Processos mediáticos
Fico sempre (mal) impressionado com o excesso de confiança na análise dos "processos mediáticos". Quando ainda tento perceber o que se passa e separar o trigo do joio, já há dezenas de pessoas com uma opinião seguríssima e inabalável, qualificando de ignorante e imbecis todos os que perfilham o entendimento oposto.
Vem isto a propósito, como é evidente, do "caso do momento" sobre a (não) entrega de uma menor ao pai biológico e a condenação da pessoa que a acolheu em sua casa.
A única certeza que tenho, depois de ler sobre o assunto na comunicação social e nos blogues, é que não consigo ter uma opinião definitiva sem conhecer o processo. Espanta-me, aliás, como pode haver uma convicção tão forte quanto ao pouco acerto da decisão quando não se conhecem os seus fundamentos, mas apenas versões da comunicação social de versões dos advogados das partes.
Mas ainda que não tenha certezas, a verdade é que não consigo entender como tudo se parece reduzir aos argumentos mais indignados contra a decisão do tribunal.
1) A fazer fé na "informação geral", o pai biológico reclama o exercício do poder paternal desde 2002.
2) O tribunal atribuiu-lhe o poder paternal desde esse ano (teria a menina menos de 2 anos).
3) As pessoas que supostamente a acolhem recusaram, desde então, que ela continuasse a ter contactos com o pai biológico.
4) Entretanto, a criança cresceu, durante três anos, privada (dolosamente) do contacto com o pai, por acção de pessoas que (independentemente das suas boas intenções) com ela não têm nenhum vínculo jurídico.
5) O pai seguiu, desde 2002, as vias legais para recuperar a filha.
Pergunto: que sinal se dá á todos caso se reconheça que um vínculo diferente da adopção pode sobrepor-se ao poder paternal reconhecido e atribuído ao pai biológico?
Pergunto: o facto de o Tribunal Constitucional (supostamente) reconhecer o direito das pessoas que acolhem a menor a "serem ouvidas" implica que tenham razão na disputa de fundo?
Pergunto: desde 2002 (quando a criança tinha 16 meses) o que poderia aquele pai fazer de diferente, aceitando que só então se convenceu que era progenitor da menor?
Pergunto: se é para considerar apenas a "boa vontade" e esquecer o Direito, porque não se atenta na preserverança do pai, durante 4 anos, lutando pelo convívio com uma filha que não viu durante todo esse período?
Pergunto: sem prejuízo de me parecer, em abstracto (insisto que não é possível ter opinião definitiva sem conhecer o processo), alta a medida da pena concretamente aplicada, como se justifica ao pai a quem os tribunais atribuem o poder paternal que os mesmo tribunais não condenem quem impede repetida e intencionalmente a concretização dessa ligação, por eles reconhecida?
Pergunto: se a decisão de regulação do poder paternal tivesse sido cumprida em 2002, qual seria a extensão do trauma para a menor?
Pergunto: independentemente das decisões do tribunal, será saudável o comportamento de quem luta pelo corte radical de relações entre o pai e a filha, tratando a criança como um bem exclusivo?
Pergunto: alguém acredita que o pai que persiste durante 4 anos nesta luta processual (e pelo caminho devido) "não tem interesse em ver a filha"?
Pergunto: qual o comportamento que deve ser legitimado?
Nada disto é "processualite", nada disto é "olhar só para o Direito e esquecer os sentimentos e os vínculos afectivos". Dizer tal é uma forma simplista de diminuir argumentos que não são - também eles - apenas jurídicos. Mas, sendo verdade que é bom ter noção da dimensão "além-norma" do problema, não é menos verdade que essa noção serve, antes de mais, para bem aplicar o Direito e que não é razoável dispensarmos a consideração da questão enquanto problema jurídico. Este é o lado menos falado da hipótese que se discute.
Já sofri enormes decepções com decisões judiciais. Em algumas delas, fiquei com a convicção de que o tribunal poderia e deveria ter feito melhor. Mas aflige-me que se passe, irreflectidamente, o rótulo de "ignorante" a um colectivo, sem escrutinar a fundamentação da decisão e sem considerar as consequências da posição contrária e do que esta significaria quanto à possibilidade de mercadejar com o poder de facto sobre as crianças.
Nas opiniões que ouvi na televisão, incluindo de juristas, contra a decisão, quase não ouvi argumentos jurídicos, mas pressenti um esquecimento (deliberado ou não) das questões supra colocadas.
Regresso ao início: não tenho uma opinião definitiva e acabada sobre esta questão. Espanta-me que tantos a tenham.
Vem isto a propósito, como é evidente, do "caso do momento" sobre a (não) entrega de uma menor ao pai biológico e a condenação da pessoa que a acolheu em sua casa.
A única certeza que tenho, depois de ler sobre o assunto na comunicação social e nos blogues, é que não consigo ter uma opinião definitiva sem conhecer o processo. Espanta-me, aliás, como pode haver uma convicção tão forte quanto ao pouco acerto da decisão quando não se conhecem os seus fundamentos, mas apenas versões da comunicação social de versões dos advogados das partes.
Mas ainda que não tenha certezas, a verdade é que não consigo entender como tudo se parece reduzir aos argumentos mais indignados contra a decisão do tribunal.
1) A fazer fé na "informação geral", o pai biológico reclama o exercício do poder paternal desde 2002.
2) O tribunal atribuiu-lhe o poder paternal desde esse ano (teria a menina menos de 2 anos).
3) As pessoas que supostamente a acolhem recusaram, desde então, que ela continuasse a ter contactos com o pai biológico.
4) Entretanto, a criança cresceu, durante três anos, privada (dolosamente) do contacto com o pai, por acção de pessoas que (independentemente das suas boas intenções) com ela não têm nenhum vínculo jurídico.
5) O pai seguiu, desde 2002, as vias legais para recuperar a filha.
Pergunto: que sinal se dá á todos caso se reconheça que um vínculo diferente da adopção pode sobrepor-se ao poder paternal reconhecido e atribuído ao pai biológico?
Pergunto: o facto de o Tribunal Constitucional (supostamente) reconhecer o direito das pessoas que acolhem a menor a "serem ouvidas" implica que tenham razão na disputa de fundo?
Pergunto: desde 2002 (quando a criança tinha 16 meses) o que poderia aquele pai fazer de diferente, aceitando que só então se convenceu que era progenitor da menor?
Pergunto: se é para considerar apenas a "boa vontade" e esquecer o Direito, porque não se atenta na preserverança do pai, durante 4 anos, lutando pelo convívio com uma filha que não viu durante todo esse período?
Pergunto: sem prejuízo de me parecer, em abstracto (insisto que não é possível ter opinião definitiva sem conhecer o processo), alta a medida da pena concretamente aplicada, como se justifica ao pai a quem os tribunais atribuem o poder paternal que os mesmo tribunais não condenem quem impede repetida e intencionalmente a concretização dessa ligação, por eles reconhecida?
Pergunto: se a decisão de regulação do poder paternal tivesse sido cumprida em 2002, qual seria a extensão do trauma para a menor?
Pergunto: independentemente das decisões do tribunal, será saudável o comportamento de quem luta pelo corte radical de relações entre o pai e a filha, tratando a criança como um bem exclusivo?
Pergunto: alguém acredita que o pai que persiste durante 4 anos nesta luta processual (e pelo caminho devido) "não tem interesse em ver a filha"?
Pergunto: qual o comportamento que deve ser legitimado?
Nada disto é "processualite", nada disto é "olhar só para o Direito e esquecer os sentimentos e os vínculos afectivos". Dizer tal é uma forma simplista de diminuir argumentos que não são - também eles - apenas jurídicos. Mas, sendo verdade que é bom ter noção da dimensão "além-norma" do problema, não é menos verdade que essa noção serve, antes de mais, para bem aplicar o Direito e que não é razoável dispensarmos a consideração da questão enquanto problema jurídico. Este é o lado menos falado da hipótese que se discute.
Já sofri enormes decepções com decisões judiciais. Em algumas delas, fiquei com a convicção de que o tribunal poderia e deveria ter feito melhor. Mas aflige-me que se passe, irreflectidamente, o rótulo de "ignorante" a um colectivo, sem escrutinar a fundamentação da decisão e sem considerar as consequências da posição contrária e do que esta significaria quanto à possibilidade de mercadejar com o poder de facto sobre as crianças.
Nas opiniões que ouvi na televisão, incluindo de juristas, contra a decisão, quase não ouvi argumentos jurídicos, mas pressenti um esquecimento (deliberado ou não) das questões supra colocadas.
Regresso ao início: não tenho uma opinião definitiva e acabada sobre esta questão. Espanta-me que tantos a tenham.
2 Comentários:
Passei por aqui novamente.
isto quer dizer que já cá tenho passado.
Para ler e para aprender.
Não posso deixar de comentar este post assim:
"Quando ainda tento perceber o que se passa e separar o trigo do joio, já há dezenas de pessoas com uma opinião seguríssima e inabalável"
A minha, a que passei no meu cantinho, mantem-se.
Continuo a entender que na cabeça da Esmeralda vai uma grande confusão, perplexidade e susto por tudo o que a rodeia.
Neste momento tenho a certeza que perdeu totalmente qualquer certeza.
Tem um núcleo de afecto que está desmembrado.
Está ssustada.
Não tarda... nem ela própria sabe quem é quem.
....................
Viva, vara visitante!
No meu post, tentava apenas deixar uma ideia que mantenho: a comunicação social não foi imparcial na comunicação dos factos.
Quanto à questão de fundo, gostava de conhecer melhor o caso. Vou procurar o que tenho para além das dúvidas.
Se bem interpreto as suas palavras (as que deixou aqui e, principalmente, as que tem no seu blog), pretende situar o problema de fundo no único plano razoável: o do melhor interesse da criança. Não poderia estar mais de acordo. O critério último tem de ser esse. Não consigo, porém, perceber qual será a melhor solução para ela.
Pelo que conheço, não posso afirmar que ela "está melhor" com as pessoas que a têm à sua guarda, já que ninguém sabe onde nem como vive ela.
Comungo da sua "não dúvida": há que procurar a solução melhor para a criança. Mantenho, porém, as minhas dúvidas iniciais: não sei qual é essa solução e sinto que não conheço os factos todos.
Por "factos todos" não me quero referir tanto ao que aconteceu há 1, 2 ou 5 anos. Refiro-me, principalmente, ao que é, hoje, a vida desta criança.
Sem perceber isso, nunca seria capaz de dar solução a nada. Para entender isto, é essencial ouvir a família de acolhimento e, acima de tudo, ouvir a criança e fazer com que seja ouvida por psisólogos e afins. A solução jurídica deve ser construída por cima do quadro que resultar desta análise, pois só à luz dele pode compreender-se o interesse da criança. Tal solução deve acomodar-se e sujeitar-se a esse interesse (também ele jurídico, não é verdade?).
Estamos na mesma linha ou entendi mal a sua posição?
Obrigado pela sua visita. Regresse.
Cumprimentos
Nuno Lemos
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