segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

1) Acórdão de 18-01-2007, proferido no processo n.º 9894/2006-2:
"A prestação de caução corresponde a uma garantia destinada a assegurar o cumprimento de certa obrigação, só deixando de ter lugar a sua função, quando a obrigação se mostre cumprida (ou, por qualquer outra razão deixe de subsistir) ou quando o cumprimento da obrigação estiver assegurado por qualquer outra forma – o que não sucede pelo simples facto daquele que atempadamente a requereu passar a poder recorrer ao processo de execução.
Assim, ter sido proferida decisão definitiva na acção principal – confirmando a condenação proferida em 1ª instância – não determina a extinção do incidente de prestação de caução, em que já fora proferida decisão julgando procedente o pedido, por inutilidade superveniente da lide"
.

Nota - Cita-se, em abono da decisão o
acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-01-2005, proferido no processo n.º 0437022, no mesmo sentido. O segundo parágrafo do sumário está um pouco confuso. O pedido foi julgado procedente na acção principal e, no incidente, foi decretada a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

2)
Acórdão de 30-01-2007, proferido no processo n.º 7344/2006-1:
"A partir da revisão do CPC de 1995/1996, ficou claro que o despacho saneador apenas constitui caso julgado formal em relação às questões concretamente apreciadas, o que consequencia que as declarações genéricas proferidas no despacho saneador sobre pressupostos processuais (v.g. a legitimidade das partes) ou nulidades não formam caso julgado formal impeditivo da ulterior reapreciação (designadamente na sentença final) desses pressupostos processuais.
Qualquer condómino tem legitimidade para, por si só, demandar outro condómino em acção destinada a obter a condenação deste a pôr termo à utilização que vem fazendo da sua fracção para uma finalidade diversa daquele que lhe está destinada no título constitutivo da propriedade horizontal.
Tirando os casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, em que a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” não tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante o tribunal de 2ª instância, se a decisão do julgador de 1ª instância, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será praticamente inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (art. 655º do CPC).
(...)"


Nota - apesar de não transcrever aqui a totalidade do longo sumário da decisão, não resisto a mencionar o conteúdo em falta, por ser de especial interesse.
Trata-se de um processo em que um condómino pede a condenação de outro condómino a encerrar de imediato o estabelecimento de indústria que explora num certo prédio, por, no seu entender, corresponder a um uso da fracção desconforme com o destino previsto no título constitutivo da propriedade horizontal.
Neste processo, houve vários problemas a resolver. Os primeiros (mais estritamente processuais) constam da parte do sumário transcrita: o efeito de caso julgado formal do saneamento no despacho saneador (é pacífica a solução que consta do acórdão); a legitimidade; e os limites jurídicos e práticos da possibilidade de controlo da decisão da primeira instância por parte da Relação.
No entanto, no que toca ao direito substantivo, a decisão trata matérias de muito interesse.
- Analisam-se as regras para a interpretação do título constitutivo da propriedade horizontal.
- Considera-se que falta de outros elementos, a destinação de uma fracção a "comércio" deve ser interpretada com o sentido corrente (não jurídico) da palavra, o que exclui a restauração.
- Entende-se que o tribunal pode apreciar o problema da interpretação do sentido a dar à expressão "comércio", ainda que as partes não lho coloquem directamente, pois trata-se de resolver uma questão jurídica necessária para conhecer do mérito.
- Decide-se que "ao considerar-se competente para o julgamento do [...] litígio e, consequentemente, para apreciar o mérito do pedido de decretamento do encerramento dum restaurante instalado e explorado por outro condómino na respectiva fracção autónoma, o Tribunal comum não está a pronunciar-se sobre a validade das licenças camarárias atribuídas ao condómino", pelo que a competência não seria dos tribunais administrativos.
- Na parte substancialmente mais interessante, entende-se que o condómino autor não pode exigir do outro condómino a cessação do uso da fracção desconforme ao destino constante do título quando ele próprio (autor) também usa uma fracção para um fim também ele desconforme. Seria uma hipótese de abuso de direito na modalidade tu quoque.
A decisão está muito fundamentada em doutrina e jurisprudência (mais do que poderei condensar aqui) e vale a pena a leitura.
Apesar de acompanhar todos os pontos até ao penúltimo, não subscrevo o último. Tal como se refere no voto de vencido,
"a figura do abuso de direito fundamentada no brocado aforístico “Tu quoque” – nem sequer invocada nestes autos – tem de ser aplicada “cum granno sallis”. Pois que com base num acto ilícito – mesmo que praticado pelo impetrante – não pode justificar-se ou deixar-se incólume, outro facto ilícito.
Acresce que, “in casu”, a ilicitude da actuação do autor é apenas formal ou aparente. Pois que, substancialmente, todos os condóminos do prédio anuíram na alteração do uso da sua fracção para habitação. Apenas o não fizeram pela via jurídico-formal exigida.
Depois não há termo de comparação possível na gravidade da alteração no uso de um prédio que inicialmente está adstrito a comércio, para habitação ou para indústria. Além fixa-se um uso menos pesado e desgastante quer para o prédio, quer para os ocupantes. Aqui é exactamente o contrário. Com a agravante de, no caso “sub judice”, esta ocupação industrial lesar, como se provou, direitos de eminente relevância – Direito ao sossego, ao descanso e, consequentemente, à saúde – do autor e da sua família, “maxime” filhos em idade escolar".

Para algumas aplicações práticas da figura do abuso do direito na modalidade tu quoque, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 05-07-2001, proferido no processo n.º 01A2110, e de 13-02-2003, proferido no processo n.º 02B4734.

3)
Acórdão de 18-01-2007, proferido no processo n.º 2284/2006-8:
"De acordo com o acórdão uniformizador nº 6/2002 cuja doutrina não se deve afastar, ao titular do direito de regresso cumpre o ónus da prova do nexo de causalidade entre o acidente e a condução sob o efeito do álcool (artigo 342º do Código Civil e artigo 19º, alínea c) do Decreto-lei nº 522/85, de 31 de Dezembro)
O Tribunal pode socorrer-se de presunções judiciais para provar o nexo de causalidade (artigo 351.º do Código Civil)
No caso de o condutor do veículo ter uma elevadíssima TAS, de 1,90g/l, o que o faz incorrer em pena de prisão (artigo 292.º do Código Penal) a presunção judicial de que agiu sob influência os álcool tem todo o cabimento não só porque um tal grau de etilização impõe o entendimento, para além de qualquer dúvida razoável, de que o condutor em tais condições age sob influência os álcool, consolidando-se a presunção quando, pelas condições em que o acidente ocorreu, se verifica que só por causa da influência do álcool se deu despiste do veículo e o violento embate nos veículos estacionados"
.

Nota - Sobre presunções judiciais, podem ler-se
outras decisões já citadas neste blog. Sobre a possibilidade de uso de presunção judicial em acidentes de viação, podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2005, proferido no processo n.º 05B085, de 19-10-2004, proferido no processo n.º 04B2638, de 24-06-2004, proferido no processo n.º 03B3811, e de 27-05-2004, proferido no processo n.º 03B3598.

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