segunda-feira, novembro 20, 2006

O (des)apoio judiciário

Li no Lex Fundamentalis, mais concretamente aqui, a reprodução de uma peça do "Portugal Diário", na qual se relata que um advogado, desanimado com a concretização do apoio judiciário, escreveu a várias entidades, alertando para um problema muito concreto: apenas os indigentes podem ser verdadeiramente apoiados.

Muito se escreveu já sobre o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais. Não vale a pena insistir neste ponto. Dele decorre algo tão simples como isto: independentemente da imposição de taxas pela utilização do serviço público de justiça, é uma obrigação do Estado proporcionar aos que que não podem custeá-las um meio de aceder aos tribunais, de modo que a situação de carência não constitua um obstáculo ao exercício dos seus direitos por via judicial.

Nos processos cíveis, o pedido de apoio judiciário era formulado, há uns anos atrás, por requerimento dirigido ao juiz, juntando prova da carência, que aquele apreciava.
Considerando que esta tarefa atrasava o andamento dos processos, o legislador confiou a apreciação dos pedidos aos serviços da Segurança Social, com recurso da decisão para o juiz.

Após a "experimentação" dos primeiros critérios para atribuição do benefício, a legislação "estabilizou" num conjunto de fórmulas estatuídas pelas Portarias 1085-A/2004, de 31 de Agosto (rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 91/2004, de 21 de Outubro) e 288/2005, de 21 de Março.
Reconhecendo implicitamente (e até explicitamente, através de declarações de membros do Governo na altura) que o sistema falhava ao não controlar convenientemente o abuso do benefício por parte de alguns sujeitos, o Estado cedeu à tentação covarde de pura e simplesmente fechar a torneira.
As fórmulas assentam nesta aberração: presume-se - presunção inilidível! - que a família "X", com rendimentos "Y", tem encargos com necessidades básicas do agregado familiar que ascendem a "Z", sendo que não é possível contestar o valor de "Z", que resulta puro e asséptico da aplicação da fórmula. Pouco importa que o agregado familiar tenha incontáveis despesas de medicamentos ou se veja obrigado a suportar encargos suplementares que não pode evitar.

Ainda assim, até para uma família sem encargos extraordinários os resultados são insustentáveis. Basta pensar que um casal de reformados que, no conjunto, receba 700 euros por mês não é isento do pagamento de custas. Terá de pagá-las faseadamente (como se o pagamento faseado não onerasse efectivamente a família). E este pagamento faseado não envolve um tecto ou limitação, o que significa que esta família concreta poderá suportar, às prestações, custas judiciais de 1.000, 2.000, 3.000, 4.000 euros, até ao infinito.

Pelo contrário, uma sociedade comercial pode livremente fazer reflectir as despesas normais na sua contabilidade, servindo esta de base à análise com vista à concessão do benefício.

Seja por desejo de poupar, seja por reconhecimento de não poder controlar, este é um regime que deve envergonhar o Estado. Muito se escreveu, na altura, contra ele. Entretanto, como é natural, os ânimos foram serenando, até porque os mais afectados por esta medida não têm voz audível nos espaços que hoje influenciam as decisões, o que, em boa verdade, deve obrigar-nos a tomar posição.

É, pois, importante lembrar constantemente, enquanto a lei estiver em vigor, que são injustos os resultados a que conduz, que são absurdos e irrealistas os pressupostos de que parte e, acima de tudo, que representam um sinal indesculpável de desrespeito, por parte do Estado, por todos - repito: todos! - os direitos que qualquer pessoa carenciada tenha que exercer judicialmente.

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