segunda-feira, novembro 13, 2006

Um acórdão que merece atenção e uma nota importante

Surpreendeu-me o seguinte sumário de um acórdão do STJ, disponibilizado hoje no website www.dgsi.pt, com data de 07-11-2006 e o n.º de processo 06A3025 (ligação directa):

"1- A causa de pedir é a causa de decidir, não podendo ser alterada em sede de recurso.
2- Após a reforma adjectiva de 1995/1996, deve ser-se mais exigente quanto ao controlo da observância da causa de pedir, para que o princípio do contraditório possa ser cabalmente cumprido.
3- O autor tem hoje em dia o ónus não só de alegar os factos pertinentes, mas também de expor os fundamentos de direito da acção, ónus que só poderá ser cumprido se no mínimo enunciar as normas jurídicas e os princípios gerais de direito que no seu entendimento suportam o pedido.
4- A total omissão dessa indicação deve ser sancionada em paralelismo com a situação de falta absoluta de causa de pedir."

Quem ler o sumário fica convencido da equiparação entre a falta da causa de pedir (=conjunto de factos em que assenta o pedido) e a falta de indicação do fundamento jurídico do pedido. E o acórdão cita, aparentemente em abono desta posição, o Professor Lebre de Freitas, nos termos seguintes: "«... o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efectiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie... Não basta... que às partes... seja dada a possibilidade de, antes da decisão, alegarem de direito... É preciso que, mesmo depois desta alegação, possam fazê-lo ainda quanto a questões de direito novas, isto é, ainda não discutidas no processo. Mas, ao verificar se uma questão de direito é nova, o tribunal deverá atender ao facto de as partes terem dado ou não cumprimento ao disposto nos arts. 467-1-d..., na parte em que impõem que na petição inicial se exponham os fundamentos de direito da acção.... Estes preceitos, tidos até agora como meramente indicativos, por a falta dessa exposição não ser sancionada, devem passar, após a revisão do código, a ser interpretados como impondo... ao autor... um ónus... este ónus não pode ser interpretado como impondo mais do que a indicação da norma jurídica ou do princípio geral de direito tido por aplicável, só a total omissão desta indicação sendo sancionada, em paralelismo com a situação de falta absoluta de causa de pedir".

Sucede que, salvo melhor opinião, não é isto o que afirma o referido Autor.
Estamos perante uma situação em que a citação parcial se afastou (notoriamente sem intenção) do sentido original do texto. O que, a pp. 102 a 105 de Introdução ao Processo Civil, refere o Sr. Professor Lebre de Freitas é que a falta de indicação do fundamento jurídico do pedido tem como consequência a perda, pela parte que o omite, do direito ao contraditório, quando o juiz decidir a questão com base num argumento jurídico ainda não discutido (p. 104 e nota 27).
Após esta afirmação, o mesmo Autor conclui, no entanto, que essa consequência (perda do direito ao contraditório) só ocorrerá quando haja falta absoluta de indicação do fundamento jurídico, e não quando essa indicação seja insuficiente ou incompleta. Faz, então, o paralelismo com a falta absoluta da causa de pedir: tal como esta só se considera ocorrida quando o articulado seja de todo omisso de factos em que basear o pedido, também a falta do fundamento jurídico só se considera verificada quando nada se refira sobre o direito aplicável.
A comparação entre falta de fundamento jurídico e falta da causa de pedir não é usada para afirmar que têm o mesmo regime ou consequências, mas sim para assinalar que, em ambas as hipóteses, a falta só releva enquanto omissão absoluta e não enquanto omissão parcial ou indicação imperfeita. Aliás, o dito Autor admite, a pp. 104, nota 26, que o regime de ambas é diverso. No texto citado, a expressão "em paralelismo com a situação de falta absoluta de causa de pedir" refere-se, pois, aos pressupostos de ambas, e não às suas consequências.

Eis, em suma, porque me parece importante estudar com atenção o acórdão referido, seja para dele discordar (como é o meu caso, por subscrever a posição descrita), seja para sufragar entendimento semelhante.

Etiquetas: , ,

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]


Página Inicial