terça-feira, fevereiro 06, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - Desproporção entre o valor da renda e o valor das obras necessárias

No acórdão do STJ de 31-01-2007, proferido no processo n.º 06A4404, decidiu-se que "a exigência à senhoria de obras de conservação do locado por parte da inquilina que importam em € 180.000,00, sendo a renda mensal paga pelo arrendamento de € 80,03, constitui uma flagrante violação do mais elementar princípio de justiça, sendo, por isso, inadmissível por abusiva, nos termos do art. 334º do Cód. Civil".

A decisão está em linha com a jurisprudência mais recente do STJ - cfr. os acórdãos
de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06B1103, de 11-10-2005, proferido no processo n.º 2274/05 (6.ª secção) (não publicado - cfr. sumário aqui), de 16-12-2004, proferido no processo n.º 04B3903 e de 28-11-2002, proferido no processo n.º 02B3436, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-05-1995, proferido no processo n.º 0094592 (também no BMJ 447, pág. 549).

Ainda no mesmo sentido podem ler-se os acórdãos do STJ de 03-04-1986, in BMJ 356, pág. 315, de 25-07-1986, in BMJ 358, pág. 470, de 21-09-1993, in CJ, III, pág. 19, e de 07-10-1998, in BMJ 380, pág. 362.
Nas Relações, podem ler-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 25-02-1986, in CJ, t. I, pág. 104, de 17-02-1994, in CJ, t. I, pág. 122, e de 15-05-1995, in CJ, t. III, pág. 100, da Relação do Porto de 01-06-1993, in CJ, t. III, pág. 221, e da Relação de Coimbra de 29-10-1996, in CJ, t. IV, pág. 43, e de 27-01-1998, t. I, pág. 16.

A jurisprudência contrária (cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-12-1985, in CJ, t. V, pág. 106) é muito reduzida, apesar de o dito acórdão do STJ de 31-01-2007, proferido no processo n.º 06A4404 ter concedido a revista contra acórdão da Relação de Lisboa
.
No entanto, há que ter muita atenção ao caso concreto.
Por exemplo, não pode considerar-se oposto à jurisprudência maioritária o
acórdão do STJ de 26-10-1999, proferido no processo n.º 99A740, que não aceitou o argumento do abuso de direito em face da desproporção das prestações, uma vez que a autora pedia "a realização de obras absolutamente necessárias para o locado ter condições de habitabilidade, sendo certo que desde a celebração do contrato de arrendamento em 1966 jamais foram realizadas quaisquer obras, apesar das variadas insistências da inquilina e até notificação camarária.
Não fora essa atitude do senhorio e é evidente que as obras não teriam hoje o custo que foi orçamentado.
(...)
Por outro lado, há a considerar que se a renda se mostra hoje desajustada, já assim não era aquando da celebração do arrendamento, sendo certo que têm sido aplicadas as actualizações fixadas por lei.
Deixando o senhorio intencionalmente degradar o locado, para depois invocar os altos custos da reparação e assim forçar o inquilino a sair ou, eventualmente, originar a demolição do prédio, estar-se-ia perante um "venire contra factum proprium", se o senhorio viesse então invocar abuso de direito por parte do locatário.
Há ainda a ter em conta que a reparação do edifício implicará necessariamente a sua valorização. Tal como se encontra terá o seu valor altamente diminuído quer para venda quer para arrendamento. Só assim não será se aquilo que se tiver em vista for a demolição, mas não há nos autos elementos que permitam extrair tal conclusão.
O mecanismo de abuso de direito não contém uma limitação do acesso ao direito, antes procura dar ao juiz um instrumento que, ao serviço da justiça do caso concreto, procure evitar a desigualdade de tratamento que os conceitos indeterminados adoptados pela nossa lei civil tantas vezes permitem."


Termino regressando à primeira decisão citada (
acórdão do STJ de 31-01-2007, proferido no processo n.º 06A4404), para transcrever o essencial da fundamentação, na parte que se ocupa da matéria em causa neste texto, pois resume o essencial da corrente a que adere.

"E continua aquele acórdão [o de de 11-10-2005, já citado], referindo que há uma absoluta falta de equivalência entre as atribuições patrimoniais resultantes do citado contrato de arrendamento, quando o valor da renda mensal é de 16.03$00, à data da propositura da acção e o montante das obras é de € 11.996,98.
Ora é esta claramente a situação do caso dos autos em que a renda mensal do contrato de arrendamento em causa é de € 80,03 paga pela autora e o montante necessário para realizar as obras de que carece o arrendado se eleva a € 183.000,00.
Tal como refere a recorrente pelo montante actual das rendas pagas pela recorrida, haveria de decorrer 190 anos para a senhoria recuperar aquele montante.
Desta forma entendemos que tal como bem referiu a ilustre Desembargadora no seu voto de vencido aposto no acórdão em recurso, a exigência à recorrente senhoria da realização de obras no locado no montante violava o mais elementar princípio de justiça, caindo na previsão do abuso de direito previsto no art. 334º do Cód. Civil.

Este instituto está talhado para obstar a situações destas em que por impossibilidade do legislador de previsão de situações marginais em que é inadequada a aplicação da lei, ou por negligência daquele na elaboração de leis, ou ainda por ocorrência de circunstâncias imprevisíveis aquando da elaboração da lei, a aplicação estrita desta conduziria a resultado manifestamente violador do mais elementar sentido de justiça, entendida esta segundo um critério social dominante.
Diremos que a protecção legal à posição do arrendatário, ao estabelecer o congelamento das rendas ou a sua actualização em termos desfasados do real valor do dinheiro, acaba por redundar em prejuízo do arrendatário, o que o referido instituto do abuso de direito acaba por provocar, sob pena de ir contra interesses mais relevantes do ponto de vista da lei, ou seja, as razões que estão subjacentes ao mesmo instituto."

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