quarta-feira, novembro 22, 2006

Empreitadas - reconhecimento do direito

Nas acções sobre cumprimento defeituoso do contrato de empreitada, quase sempre se levantam dificuldades variadas. Elas são, muitas vezes, difíceis de peticionar, difíceis de contestar e, para o juiz, difíceis de despachar (no saneador) e decidir.

Nelas se levanta, muitas vezes, o problema do reconhecimento, pelo empreiteiro, do direito do dono da obra à eliminação dos defeitos, que, nos termos do artigo 331.º, n.º 2 do Código Civil, impedirá a caducidade.
A alegação do reconhecimento tem que ser feita, aqui, com extremo cuidado. O critério traçado no acórdão do STJ de 25/11/1998 (BMJ 481-430), particularmente elucidador a este respeito, aponta para a alegação de factos que consubstanciem um reconhecimento expresso, correcto e preciso (cfr., adoptando esta formulação, os fundamentos do acórdão do STJ de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1450). Neste último processo, de 2006, o autor havia alegado que o Réu, "[c]ontactado várias vezes pelo A. para concluir a obra, eliminar os defeitos e executar a obra do sótão, também em Janeiro de 2000 e em 14/02/2000, embora com promessas animadoras, nada fez", tendo-se considerado que tal alegação não permite saber "quais os concretos defeitos que foram denunciados em Janeiro e Fevereiro de 2000 e por, outro lado e, sobretudo, nada foi alegado ou provado sobre o momento do reconhecimento". Note-se que, usando expressão retirada de outro aresto, os factos alegados e provados não podem deixar "dúvidas de que o devedor aceitou o direito alegado pelo credor" (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29-06-2006, proferido no processo n.º 0633332).

Como facto que interessa ao autor provar, o reconhecimento deve ser alegado em termos detalhados, imputando ao réu uma declaração(*) concreta, temporalmente delimitada, da qual se possa extrair a delimitação do objecto do reconhecimento.

Raras vezes haverá a sorte de o empreiteiro responder a uma denúncia de defeitos com uma carta em que, referindo-se a eles especificadamente, se dispõe a eliminá-los, pois nesses casos o reconhecimento será inequívoco, de prova e alegação simplificadas (cfr. acórdão do STJ de 03-06-2003, proferido no processo n.º 03A1440, que tem, ainda, o interesse suplementar de analisar a equiparação do empreiteiro a dono da obra, nas suas relações com o subempreiteiro). As mais das vezes, o reconhecimento é verbal e, embora isso não impeça a produção dos seus efeitos, pois não tem de obedecer a qualquer formalidade (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-02-99, proferido no processo n.º 0063072), a formulação verbal dificulta extraordinariamente a prova, que fica praticamente dependente do depoimento das testemunhas, da improvável admissão pelo réu ou de uma ainda mais rara inversão do ónus.

Ainda em matéria de caducidade, pode ser útil consultar o acórdão do STJ de 18-05-2006, proferido no processo n.º 06A940, no qual se decidiu que "se numa compra e venda de imóvel de longa de duração feita por construtor-vendedor as partes tiverem decidido por mútuo acordo encomendar um estudo para determinar se existiam os defeitos de construção denunciados pelos compradores, não se inicia o prazo de caducidade do art.º 1224º, nº 1, do Código Civil sem que o estudo se conclua e as partes definam com exactidão o seu posicionamento face aos resultados obtidos."
A fundamentação é a seguinte: "o prazo de caducidade do direito accionado deve contar-se a partir [da] data em que os autores ficaram a saber que, enjeitando a ré qualquer responsabilidade pelos defeitos da obra detectados, dispunham de um ano para em juízo a convencer do contrário. Antes disso, não pode com razoabilidade sustentar-se que o direito estava em condições de legalmente ser exercido. Tendo as partes decidido, por mútuo acordo, encomendar um estudo para confirmar ou infirmar a existência dos defeitos e determinar as suas causas, claro está que, sem o estudo concluído e sem a definição exacta da posição dos contraentes face aos resultados obtidos, nenhum sentido faz aludir à caducidade; se esta, por assim dizer, é o morrer de um direito em consequência do esgotamento de um prazo, torna-se uma incongruência chamá-la à colação quando ainda não é seguro que ele, direito, tenha sequer nascido e ficado alojado na esfera jurídica do interessado." Note-se que (ao contrário do posição assumida na decisão recorrida) o tribunal não considerou a vontade das partes directamente relevante para apurar o momento de início do prazo, fundando-se apenas na razão de ser do regime da caducidade.

(*) Não estando sujeito a forma, nada impede, teoricamente, que o reconhecimento assente num comportamento de onde se deduza uma declaração tácita (cfr. artigo 217.º do Código Civil). Simplesmente, será dífícil que um tal comportamento satisfaça todos os requisitos supra apontados para as cabais alegação e prova do reconhecimento.

Post Scriptum - para terminar, deixo aqui uma questão sem resposta (tendo chegado a uma conclusão, ainda hesito entre duas vias de fundamentação), para "recreio" do leitor. Imagine-se que o dono da obra denuncia os defeitos remetendo carta registada com aviso de recepção ao empreiteiro. Este recusa-se a recebê-la. O dono da obra insiste uma vez mais, pelo mesmo meio, e o empreiteiro de novo recusa receber a carta. Entretanto, o dono da obra intenta a acção, tendo esgotado o prazo de caducidade se o contarmos a partir da data da primeira carta. O réu empreiteiro invoca a caducidade alegando algo como isto: como só por minha culpa exclusiva não recebi a declaração do autor, aplica-se o regime do artigo 224.º, n.º 2 do Código Civil e ela deve considerar-se eficaz, contando-se a partir daí o prazo (de caducidade) para exercer o direito por via da acção. Quid iuris?

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