sexta-feira, dezembro 08, 2006

A referenda ministerial

Lembro-me de, ao estudar na Faculdade (FDUC) o essencial do processo legislativo, ficar baralhado com a figura da referenda ministerial. Não me parecia lógico o desvio de percurso. Com o pragmatismo habitual de então - "não me parece que perguntem isto" - engavetei as dúvidas. Há dias, preparando um texto, vi-me obrigado a tirá-lo do arrumo e resolvi ler um pouco mais. Encontrei este excerto, na colecção (temática) de pareceres da Procuradoria-Geral da República, e, parecendo-me interessante, reproduzo-o aqui, deixando no final um pequeno apontamento bibliográfico.

«(...) o Parecer nº 126/81 debruça-se, por seu lado, sobre o instituto da referenda ministerial, regulado no artigo 141º da Constituição de 1976 [hoje, é artigo 140.º]
:

"A referenda, que começou por constituir, na monarquia absoluta, um acto de certificação ou de registo das decisões do rei e passou a ser, na monarquia parlamentar, uma forma de limitar o exercício das prerrogativas reais e de responsabilizar os ministros pelos actos imputados ao rei, tem hoje alcance diverso consoante a natureza dos actos para que é exigida, traduzindo, porém, em termos gerais, uma necessidade de cooperação entre órgãos constitucionais para a produção de determinado resultado, quer essa cooperação implique uma função de controle, de corresponsabilidade ou de autenticação.

‘Na actual Constituição - escreve Gomes Canotilho -, a avaliar pelos actos carecedores de referenda (nomeação e exoneração dos membros do Governo, dissolução e suspensão dos órgãos das Regiões Autónomas, nomeação e exoneração do Presidente do Tribunal de Contas, Procurador da República (...) e representantes do Estado nas Regiões Autónomas, actos de promulgação e assinatura de leis, decretos regulamentares ou decretos, declaração de guerra, e efectivação da paz), a referenda é uma expressão formal da corresponsabilidade do Governo em relação a actos presidenciais que, directa ou indirectamente, implicam colaboração política do Governo.’

"Não sendo, todavia, facilmente configurável esta ideia de corresponsabilidade do Governo relativamente a actos da Assembleia da República, o mesmo autor considera então que, aí, a referenda ‘terá mais rigorosamente uma função de certificação da assinatura do Presidente da República.’

Quanto à questão de saber a quem compete a assinatura em que se consubstancia a referenda do Governo - questão que, sublinha-se, não é resolvida pela Constituição - considera-se que ela pertence ao Primeiro-Ministro, "na medida não só em que a este cabe ‘dirigir o funcionamento do Governo e estabelecer as relações de carácter geral entre ele e os outros órgãos do Estado’ (artigo 204º, nº 1, alínea b), da Constituição
[hoje é o artigo 201.º, n.º 1, al. b)]), mas também enquanto é o responsável político perante o Presidente da República (artigo 194º, nº 1, da mesma Lei [hoje, é o artigo 191.º, n.º 1]
)"

Assim, conclui-se, "(...) os actos do Presidente da República que careçam de referenda do Governo, nos termos constitucionais, exigirão a assinatura do Primeiro-Ministro como expressão formal dessa referenda".»


Sobre o instituto da referenda podem ler-se, ainda:
AMARAL, Diogo Freitas do/OTERO, Paulo, O valor jurídico-político da referenda ministerial, Revista da Ordem dos Advogados, ano 56, páginas 55 e ss.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional, 7.ª edição, Coimbra: Almedina, 2003, página 647.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes/MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa anotada, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 1993, páginas 606 e ss.
DUQUE, José Paulo Vieira, A referenda ministerial, Revista Jurídica (nova série), Lisboa nº 11-12 (Janeiro-Junho de 1989), páginas 115-160, e n.º 13-14 (Janeiro-Junho de 1990), páginas 17-39.
MIRANDA, Jorge, Referenda, no Dicionário Jurídico de Administração Pública, vol. VII, Lisboa, 1996, páginas 65 e ss.
MIRANDA, Jorge/MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa anotada, tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 2006, páginas 417 e ss.
Acórdãos doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano 20, n.º 238 (Outubro de 1981), páginas 1224-1230.

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2 Comentários:

Blogger a.p. disse...

Olá... Estava a procurar inforações sobre a referenda ministerial e deparei-me com o seu texto. Gostaria de colocar uma questão à qual não foi obtida resposta nas aulas práticas de Constitucional II que é a seguinte: qual é o prazo da referenda ministerial?
Obrigado

4/28/2008 2:37 da tarde  
Blogger Nuno de Lemos Jorge disse...

Creio que nem a CRP, nem a lei sobre formulário e publicação dos diplomas, nem o regimento do Conselho de Ministros fixam um prazo.

Poderá eventualmente discutir-se se será aplicável o prazo supletivo do artigo 71.º/1 do CPA.´

NL

4/28/2008 3:56 da tarde  

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