segunda-feira, dezembro 04, 2006

Aos meus alunos - notas breves sobre personalidade judiciária

Algumas decisões dos nossos tribunais superiores podem contribuir para tornar mais definido o conceito de personalidade judiciária, principalmente no que respeita a entidades sem personalidade jurídica.

1) Uma fundação ainda não reconhecida (ou seja, um património já autonomizado com vista ao reconhecimento de uma fundação, com administrador de facto, existindo declaração de vontade de constituição e faltando apenas o reconhecimento) goza de personalidade judiciária - acórdão do STJ de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B1890. Note-se que, na fundamentação desta decisão, há o cuidado de referir que "a relação jurídica controvertida [na] acção se encontra directamente conexionada com o património afectado pela escritura de constituição ao destino fundacional" - ou seja, a relação material circunscreve-se a este património autónomo.

2) Nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a questão da personalidade judiciária do condomínio liga-se directamente ao problema da legitimidade do administrador enquanto demandado. Há alguma incerteza na jurisprudência, havendo decisões que entendem que a personalidade judiciária do condomínio não se confunde com a possibilidade de representação dos condóminos prevista no artigo 1433.º, n.º 6 do Código Civil, exigindo, consequentemente, que a a acção de impugnação seja intentada contra os restantes condóminos, e não contra o condomínio, ainda que tais condóminos possam ser representados pelo administrador (cfr. acórdãos do STJ de 02-02-2006, proferido no processo n.º 05B4296, do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-10-2006, proferido no processo n.º 8347/2005-6, e implicitamente o do Tribunal da Relação de Guimarães de 31-03-2004, proferido no processo n.º 415/04-1) e outras decisões que entendem que o reconhecimento de personalidade judiciária ao condomínio implica que deve ser este demandado nas acções de impugnação das deliberações, representado pelo administrador, o que conduz a uma interpretação extensiva (ou talvez o reconhecimento de uma alteração implícita) do artigo 1433.º, n.º 6 (cfr. neste sentido os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-03-2006, proferido no processo n.º 2075/2005-7 e do Tribunal da Relação do Porto de 06-02-2006, proferido no processo n.º 0650237 e de 05-02-2004, proferido no processo n.º 0336927).
Como escapar a esta incerteza, na prática? Pois bem, enquanto a jurisprudência não estabilizar, e considerando que um dos possíveis fundamentos da aplicação do artigo 31.º-B do CPC é a incerteza jurídica da titularidade da relação material controvertida, talvez a solução mais segura seja intentar a acção contra o condomínio, representado pelo administrador e, subsidiariamente, contra os condóminos, fundamentando a incerteza da titularidade da relação material controvertida com a jurisprudência citada.

3) A herança só goza de personalidad judiciária até à sua aceitação pelos herdeiros, pois deixa, a partir de então, de ser "jacente" - acórdão do STJ de 15-01-2004, proferido no processo n.º 03B4310.

Uma nota final, sobre acções contra municípios. O município é uma pessoa colectiva pública. A Câmara Municipal não se confunde com o município, sendo antes um dos seus órgãos (cfr. artigo 56.º da Lei 169/99, de 18/09 - Lei das Autarquias Locais). Compete ao Presidente da Câmara (titular de um órgão do múnicípio) representar em juízo o município (verdadeira parte no processo) - cfr. artigo 68.º, n.º 1, al. a) da Lei das Autarquias Locais - pelo que as acções devem, em princípio, intentar-se contra "o município de X, representado em juízo pelo senhor Presidente da Câmara de X". No entanto, os tribunais judiciais tendem a aceitar a acção proposta contra o órgão "Câmara Municipal".
No processo administrativo, a questão resolve-se facilmente, pois não obstante se prever como parte no processo a pessoa colectiva pública (cfr. artigo 10.º, n.º 2 do CPTA), tal "não obsta a que se considere regularmente proposta a acção quando na petição tenha sido indicado como parte demandada o órgão que praticou o acto impugnado ou perante o qual tinha sido formulada a pretensão do interessado, considerando-se, nesse caso, a acção proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o ministério a que o órgão pertence" (cfr. artigo 10.º, n.º 4 do CPTA).

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