sábado, fevereiro 10, 2007

Nota breve sobre a litigância de má fé das pessoas colectivas

Há algumas indecisões na jurisprudência sobre o melhor sentido a dar ao disposto no artigo 458.º do CPC, no caso específico da litigância de má fé da parte que é uma pessoa colectiva.
A norma estabelece o seguinte: "Quando a parte for um incapaz, uma pessoa colectiva ou uma sociedade, a responsabilidade das custas, da multa e da indemnização recai sobre o seu representante que esteja de má fé na causa".
A lei aponta, pois, para a responsabilização do gerente ou administrador, nas sociedades comerciais. A jurisprudência diverge apenas quanto à tradução processual daquela norma.
Em alguns acórdãos entende-se que não deve ser condenada como litigante de má fé a sociedade (parte) mas sim o representante (gerente ou administrador) - cfr., entre muitos, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-2006, proferido no processo n.º 0621955, de 04-04-2006, proferido no processo n.º 0621293, de 17-01-2006, proferido no processo n.º 0526828, e de 02-04-2002, proferido no processo n.º 0121659, e do Tribunal da Relação de Guimarães de 27-11-2002, proferido no processo n.º 658/02-2.

Em outras decisões, todavia, considera-se que pode a própria sociedade ser condenada, sem prejuízo de a responsabilidade pelo pagamento da multa, indemnização e custas caber ao seu representante. Nesta corrente, que me parece minoritária mas à qual tendo a aderir, encontram-se, por exemplo, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 29-01-2002, proferido no processo n.º 0121885, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-03-92, proferido no processo n.º 0057502.

Independentemente das apontadas divergências, há alguns pontos que parece deverem dar-se por assentes. Sintetizo-os de seguida.
- O representante da sociedade deve ser ouvido antes da decisão de condenação (é uma conclusão comum a ambas as correntes, sobre a qual o Tribunal Constitucional também já tomou posição no acórdão n.º 103/95).
- O representante condenado terá direito ao recurso, mesmo não sendo parte e ainda que a parte recorra também (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 453/02).
- A apreciação do problema fica de alguma forma subjectivizada, já que, ainda que se adira à corrente de que será a sociedade condenada, sempre tal condenação há-de decorrer do comportamento concretamente apreciado dos seus representantes. Como refere Pedro de Albuquerque(*), "só haverá condenação do representante se a má fé for deste".

Para além da obra acabada de citar (cfr. ligação em rodapé), aconselha-se a leitura de Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa "In Agendo", de Menezes Cordeiro (Coimbra: Almedina, 2005).
Em ambos os estudos, os autores delimitam a figura da litigância de má fé, sendo especialmente interessante a sua demarcação face ao abuso do direito. Os ditos autores concluem que, apesar de a jurisprudência muitas vezes ligarem a litigância de má fé ao abuso do direito, os institutos são diversos, acrescentando ainda que, nas áreas de coincidência entre os dois, no que toca às consequências, prevalecendo nesse caso o regime da litigância de má fé, por ser especial (cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 93 e Pedro de Albuquerque, ob. cit., pág. 94 e nota 292).


Finalmente, a obra Litigância de má fé (colectânea de sumários de jurisprudência), de Rui Correia de Sousa (Lisboa: Quid Juris, 2005 - a 2ª edição) pode revelar-se particularmente útil, pois não só contém um rol muito extenso de jurisprudência como a cataloga por temas de direito substantivo.

(*) Cfr. Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo, Coimbra: Almedina, 2006, pág. 61.

Etiquetas:

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial