segunda-feira, outubro 23, 2006

Ainda sobre custas, duas palavras.

Os acórdãos citados no post anterior sugerem-nos alguns comentários.
A legislação segue, um pouco como as modas, tendências. No direito processual civil, são nítidas inúmeras tensões contraditórias, entre um modelo privatista e um outro publicista, entre a potenciação e o recuo da oralidade, entre a multiplicação de formas especiais e o regresso à (ou a uma) forma comum, etc.
Também em matéria de custas é possível ler, pelo menos, sinais de novos rumos. As custas judiciais são taxas. Por aqui se ficaria a dogmática fiscal e, para ela, seria indiferente a forma como elas se repartem, ressalvadas as hipóteses de tributação ilegítima. Mas, para o processo civil, as custas envergam outras vestes e têm um sentido próprio, onerando com a taxa, que contribui para financiar o sistema judicial, a parte que deu causa à acção (ergo, ao gasto público), seguindo as regras que conhecemos. Deste "embate" deverá sair razoavelmente ilesa a parte vencedora, por ter visto confirmada a sua posição. Este modelo é hoje menos puro, com a existência de liquidações prévias da taxa de justiça. Ora, sendo admissível, até certo ponto, que o Estado exija pagamento adiantado, para evitar dificuldades em futuras execuções, não é menos verdade que, com este passo, se iniciou uma tendência - ainda ligeira, admita-se - de torção do sentido original das custas, posicionando-as como um instrumento ao serviço da conveniência e do pragmatismo administrativos.
O segundo acórdão citado pode ser um sinal de que, não sendo os ajustamentos de negar liminarmente, devem ser introduzidos com cautelas e não conceder demasiado ao proveito administrativo em desfavor das partes. Aliás, outras tendências para que as custas sirvam não como incentivo, mas como penalização por comportamentos legítimos (veja-se o novo Regime Processual Experimental) devem ser revistas ou, pelo menos, repensadas, para que o respectivo regime não se converta num instrumento de pressão para que o processo se transforme no que o Estado quer que ele venha a ser e não no que as partes fundadamente pretendem que ele seja.

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9 Comentários:

Blogger MIM disse...

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10/24/2006 11:03 da manhã  
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10/24/2006 11:17 da manhã  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Obrigado pelas suas palavras. Problema complicadíssimo, este que levanta - um verdadeiro desafio para abrir o "debate". É claramente uma situação que o legislador não previu.

O artigo 66.º, n.º 1 da última Lei do OE, prevê, na parte final, que não haverá lugar à restituição do que foi pago, nem à elaboração de conta, "salvo motivo justificado".

"Motivo justificado" poderia ser o de fazer recair o encargo da restituição dos "preparos" sobre o embargado ou sobre o Cofre Geral dos Tribunais.

Mas, para tanto, era necessário encontrar uma disposição que acolhesse o interesse do embargante, e é aí que, pelo menos numa primeira análise, encontro muitas dificuldades:

- no CPC, o interesse do embargante não encontra acolhimento directo, pois na aplicação das regras do Código vai pressuposto que, pelo jogo normal das restantes normas, ele será reembolsado por aplicação da regra geral da responsabilidade do vencido - artigo 446.º do CPC -, o que alias é notório da leitura do n.º 1 do artigo 451.º;

- uma norma similar à do n.º 2 do artigo 451.º do CPC poderia ser útil, mas esta só se aplica aos casos de transacção, e não de desistência;

- o montante do "preparo", incluindo-se nas custas de parte (artigo 33.º do CCJ), daria origem a reembolso, mas esse reembolso é um encargo da parte vencida do qual ela parece estar isenta por força do referido artigo 66.º.

- finalmente, a letra do artigo 4.º, n.º 3 do CCJ não facilita a aplicação da norma, pois o "incentivo" não cabe na figura do apoio judiciário.

Só me parece possível proteger o embargante por uma de duas vias:

- considerar uma aplicação extensiva ou analógica do artigo 4.º, n.º 3 do CCJ (o que me parece dificílimo, pois não consigo vislumbrar uma identidade de razão entre a hipótese prevista e a hipótese não prevista);

ou

- considerar, por via de interpretação restritiva, que o regime do artigo 66.º da Lei do OE compreende apenas os encargos referidos no n.º 1 do artigo 32.º do CCJ e não o n.º 2 do mesmo artigo, seguindo este o regime normal do artigo 33.º-A do CCJ. Neste caso, a partir do trânsito em julgado, o embargante notificaria o embargado para lhe restituir aquela quantia. Não negando esta última solução - pela iniquidade da aplicação cega do artigo 66.º da LOE e por considerar que o legislador não cuidou da hipótese que citou no seu comentário - considero que é um trabalho complexo fundamentar a aplicação restritiva que ela pressupõe.

Vê outras soluções?

10/24/2006 2:26 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Agora uma adenda também da minha parte.

Se o embargante tentar a via que ali descrevi, o embargado vai naturalmente recusar o pagamento e a questão vai parar... às mãos do juiz. Duvido que, se a questão se repetir, a jurisprudência se coloque espontaneamente de acordo, atenta a complexidade da questão.

10/24/2006 2:37 da tarde  
Blogger MIM disse...

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10/24/2006 4:25 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Estou francamente animado com esta conversa.

Tem toda a razão quando afirma que o sistema "puxa" claramente a solução para onerar o embargado, que, pela sua conduta processual, confirmou a razão do embargante e, assim "deu causa" aos embargos. E é claro que repugna onerar economicamente o embargante.

Dado que as nossas dúvidas são aproximadamente as mesmas e os caminhos para tentar resolvê-las paralelos, vou só juntar mais um pouco de lenha.

1.º - Nenhuma das duas soluções que aceitamos como possíveis é de rejeitar frontalmente. Nisso estamos de acordo.

2.º - Os seus argumentos em prol da analogia são fortes, mas olhando a norma do n.º 3 do artigo 4.º continuo pouco animado para dar o "salto" da analogia. Será que pela dita norma não se quis apenas salvaguardar a posição da parte economicamente desfavorecida - daí cobrir apenas as hipóteses de apoio judiciário? Justificar-se-á a analogia?

3.º - Por outro lado, e quanto à ratio do artigo 66.º, escreveu o seguinte: "não é líquido que o espírito da lei não seja mesmo o “perdão total” a quem contribua com a sua desistência para o descongestionamento dos tribunais". É certo. Mas será que é espírito da lei libertá-lo desse encargo onerando o Cofre Geral dos Tribunais com o reembolso de tal quantia (situação, para o Estado, que tem de desembolsar, financeiramente pior do que simplesmente não receber, que é indiscutivelmente o contexto do "incentivo").

Assumo, quase naturalmente, a posição que me parece oposta à que julgo perceber ser a sua, pelo puro gosto da discussão, mas confesso-me, ainda cheio de dúvidas...

10/24/2006 8:36 da tarde  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Parece que desenvolvi o gosto pelas adendas. Esta é só para referir que as nossas dúvidas confirmam o que já disse no texto: o nosso sistema de repartição de custas é, no essencial, prático e justo. A sua alteração - tentação forte, nos dias de hoje, por motivos evidentes - facilmente origina problemas difíceis de prever e/ou iniquidade na aplicação.

10/24/2006 9:11 da tarde  
Blogger MIM disse...

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10/25/2006 12:58 da manhã  
Blogger Nuno Lemos Jorge disse...

Uma das vantagens da minha profissão é não ter que decidir rapidamente. Posso dar-me ao luxo de manter as dúvidas mais tempo.

Mas, para matar a questão também do meu lado, devo dizer que, apesar das dúvidas, se me visse obrigado a decidir, provavelmente também me inclinaria para onerar o embargado com a restituição. No fim de contas, é um imperativo de justiça.

Espero que possamos continuar a alimentar a discussão a propósito de outros temas.

10/25/2006 10:22 da manhã  

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