sexta-feira, abril 20, 2007

Personalidade judiciária do condomínio - análise breve de um acórdão

No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 383/06.9TBSEI.C1, decidiu-se o seguinte:

"Presumindo-se um ascensor parte comum do prédio, nos termos do artº 1421º, nº 2, al. b), do C.Civ., todos os condóminos participam nas vantagens e encargos do mesmo, na proporção das suas quotas, sendo lícito o seu uso por qualquer deles, nos termos dos artºs 1405º, nº 1; 1406º, nº 1; 1422º, nº 1, e 1424º, nº 1, do dito código, sem prejuízo do disposto no artº 1424º, nº 4, onde se preceitua que nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.
Compete à assembleia de condóminos deliberar quanto ao modo de funcionamento dos elevadores e designadamente sobre o contrato de manutenção que se impõe seja contratualizado para o efeito e efectivação das inspecções periódicas legais (ver Decreto nº 513/70, de 30/10; Dec. Lei nº 404/86, de 3/12; e Dec. Lei nº 110/91, de 18/03), pois é a tal assembleia que compete, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício – artº 1430º, nº 1, do C. Civ..
Qualquer condómino interessado na colocação em funcionamento de um elevador do prédio deverá diligenciar no sentido de ser convocada uma assembleia para ser discutida tal questão, nos termos do artº 1431º, nº 2, do C. Civ., e apenas em caso de não deliberação acerca do efectivo funcionamento do elevador é que lhes competirá impugnar tal deliberação, com vista à sua anulação, quer através da convocação de uma assembleia extraordinária para revogação das deliberações inválidas, quer sujeitando tal deliberação a um centro de arbitragem, ou através de uma acção judicial de impugnação, nos termos do artº 1433º, nºs 1, 2, 3 e 4, do C. Civ., cabendo, nestes casos, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito – nº 6 do artº 1433º.
O administrador do condomínio não goza de personalidade judiciária para ser demandado sobre a colocação em funcionamento de um elevador do prédio, dado o disposto no artº 6º, al. e), à contrário, do CPC (apenas tem personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador)".

Antes de mais, devo esclarecer que demorei algum tempo a analisar esta decisão. Só após alguns dias de reflexão e algumas discussões do assunto com amigos e colegas (entre os quais se destacou a interlocutora Sandra Passinhas, que me ouviu pacientemente e me forneceu alguma indicações muito importantes(*)) pude, finalmente, formar uma opinião definitiva. Essa opinião é contrária à da decisão que agora anoto.

Embora a questão a resolver seja estritamente processual (a saber: se o condomínio teria, aqui, personalidade judiciária, devendo ser demandado o administrador), a solução acaba por emergir do direito substantivo.
Na verdade, como é sabido, o artigo 6.º do CPC atribui personalidade judiciária a alguns entes que não gozam de personalidade jurídica, entre os quais, na alínea e), encontramos "o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador".
Perguntar pela existência de personalidade judiciária do condomínio nesta hipótese conduz-nos, pois, à questão de saber se a acção se insere no âmbito dos poderes do administrador.

Comecemos por analisar o pedido.
Os autores são condóminos e, no seu prédio, existe um elevador, que não está em funcionamento porque: (a) necessita de reparações; e (b) não existe o necessário contrato de manutenção do aparelho. Pedem os autores que o condomínio seja condenado a colocar o elevador em funcionamento, efectuando-se todas as reparações que se mostrem necessárias para o efeito (ignoro, aqui, um outro pedido indemnizatório).

O Tribunal da Relação entendeu que esta acção não se encontra no âmbito dos poderes do administrador, afirmando que compete apenas à assembleia de condóminos "deliberar quanto ao modo de funcionamento dos elevadores e designadamente sobre o contrato de manutenção que se impõe seja contratualizado para o efeito e efectivação das inspecções periódicas legais".

É desta conclusão que - após vencer algumas dúvidas - acabo por discordar.

O artigo 1431.º, n.º 1 do CC prescreve que "a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador". Entre eles se repartem as competências quanto a essa administração.
O elevador é uma parte comum, como resulta do disposto no artigo 1421, n.º 2, al. b) do CC.
Ora, cabe ao administrador "regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum" (cfr. artigo 1436.º, al. g) do CC).
Como refere Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 324, "este poder administrativo não é uma mera e plana execução das deliberações aprovadas pela assembleia ou do regulamento condominial (...), mas actividade que concretiza e traduz o desenvolvimento de um certo poder discricionário".
O administrador, tal como tem poderes para celebrar contratos com vista à limpeza ou reparação das escadas, patamares e portas comuns, também tem poder para celebrar um contrato de manutenção do elevador, que é igualmente uma parte comum.

Dir-se-á que a assembleia pode tomar uma deliberação que, nesta matéria, se imponha ao administrador. É certo. Se a assembleia deliberar que o elevador não será posto em funcionamento, o administrador deve obediência à vontade assim formada.
Mas isto não significa que só a assembleia possa decidi-lo. Inscrevendo-se a manutenção dos elevadores no âmbito dos poderes do administrador, não é possível negar que a acção em causa cabe no disposto na alínea e) do artigo 6.º do CPC.

O que sucede na prática, designadamente em pequenos edifícios, é que, sendo a despesa decorrente da manutenção dos elevadores, por regra, elevada, o administrador costuma ter o cuidado de previamente submetê-la à apreciação da assembleia. Há uma certa sobreposição entre os poderes do administrador e os da assembleia, até mesmo porque dos actos do primeiro cabe sempre recurso para esta - cfr. artigo 1438.º do CC - e ainda porque pode a assembleia tomar uma posição definida quanto ao uso das coisas comuns, que vinculará o administrador, nos termos da alínea h) do artigo 1436.º do CC.

Mas isto não nos pode fazer perder de vista que continua a ser um poder do administrador regular o uso da coisa comum. Ele não tem que ficar dependente da prévia tomada de posição da assembleia, ainda que tenha que respeitá-la, quando exista. Por isso, pode o tribunal analisar a questão tal como foi colocada na acção pelos autores ou seja: saber se o condomínio, através do administrador, deve ou não colocar o elevador em funcionamento.

Pode até ocorrer que, antes da propositura da acção ou durante o seu curso, haja uma deliberação da assembleia sobre esta matéria - facto cuja prova se pode fazer chegar ao processo no devido articulado, para que o juiz daí retire as necessárias consequências.

O que não se pode afirmar, a meu ver, em bom rigor, é que o administrador só pode mandar reparar e celebrar um contrato de manutenção do elevador com prévia autorização da assembleia, pois tal interpretação, a meu ver, é incompatível com o teor da alínea g) do artigo 1436.º do CC.

Pelas razões expostas, concluiria em sentido oposto ao do referido acórdão.

(*) Sendo, todavia, a opinião aqui descrita da minha responsabilidade, não a vinculando, como é evidente.

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