último dos acórdãos citados, relatado por um dos mais sapientes Juízes Conselheiros que lavraram no nosso mais Alto Tribunal, o Dr. Lourenço Martins, e talvez não se arrojasse na sua apodíctica prosa.
A figura de absolvição da instância não se encontra especialmente prevista no ordenamento jurídico-processual, mas doutrinariamente é defendida por tratadistas, dada a necessidade de acorrer a situações similares aquelas que ocorreram nos autos. Isto é, não poder o infractor quedar impune, por factos que, indiciariamente, terá praticado, e que se não se utilizasse a figura da absolvição da instância formar-se-ia relativamente ao crime cometido caso julgado material que impediria a perseguição por factos similares, na obediência ao principio do ne bis in idem.
O Código Processo Penal não é um diploma completo – a prova desta asserção vem que desde que foi publicado já sofreu duas ou três alterações e está prestes a sofrer outra – e contém lacunas que ele próprio prevê poderem ser colmatadas com recurso a figuras existentes no ordenamento adjectivo civil.
No caso que ocupou a decisão ora acoimada de nula, por ter decidido absolver o arguido da instância, o que terá ocorrido foi uma deficiência na descrição factual de uma actividade que é pressuposto da infracção noticiada. Não se indicou que o arguido era quem na altura exercia a condução, sendo certo que todos os factos posteriores evidenciam ter sido ele o condutor que se recusou e ser fiscalizado e pantominou juntou ao posto da autoridade policial. O acto de desobediência, acto matricial e axial do ilícito pelo qual o arguido se mostra acusado, está demonstrado faltando um pressuposto formal, qual seja a qualidade de condutor que não vem expressamente referida no auto de noticia mas que ressalta de toa a materialidade factual que ressuma dos autos. É por isso que, nestas circunstâncias, em que a materialidade substantiva está demonstrada, mas que falha um pressuposto formal decorrente de uma deficiente padronização dos formatos utilizados pelas forças de segurança, que entendemos que a solução deve ser atalhada com recurso à figura da absolvição da instância de modo a impedir que se frustre a realização da Justiça histórico-social.
Repontar-se-á que com este expediente a justiça penal, que se rege pelos princípios da legalidade, da oficialidade e da verdade material, para só citar aqueles que mais poderão atinar com o caso, ficará inane a qualquer atropelo que possa ser feito, pois que poderia sempre ser reaberto um procedimento criminal, com os custos e gravames pessoais que tal pode acarretar. Concedemos, só que também não nos parece que se cumpra o princípio da verdade material, se se deixa de realizar justiça, e com isso ficar alguém impune, porque ocorre uma deficiência num auto estandardizando que é utilizado pelas forças de segurança. Repontar-se-á, ainda, no atinente a este argumento, sibi imputat. Se as forças de segurança agem desatinadamente com o formalismo legal não deverão ser os cidadãos a pagar pelas suas falhas e pelos erros grosseiros que cometem na transmissão das notícias de crimes que lhes está cometido reprimirem e/ou prevenirem.
Seja, porém, como for, o facto é que, em nosso juízo, a figura de absolvição de instância tem cabimento, doutrinalmente, e revela-se como forma ajustada a evitar absolvições injustas e decorrentes tão só de falhas processuais, que verificadas impedem a realização da justiça material. E este é um princípio cardeal do direito e da justiça penal que deverá sobrelevar e conlevar aos demais.
Ainda que, concedemos, seja discutida a figura de absolvição da instância, o nº3, al.b) do art. 374º, nem o art. 376º do CPP, não excluem a figura da absolvição da instância, dado que com a absolvição da instância o arguido é desonerado deste processo, isto é fica extinta a sua responsabilidade neste processo. A partir daqui, o Ministério Público, deverá organizar um outro procedimento que, tendo por base certidão da participação inicial e outros elementos que forem achados pertinentes, indague da, eventual, responsabilidade criminal do arguido.
Neste processo o arguido não terá que prestar mais contas. Se alguma responsabilidade lhe vir a ser assacada só poderá decorrer da averiguação que venha apurar a eventual responsabilidade criminal pelos factos noticiados pela autoridade policial.
Este processo não deixou de ter o seu ocaso e o seu fim, com a decisão de absolvição da instância, cumprindo-se assim o determinado na al.b) do nº3 do art. 374º do CPP, só que a partir de agora, se o Ministério Publico assim o entender, poderá iniciar outro procedimento.
Com este procedimento que não é ilegal, nem acarreta a nulidade da decisão proferida, se cumpre o princípio da justiça material, trave mestra da Justiça e do Direito material penal."
Etiquetas: absolvição da instância, jurisprudência TRC, processo penal
3 Comentários:
ler todo o blog, muito bom
Brim over I acquiesce in but I think the post should acquire more info then it has.
I inclination not concur on it. I over precise post. Specially the appellation attracted me to be familiar with the sound story.
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
Página Inicial