terça-feira, janeiro 23, 2007

Fornecimento de energia / prazo de prescrição

Num acórdão com data de hoje mesmo (presumo que as partes conhecerão a decisão depois dos leitores do blog, o que não deixa de ser curioso), o STJ pronuncia-se sobre uma questão de enorme interesse prático: a da articulação entre os prazos de prescrição da Lei nº 23/96 (aplicável aos fornecimentos de energia eléctrica, água, outros bens essenciais e, por remissão posterior, também telecomunicações) e os prazos gerais previstos no Código Civil. Não sendo uma questão nova (tem sido recorrentemente tratada), parece ser agora um momento oportuno para dar notícia dela, uma vez que tudo aponta para uma estabilização definitiva da jurisprudência no sentido que adiante se verá.
A questão passa por saber se o prazo de seis meses previsto naquela Lei n.º 23/96 significa que:
a) o prestador de serviços deve exigir o pagamento judicialmente no prazo de seis meses;
ou
b) o prestador de serviços deve apresentar a factura a pagamento ao devedor no prazo de seis meses, aplicando-se, a partir daí, os prazos prescricionais do Código Civil.


Sobre esta questão não tem havido um entendimento unânime, nos tribunais, embora haja, a partir das Relações, uma corrente maioritária. É sobre ela que se pronuncia o
acórdão do STJ de 23-01-2007, proferido no processo n.º 06A4010, nos termos seguintes (e sem votos de vencido):

"- Quando o n.º 1 do art. 10º da Lei n.º 23/96 alude ao direito de exigir o pagamento, não se refere ao direito de o exigir judicialmente, mas o de interpelar o devedor para pagar através da apresentação da factura prevista no art. 9º-1.
- Omitido, em tempo – seis meses -, este acto de interpelação, prescreve, reflexamente, o crédito do preço do serviço.
- Porém, apresentada tempestivamente a factura, exigiu-se o pagamento e não ocorreu aquele efeito prescricional, havendo que atender, então, ao prazo de extinção do crédito cominado no C. Civil (art. 310º)."


A posição seguida no acórdão é subscrita por Menezes Cordeiro, Rui de Alarcão e Sousa Ribeiro (estes dois últimos em parecer junto aos autos).

Parece, aliás, a orientação mais razoável. Aproveitando um excerto de um estudo do Professor Menezes Cordeiro, citado na fundamentação, (Da Prescrição do Pagamento dos Denominados Serviços Públicos Essenciais - in “O DIREITO”, ano 133º, nº 4, pág. 769-810), "a Lei n.º 23/96 será uma boa lei se se aplicar com segurança e previsibilidade, elevando o nível dos serviços e tranquilizando os utentes. A lei que empole a litigiosidade social nunca é uma boa lei, sendo que não se pode interpretar o art. 10º-1 pensando, apenas, nos serviços de telefones, em que há especiais facilidades de encontrar o preço, mas também nos outros, como a electricidade e água, em que o fornecedor pode precisar de tempo para efectuar as leituras, tendo-se entendido dar-lhes um prazo de seis meses, de modo que, se, então, “não houver factura, há prescrição”. Assim, se enviada a factura no prazo de seis meses, o direito de exigir o pagamento foi atempadamente exercido; depois, cair-se-á na prescrição dos arts. 310º-g ou 317º-b) C. Civil, conforme a qualidade da pessoa do devedor."

Note-se, finalmente, que esta decisão não é única nem surpreende, podendo apontar-se já muitas outras no mesmo sentido. No entanto, atendendo à sua fundamentação e ao lastro doutrinal entretanto criado, dá a entender que a tendência da jurisprudência será para estabilizar no sentido referido. Já era, aliás, a corrente maioritária (existindo muitas decisões das Relações), designadamente os acórdãos:
-
do S.T,J., de 13-5-2004, proferido no processo n.º 04A1323;
-
da Relação do Porto, de 11-3-2002, proferido no processo n.º 0456896;
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da Relação do Porto, de 25-3-2004, proferido no processo n.º 0431335;
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da Relação do Porto, de 28-6-2004, proferido no processo n.º 0453758;
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da Relação do Porto, de 21-9-2004, proferido no processo n.º 0454266;
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da Relação do Porto, de 3-3-2005, proferido no processo n.º 0436810;
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da Relação do Porto, de 4-4-2005, proferido no processo n.º 0550527;
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da Relação do Porto, de 12-4-2005, proferido no processo n.º 0427273;
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da Relação do Porto, de 21-4-2005, proferido no processo n.º 0531795;
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da Relação de Lisboa, de 12-5-2005, proferido no processo n.º 3821/2005-6;
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da Relação do Porto, de 23-5-2005, proferido no processo n.º 0552184;
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da Relação do Porto, de 7-6-2005, proferido no processo n.º 0523014;
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da Relação do Porto, de 7-7-2005, proferido no processo n.º 0533869;
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da Relação de Lisboa, de 23-3-2006, proferido no processo n.º 972/2006-6;
-
da Relação do Porto, de 14-3-2006, proferido no processo n.º 0620772;
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da Relação de Lisboa, de 20-6-2006, proferido no processo n.º 4914/2006-7; e
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da Relação do Porto, de 10-7-2006, proferido no processo n.º 0653804.


(Rol elaborado a partir de lista constante de um outro acórdão, do Tribunal da Relação do Porto, de 02-10-2006, proferido no processo n.º 0456896, também no mesmo sentido, à qual acrescentei os números de processo e as ligações directas, tendo também rectificado a data de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que ali aparece, por lapso, como de 23-2-2006, sendo na verdade de 23-3-2006.)

Uma outra corrente defendia, porém, que, apresentada a factura a pagamento no prazo de seis meses, começaria a correr novo prazo de seis meses para exigir judicialmente o pagamento (não aplicando a este segundo prazo as normas do Código Civil - cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-06-2002, proferido no processo n.º 0230589), tudo apontando para que tenha sido absorvida pela posição supra referida.

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