quinta-feira, outubro 25, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 3)

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 06B3818:
"Se dois comerciantes se confrontam em juízo em factos do seu comércio a escrituração comercial de cada um deles pode ser exibida como prova por si próprio ou contra o outro, nos termos regulados no art. 44º do CComercial.
Mesmo aí, na controvérsia entre comerciantes em factos de seu comércio, os livros de escrituração comercial não fazem prova plena
podendo até mesmo o próprio comerciante proprietário dos livros, arrumados produzir prova em contrário dos seus lançamentos.
Quando não é dessa controvérsia que se trata, mas da responsabilidade extra-negocial de um banco que, ao fazer obras nas suas instalações, provoca danos no estabelecimento da sociedade comercial vizinha, por maioria de razão a escrita comercial é apenas mais um meio de prova a valorar em livre convicção probatória."


Nota - O artigo 44.º do Código Comercial estabelece o seguinte:
"Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos em juízo a fazer prova entre comerciantes, em factos do seu comércio, nos termos seguintes:
1.º Os assentos lançados nos livros de comércio, ainda quando não regularmente arrumados, provam contra os comerciantes, cujos são; mas os litigantes, que de tais assentos quiserem ajudar-se, devem aceitar igualmente os que lhes forem prejudiciais;
2.º Os assentos lançados em livros de comércio, regularmente arrumados, fazem prova em favor dos seus respectivos proprietários, não apresentando o outro litigante assentos opostos em livros arrumados nos mesmos termos ou prova em contrário;
3.º Quando da combinação dos livros mercantis de um e de outro litigante, regularmente arrumados, resultar prova contraditória, o tribunal decidirá a questão pelo merecimento de quaisquer provas do processo;
4.º Se entre os assentos dos livros de um e de outro comerciante houver discrepância, achando-se os de um regularmente arrumados e os do outro não, aqueles farão fé contra estes, salva a demonstração do contrário por meio de outras provas em direito admissíveis.§ único. Se um comerciante não tiver livros de escrituração, ou recusar apresentá-los, farão fé contra ele os do outro litigante, devidamente arrumados, excepto sendo a falta dos livros devida a caso de força maior, e ficando sempre salva a prova contra os assentos exibidos pelos meios admissíveis em juízo".
Quando se satisfaçam os requisitos ali apontados, presume-se correcta a informação contabilística deles constante - presunção "ilidível pela apresentação de assentos opostos em livros também regularmente arrumados ou por outra prova em contrário" (cfr. ponto "5." da fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318).
Cfr. ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-04-2002, proferido no processo n.º 01S4428 ("Os relatórios de auditorias feitas ao funcionamento de uma organização (bancária) não cabem na categoria de livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos"), de 23-01-1996, proferido no processo n.º 087747 ("Os livros de escrituração comercial podem ser admitidos a fazer prova dos factos relativos ao comércio entre os respectivos comerciantes mas isso não significa que tal prova só possa ser feita por esse meio."), de 05-06-2007, proferido no processo n.º 07A1673 ("As facturas não são livros de escrituração comercial e, portanto, não se lhes aplica o regime probatório do art. 44º do CCom." - mas isto, note-se, não impede que, enquanto documentos particulares, possam gozar de força probatória plena, como se salienta no acórdão do mesmo tribunal de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318), e do Tribunal da Relação do Porto de 16-11-2006, proferido no processo n.º 0634459 ("O artº 44º do CCom só é aplicável quando ambas as partes em juízo sejam comerciantes. Quando apenas uma das partes seja comerciante, o valor probatório da escrituração comercial é o mesmo dos simples documentos particulares.").
Convém ter cautela, na busca de jurisprudência sobre esta matéria, com a relação entre o princípio da colaboração na descoberta da verdade e o respeito pelo segredo da escrituração comercial, pois houve alterações relevantes, a este respeito, com a reforma do CPC de 1995/96 - cfr., desenvolvidamente, e com abundante citação de jurisprudência, a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02-05-2006, proferido no processo n.º 1572/2006-7.
Quanto à força probatória da escrituração comercial, cfr., no sentido da decisão anotada (ou seja, entendendo que não tem força probatória plena, encontrando-se sujeita a livre apreciação do tribunal), cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-07-1969, in BMJ n.º 189, pág. 317, de 22-05-2003, proferido no processo n.º 03B1001, de 29-10-1998, proferido no processo n.º 98B736, e o já referido de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1318.


2)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07B3064:
"Se o réu, ao contestar, entende e factualiza por completo a alegação de um facto que o autor fez por forma inadequada, por simples remissão para uma disposição da lei, impõe-se que se leve à base instrutória o facto alegado pelo autor com a enunciação verbal da factualização do réu."

Nota - Neste caso concreto, sucedeu o seguinte.
Numa acção em que a autora pretendia exercer o direito a alimentos por ter vivido em união de facto com outrem, entretanto falecido, esta alegou que "não tem familiares que lhe possam prestar alimentos nos termos do art. 2009.º e 2020.º".
O réu, na contestação, considerou que "a autora deveria ter alegado todos os factos integradores do direito que se arroga, nomeadamente que não tem irmãos, pais e filhos em condições de lhe prestar alimentos".
Discutiu-se, então, se, não sendo suficiente a alegação da autora, as suas omissões se deveriam considerar integradas por aquele segmento da contestação, em que o réu mostrou entender - e concretizou mesmo - o que estava em causa com a remissão feita pela autora.
Creio que foi acertado a solução do Supremo, neste caso, ao considerar que "não podemos nem devemos desaproveitar essa alegação quando ela é perfeitamente entendida pelo réu (...) De algum modo é o réu a factualizar uma alegação fáctica feita de um modo tecnicamente inadequado por referência ao direito. É o réu a facilitar e permitir (e por isso a impor) ao tribunal, ao abrigo de um princípio de aquisição processual, a tradução factual da alegação feita pela autora no art. 10.º da sua petição inicial."
Mostrando o réu haver compreendido perfeitamente a causa de pedir, seria bizantino considerar ter faltado a alegação da mesma. Note-se que a superação da dita falta, pela correcta alegação de toda a causa de pedir, passaria pela repetição daquilo que o réu já havia afirmado na contestação.
Aqui, não faltaria toda a causa de pedir. Quando muito, faltaria parte dela, sendo que, nestes casos, rege o n.º 3 do artigo 193.º do CPC, segundo o qual não há ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir se o réu, na contestação, interpretar correctamente a petição inicial - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2003, proferido no processo n.º 02S3742 ("Desde que haja contestação, o juiz não pode, por força do disposto no nº. 3 do artº. 193 do CPC, julgar inepta a petição por falta de indicação da causa de pedir ou do pedido se chegar à conclusão de que o réu na contestação interpretou correctamente a dita petição (ouvindo para tanto o autor, se necessário) e isto quer o mesmo réu tenha ou não suscitado a questão da ineptidão."), do Tribunal da Relação do Porto de 15-03-2007, proferido no processo n.º 0730168, de 25-11-2003, proferido no processo n.º 0325606, e do Tribunal da Relação de Évora de 15-02-2007, proferido no processo n.º 2415/06-2, entre muitos outros.


3)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07B3616:
"Prescrito o direito de crédito que consubstanciavam, não podem os cheques valer como títulos executivos cambiários.
Os cheques mencionados sob 1 que se limitem inserir uma ordem de pagamento dirigida a uma instituição de crédito são insusceptíveis de significar a declaração de constituição ou de reconhecimento de obrigações pecuniárias a que se reporta a alínea c) do nº 1 do artigo 46º do Código de Processo Civil.
Os cheques mencionados sob 2 não podem ser considerados títulos executivos e, consequentemente, não podem servir de fundamento à instauração da acção executiva para pagamento de quantia certa."


Nota - É uma questão antiga a de saber se o cheque prescrito pode valer como título executivo, quando o exequente alegue a relação subjacente e esta não consubstancie negócio jurídico formal.
A jurisprudência divide-se entre a pura negação da susceptibilidade de o cheque prescrito valer como título executivo (corrente minoritária, nela se inserem a decisão anotada e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04-05-1999, in BMJ n.º 487, pág. 240, de 29-02-2000, in CJ, tomo I, pág. 124, de 23-01-2001, de 18-01-2001, de 05-07-2001, de 16-10-2001, estes últimos nos Sumários do STJ online, do Tribunal da Relação do Porto de 01-03-2005, proferido no processo n.º 0520778 (num caso de letra, mas referindo o cheque na fundamentação), de 01-03-2005, proferido no processo n.º 0520883, de 11-06-2002, proferido no processo n.º 0220807, de 14-12-99, proferido no processo n.º 9921433, e de 25-01-2001, in CJ, tomo I, pág. 192, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-03-2007, proferido no processo n.º 10789/2006-7, e do Tribunal da Relação de Évora de 22-04-2004, proferido no processo n.º 70/04-3) e a sua aceitação como título, desde que se alegue a relação subjacente, o que só pode acontecer, todavia, nas relações imediatas (cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2004, proferido no processo n.º 03A3881, de 13-11-2003, proferido no processo n.º 03B3089, de 30-10-2003, proferido no processo n.º 03P2600, de 17-06-2003, proferido no processo n.º 03A1404, de 22-05-2003, proferido no processo n.º 03B1281, de 29-01-2002, in CJ, tomo I, pág. 64, de 18-01-2001, in CJ, tomo I, pág. 71, de 30-01-2001, in CJ, tomo I, pág. 85, de 23-01-2001, proferido no processo n.º 2488/2000, da 6.ª secção, de 27-09-2001, proferido no processo n.º 2089/01, da 7.ª secção, de 30-10-2001, proferido no processo n.º 3317/01, da 6.ª secção, de 29-11-2001, proferido no processo n.º 2487/01, da 7.ª secção, e de 04-07-2002, proferido no processo n.º 1808/02, da 7.ª secção, estes últimos nos Sumários do STJ online, do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-04-2005, proferido no processo n.º 9012/2004-8 (sobre um caso de livrança, mas entendendo que o mesmo juízo se estende ao cheque), de 22-04-1999, in BMJ n.º 486, pág. 359, do Tribunal da Relação do Porto de 13-02-2007, proferido no processo n.º 0627123, de 19-06-2006, proferido no processo n.º 0653378, de 07-04-2005, proferido no processo n.º 0531550, de 26-10-2004, proferido no processo n.º 0423028, de 08-01-2004, proferido no processo n.º 0336130, de 03-07-2003, proferido no processo n.º 0322659, de 20-02-2003, proferido no processo n.º 0330757, de 01-04-2003, proferido no processo n.º 0321068 (com um voto de vencido), de 10-03-2003, proferido no processo n.º 0250422, de 28-10-2002, proferido no processo n.º 0220402, de 01-07-2002, proferido no processo n.º 0250593, de 14-02-2002, proferido no processo n.º 0230116 (com um voto de vencido), de 12-06-2001, proferido no processo n.º 0120352, de 03-05-2001, proferido no processo n.º 0130513, de 02-11-2000, proferido no processo n.º 0030922, de 24-04-1999, in BMJ n.º 486, pág. 365, do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-06-2000, in CJ, tomo III, pág. 37).
Uma terceira posição, assente no entendimento segundo o qual o cheque prescrito vale como documento particular assinado pelo devedor mesmo sem alegação da causa debendi foi praticamente abandonada pela jurisprudência (encontrava-se, por exemplo, nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0433578, de 15-05-2003, proferido no processo n.º 0330567, do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18-12-1997, in CJ, tomo V, pág. 129, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-12-1998, in CJ, tomo V, pág. 33, parecendo subsistir no acórdão do mesmo Tribunal de 03-10-2006, proferido no processo n.º 2736/04.8TJCBR-A.C1 - sobre o abandono da corrente jurisprudencial referida, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-04-2006, in CJ, tomo II, pág. 27).


4)
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07A2741:
"Havendo recurso de apelação de ambas as partes – art. 690º-3 CPC -, alega em primeiro lugar o apelante assim considerado segundo a ordem de interposição dos recurso, e, seguidamente, o segundo apelante, contando-se o início do respectivo prazo da notificação da apresentação da alegação do primeiro recorrente.
(...)"


Nota - No mesmo sentido, pode ler-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 20-09-2007, proferido no processo n.º 9151/2006-6.
Na decisão anotada, chama-se a atenção para a circunstância de o sumário disponível online do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-2003, proferido no processo n.º 03A1360, poder ser um pouco enganador, pois, à primeira vista, parece concluir em sentido oposto ao defendido naquela, mas na verdade é com ela coincidente, limitando-se a criticar o regime vigente, sem todavia deixar de o aplicar.
Cfr. ainda, no mesmo sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-05-2007, proferido no processo n.º 1921/2007-2 (que analisa também o regime a seguir quando o primeiro apelante não alegar), e de 26-11-1998, proferido no processo n.º 0052716 (analisando em pormenor todo o regime do artigo 698.º do CPC).

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