sábado, março 31, 2007

Aos meus alunos * Modalidades de defesa

Aqui ficam as decisões judiciais que inspiraram alguns dos casos práticos analisados na aula prática de ontem, para que possam comparar a argumentação do acórdão com os apontamentos das aulas.

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2002, proferido no processo n.º 02B2622:
"Constitui defesa por excepção a alegação da ré de que ficara combinado entre as partes que a quantia emprestada seria devolvida apenas e na medida em que ela pudesse.
Se o autor não replica relativamente aos factos alegados em excepção têm-se estes por confessados.
A nulidade do negócio acarreta necessariamente a irrelevância da cláusula cum potuerit alegada em excepção e tacitamente confessada pelo autor".

Nota - Não deixem de atentar, no entanto, quanto a este caso, no facto de o artigo 778.º, n.º 1 do Código Civil tratar a referida hipótese como inexigibilidade (a possibilidade de pagamento funciona como se de uma condição suspensiva se tratasse), o que faz apelo ao disposto no artigo 673.º do CPC (em caso de inexigibilidade, é proferida uma decisão de mérito, mas, excepcionalmente, o pedido poderá renovar-se). Neste caso, a excepção é material (pelo que se aproxima das peremptórias), mas não impede a repetição do pedido (no que se assemelha às dilatórias). A classificação das excepções como materiais ou processuais afastaria mais facilmente a dúvida.



2) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-03-1992, proferido no processo n.º 9120391:
"Na contestação de acção declarativa o Réu não é obrigado a qualificar os factos que alega como de excepção para que como tal sejam considerados pelo juiz.
Tendo o R., em acção em que é pedida a sua condenação no pagamento de plantas fornecidas pelo A., oposto que as flores produzidas pelas plantas saíram de cor diversa das pretendidas e acordadas entre vendedor e comprador, defende-se com a excepção do cumprimento defeituoso pela outra parte.
A falta de resposta à contestação onde se contém tal factualidade integradora de excepção dessas implica que a mesma factualidade se considere provada, a menos que a sua aceitação esteja em oposição com a facticidade vasada na petição inicial, o que deve ter-se por verificado se nesta o A. tiver alegado que o R. não apresentara qualquer reclamação sobre as plantas vendidas".

Nota - Serviu esta hipótese para ilustrar que, apesar de, formalmente, a ausência de réplica determinar a admissão dos factos que integram a excepção invocada na contestação, uma compreensão mais equilibrada levará a concluir que não devem considerar-se admitidos factos incompatíveis com a versão dos factos constante da petição inicial e que a réplica apenas reproduziria novamente, sem qualquer inovação.
A prudência prática recomenda, porém, que, em face da invocação de excepções pelo réu, o autor apresente a réplica, para evitar interpretações literais dos preceitos.


3) Em terceiro lugar, foram analisadas várias decisões sobre a alegação de uma prescrição presuntiva, que deve ser cuidadosa, para evitar insucessos inesperados no tribunal, a saber:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2003, proferido no processo n.º 03B3894:
"As alíneas a) e c) do artº 317º do C. Civil [no acórdão refere-se, por lapso, o artigo 312.º do CC] contemplam as chamadas presunções de curto prazo ou prescrições presuntivas.
Distinguem-se tais "prescrições presuntivas" das chamadas "prescrições verdadeiras", pois que enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira, não funcionado pois a prescrição mesmo que invocada.
A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão - judicial ou extrajudicial - do devedor originário - esta última só relevando quando for realizada por escrito (artº 313º, nº 2, do C. Civil).
Nas presunções deve distinguir-se entre o facto base da presunção e o facto presumido. A lei dispensa a parte que beneficia da presunção da prova do facto presumido - n° 1 do artº 350º do C. Civil. Mas não a dispensa da prova do facto que serve de base à presunção.
O devedor só poderá beneficiar da prescrição presuntiva se alegar que pagou, ou que, por qualquer outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo.
Devem ser considerados como admitidos por acordo, porque não especificadamente impugnados, os factos alegados pelo credor acerca da não satisfação atempada pelo Réu devedor dos créditos reclamados e das respectivas interpelações para cumprimento, sendo que a não impugnação especificada desses factos é, no fundo, tradutora da prática em juízo de "actos incompatíveis com a presunção de cumprimento" - ou seja a confissão tácita de que a dívida não foi paga (artº 490º, nº 2, do CPC)".

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-12-1993, in Colectânea de Jurisprudência, 1993, tomo V, pág. 240:
"I - Se a prescrição é extintiva, o devedor não necessita de alegar que nunca deveu ou que já pagou, bastando-lhe invocar o decurso do prazo. II - Mas, se a prescrição é apenas presuntiva (prescrição de curto prazo), o devedor só pode beneficiar dela desde que alegue que pagou, ou que por outro motivo a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo. III - Na falta de impugnação especificada dos factos constitutivos da obrigação, entende-se que o demandado confessa tacitamente a dívida. IV - Pelo que, se a prescrição invocada é presuntiva, a acção procede logo no saneador".

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de de 01-06-1995, proferido no processo n.º 9530095: "I - A negação da dívida sujeita à prescrição de curto prazo presuntiva do pagamento prejudica a invocação desta prescrição.
II - O devedor de uma dívida dessas tão só pode socorrer-se de tal prescrição se alegar que pagou e que, em todo o caso, sempre tal se presumiria atenta a prescrição".

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de de 18-10-2001, proferido no processo n.º 0131354:
"A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
São exemplos de actos daquela natureza negar o devedor a existência da dívida, discutir o seu montante, invocar contra ela compensação ou remissão, invocar a gratuitidade dos serviços".

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de de 06-06-2006, proferido no processo n.º 1498/2006-7:
"Os créditos prestados no exercício de profissão liberal prescrevem no prazo de dois anos nos termos dos artigos 312.º e 317.º, alínea c) do Código Civil.
A prescrição é presuntiva o que significa que não basta ao devedor invocar a presunção, impondo-se-lhe ainda de alegar expressamente o pagamento para beneficiar da presunção.
Ainda que se defenda que a invocação da presunção traz implícita a alegação de pagamento, a partir do momento em que o A., na petição, alega expressamente que o réu reconheceu a dívida tendo sido instado a pagá-la, mas não o tendo feito, não impugnada esta efectiva alegação, o facto em causa não pode deixar de se considerar admitido por acordo (artigo 490.º,n.º2 do Código de Processo Civil), traduzindo confissão que é precisamente o meio que a lei reconhece idoneidade para afastar a prescrição presuntiva (artigos 313.º e 314.º do Código Civil)".

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6 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Parabéns pelo blog. Acho-o de toda a actualidade e utilidade. Espero q este comentário -também- sirva de incentivo (além de agradecimento, claro) para a sua continuação.
Sandra Melo

5/08/2007 12:55 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Muito obrigado.
Todas as manifestações de apreço são um incentivo muito apreciado.

5/08/2007 10:41 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

BEM HAJA!

PARABÉNS PELO SEU SEU CONTRIBUTO PARA TODOS NÓS!

O CONHECIMENTO HOJE...É UM ELEMENTO TÃO IMPORTANTE PARA A FORMAÇÃO DO SER HUMANO...E ESTÁ A FICAR AO ALCANCE SÓ DE ALGUNS.

MUITO OBRIGADA.

5/23/2007 4:16 da tarde  
Anonymous Tomás Possolo disse...

Por vezes, o depoente de parte (devedor) em acções de cobrança de dívidas hospitalares nada sabe quanto ao alegado pagamento, alegando no seu depoimento que quem pagou foi um familiar ou um amigo, o que não presenciou. Deve considerar-se ilidida a presunção já que o devedor originário «confessa» que não pagou ou presenciou o alegado pagamento, sendo certo que o depoimento de parte apenas pode versar sobre factos pessoais, ou devem, nesse caso, admitir-se outros meios de prova do não pagamento para além da confissão?

Grato pela sua opinião. Tomás Possolo

4/19/2010 1:31 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

À primeira vista, parece-me que pode aceitar-se - dependendo do conteúdo concreto do depoimento - que há confissão do facto negativo (ele não pagou). No entanto, pode decorrer do depoimento, com alguma segurança, que foi efectuado um pagamento por terceiro em nome do devedor.
Dependendo do conteúdo concreto do depoimento, poderá ser uma situação a resolver com recurso às regras da indivisibilidade da confissão.

4/19/2010 3:00 da tarde  
Anonymous Tomás Possolo disse...

Agradeço e concordo inteiramente com a sua opinião, que, aliás, abre caminho à prova da inexactidão da parte relativa ao putativo pagamento por parte de terceiro.Acrescento, que a alegação de pagamento por terceiro é quase sempre falsa e visa apenas pôr o depoente ao abrigo de quaisquer perguntas mais concretas, resultando, nvariavelmente, de um ouvir dizer em que nada é concretizado quanto ao como e quando do pagamento.

4/19/2010 4:14 da tarde  

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