quarta-feira, dezembro 19, 2007

A suspensão deste blog e o seu possível regresso

Aproximam-se as férias de Natal, o que, em condições normais, ditaria o encerramento deste blog pelo período de descanso.
No entanto, ele encerrará por mais algum tempo.
Um conjunto de motivos leva-me a suspendê-lo (para já).
- Em primeiro lugar, começo a leccionar a disciplina de direito processual civil no mestrado, na Universidade Lusófona do Porto, em Janeiro. Erguer, desde as fundações, uma nova disciplina, e zelar pelo seu bom funcionamento no primeiro ano vai tomar-me algum tempo.
- Em segundo lugar, a fase actual do doutoramento em que me encontro exige uma atenção especial, que não posso descurar.
- Em terceiro lugar, uma outra meta profissional, da qual darei notícia a seu tempo, exigirá também a minha atenção e o meu estudo, durante algum tempo.
Assim, vi-me obrigado a reorganizar o tempo finito de que disponho. Sacrifiquei algumas actividades e esta foi uma delas.

Estes, em suma, os motivos pelos quais esta página ficará sem a normal actividade de anotação sistemática de jurisprudência, a partir de hoje, e, previsivelmente, durante cerca de 4 ou 5 meses.
Porém, toda a informação tratada até agora (mais de 1500 acórdãos anotados) continuará disponível para consulta. Apenas será suspensa a actualização.

Posto isto, creio que devo ainda acrescentar outros três pontos.

O primeiro: os motivos expostos não me permitem, nos próximos meses, anotar a jurisprudência, pelo menos ao ritmo a que o tenho feito. No entanto, continuarei a recolhê-la. Penso, por isso, que subsistirá algum interesse - embora por certo em muito menor grau - pela recolha simples, sem anotações, da jurisprudência mais relevante que vai sendo publicada, com especial atenção para o processo civil. Será uma outra página - gémea desta - que receberá essa jurisprudência não anotada. É um blog mais pobre, sem dúvida, mas que creio poder ainda representar uma fonte rápida e cómoda de informação. Chama-se essa outra página "Um outro blog sobre processo civil" e começará a receber a informação em Janeiro. Estando, ainda, vazia, pode ser encontrada aqui, exactamente com o mesmo layout desta que agora lêem.

O segundo: este blog regressará, talvez, daqui a alguns meses, mas não dispensa, neste momento especial, um balanço rápido. Para mim, esse balanço é muito positivo, principalmente por ter sentido, repetidamente, que foi uma boa ajuda para outros. Oferecer informação fiável, ordenada, acessível e gratuita era - e é - o seu propósito. Aqui continuará toda a dita informação, até um eventual regresso.

O terceiro: muito obrigado a todos os leitores que me escreveram e enviaram documentos e informações, que só me enriqueceram. Gostaria de continuar a receber boas informações. Obrigado também a todos os que se tornaram leitores fiéis, pelo estímulo que representaram. Obrigado, por fim, a todos os que leram e aproveitaram, pois só por isso valeu a pena deixar tudo aqui. Custa-me um pouco não continuar, mas também poderá ser útil parar um pouco e olhar para tudo isto, com algum distanciamento, daqui a algum tempo, ainda que tal aconteça com esta actividade, que tem representado uma fatia importante da minha vida.

Dado que a informação continuará aqui, à disposição de todos, não há despedidas.
A todos, apenas e só "até breve".

terça-feira, dezembro 18, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 3 de 3)

1) Decisão individual do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-12-2007, proferida no processo n.º 10653/2007-7:
"A circunstância de perdurar há algum tempo situação causadora de lesão grave e dificilmente reparável de um direito obsta ao indeferimento liminar da providência em que se pretende que se ordene a evacuação de animais e materiais pertencentes aos requeridos que integram uma exploração pecuniária não licenciada que ocupa parte do prédio do requerente. É que, fora da protecção cautelar, estão as lesões consumadas, mas não as lesões continuadas ou repetidas, pois importante é que a situação de perigo seja actual.
As lesões ocorridas subsistentes fortalecem a convicção da gravidade da situação e reforçam a necessidade de tutela cautelar para evitar a repetição ou persistência dessas situações lesivas
."


Nota - Sendo a decisão subscrita por Abrantes Geraldes, não espanta que contenha muita informação sobre esta matéria (o relator é autor de obras de referência - prática e teórica - sobre procedimentos cautelares: refiro-me aos dois volumes que dedica ao tema na colecção "Temas da Reforma do Processo Civil"). Limito-me, pois, a transcrever uma parte da fundamentação, que subscrevo inteiramente, remetendo para a jurisprudência que o relator cita em rodapé, na página da decisão.
"Ao invés do que consta da decisão agravada, não pode extrair-se do facto de o diferendo recuar a 2004 ou 2005 argumento que permita justificar o indeferimento liminar. A maior duração da situação apenas agrava a situação danosa, ao invés do que concluiu o tribunal a quo.
Nem o facto de a requerente se ter abstido de interpor qualquer acção com carácter definitivo pode ser invocada. É que o CPC prevê no seu art. 2º o exercício do direito de acção, como direito subjectivo oposto ao dever do Estado de dirimir litígios de direito privado, bem diverso de um dever de agir judicialmente com consequências na apreciação liminar das pretensões deduzidas.
A requerente, como alega, procurou encontrar nas autoridades administrativas a solução para o caso. Atitude que, se for verdadeira, é irrepreensível, pois que, sem embargo dos efeitos que a situação provoca na sua esfera jurídica, existirão outros bem mais graves que devem ser tutelados por entes públicos, ainda que com posteriores reflexos na esfera dos direitos privados.
A crer naquilo que a requerente alega, a ocorrência de perigos para a saúde pública, a violação de preceitos regulamentares em termos de licenciamento de explorações pecuárias ou o incumprimento de normas legais relacionadas com a posse de animais apresentam virtualidades que bem poderiam ter servido para que a fonte de perigo fosse administrativamente eliminada sem os encargos que decorrem do recurso aos tribunais cíveis.
Não tendo surtido efeito as diligências que a requerente terá empreendido, não poderá de modo algum ser penalizada.
O não exercício anterior do direito de acção judicial e, mais do que isso, a opção pelo accionamento de mecanismos de direito administrativo com posterior inércia dos entes públicos jamais pode redundar em prejuízo dos titulares de direitos afectados e que se encontrem em situação de lesão grave, iminente ou reiterada.
Como decorre do direito de acção consagrado no art. 2º do CPC, a qualquer situação juridicamente protegida corresponde uma acção, sem exclusão sequer da acção cautelar, desde que, neste caso, se verifiquem os requisitos específicos. Por outro lado, as funções de que sejam incumbidas autoridades policiais ou administrativas não contendem com a legitimidade dos particulares de requererem providências de carácter inibitório, acompanhadas ou não de medidas que imponham determinados comportamentos.
Não sendo seguro que os interessados a quem a lei reconhece determinado direito possam actuar directamente sobre tais autoridades no sentido de as levar a cumprir as suas funções, resta a possibilidade de lhes ser facultada a intervenção dos tribunais para a defesa dos seus direitos ou dos interesses reconhecidos."

Acrescento apenas que, quanto a lesões consumadas, pode ler-se, com algum interesse, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 21-10-2004, proferido no processo n.º 0435292.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-11-2007, proferido no processo n.º 9974/2007-8:
"O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre sob controlo jurisdicional.
Por força do princípio dispositivo, se o exequente tiver cumprido adequadamente com o ónus de indicar bens a penhorar, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º do Código de Processo Civil.
O juiz deve ordenar a penhora dos bens indicados pelo exequente quando a satisfação do direito daquele o imponha face à inércia da actuação do agente de execução
."


Nota - Trata-se de assunto já tratado neste blog, recentemente, em anotação ao acórdão da mesma Relação de
de 22-11-2007, proferido no processo n.º 9716/2007-6. Remeto, pois, para a nota que ali deixei à decisão.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-12-2007, proferido no processo n.º 8187/2007-6:
"Na impugnação da matéria de facto, a omissão da referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 522.º-C do CPC, acarreta a rejeição do respectivo recurso.
(...)
A responsabilidade por litigância de má fé, prevista no art. 456.º, n.º s 1 e 2, do CPC, na redacção anterior ao DL n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, exige uma conduta de natureza dolosa
."


Nota - Sobre a omissão do disposto no artigo 690.º-A, n.º 2, que remete para o artigo 522.º-C, n.º 2 do CPC, a jurisprudência não é unânime.
Quanto ao incumprimento dos ónus previstos no artigo 690.º-A do CPC, há duas correntes jurisprudenciais opostas. A primeira defende que o recurso deve ser imediatamente rejeitado sem prévio convite ao seu aperfeiçoamento (cfr. neste sentido, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, pág. 176, nota 355, Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 586, e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 20-05-2004, proferido no processo n.º 04B122, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3450, de 25-05-2006, proferido no processo n.º 06B1080, de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B1998, e do Tribunal da Relação do Porto de 12-07-2007, proferido no processo n.º 0730129:).
A segunda alinha pela necessidade de convite prévio ao aperfeiçoamento do recurso (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 14-03-2006, in CJ 2006, I, pág. 124,
de 20-03-2003, proferido no processo n.º 02B2168, de 29-11-2005, proferido no processo n.º 05S2552, de 06-07-2006, proferido no processo n.º 06A1838, de 13-07-2006, proferido no processo n.º 06S698 (este, todavia, pondo em evidência que haverá rejeição quando não se mostre um esforço de identificação dos pontos factuais censurados e dos elementos probatórios que viabilizam), e de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541), reservando a rejeição para as hipóteses de absoluta falta de alegação quanto a essa matéria.
Tem-se entendido que a primeira daqueles teses não fere normas constitucionais (cfr. o
acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, em processo penal mas com conclusões transponíveis para o processo civil - cfr., neste sentido, Lopes do Rego, loc. cit.).
Sobre um outro problema conexo (saber se as conclusões da apelação devem conter a indicação dos concretos meios de provas em que se baseia a sua discordância relativamente à decisão de primeira instância impugnação da matéria de facto), remeto para a fundamentação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2074, que considero ser exemplar, quanto a esta matéria.
Ainda sobre o ónus previsto no artigo 690.º-A do CPC, cfr. os acórdãos do STJ
de 10-05-2007, proferido no processo n.º 06B1868, do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-03-2007, proferido no processo n.º 1877/03.3TBCBR.C1, e de 08-11-2006, proferido no processo n.º 06S2455.
Finalmente, sobre a conduta dolosa enquanto pressuposto da litigância de má fé no regime anterior à reforma de 1995/96 (que hoje terá pouco interesse, creio), cfr., entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 19-04-1990, proferido no processo n.º 077994, e de 25-07-1987, proferido no processo n.º 074236.


4)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-11-2007, proferido no processo n.º 8319/2007-7:
"Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa (artigo 4.º .n.º1 ,alínea g) da lei n.º 13/2002,de 19 de Fevereiro).
São assim aqueles tribunais os ocmpetentes para conhecer o litígio em que os adquirentes de imóvel , por meio de venda judicial, reclamam do Estado indmenização fundada nos prejuízos que lhes advieram por anulação da venda devido à falta de citação dos executados
."


Nota - Não é líquida, na jurisprudência, esta posição, mesmo olhando apenas as decisões tomadas à luz do novo ETAF.
Cfr., no mesmo sentido da decisão anotada, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto
de 26-11-2007, proferido no processo n.º 0755601.
Mas já no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 14-06-2005, proferido no processo n.º 33569/2005-7, se entendeu o seguinte: "Os tribunais administrativos não são competentes para o julgamento de acções de responsabilidade civil intentadas contra o Estado por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, nomeadamente nos tribunais judiciais, bem como das correspondentes acções de regresso; Mas não estão aqui incluídos os actos atribuídos aos magistrados do MP, por estes não exercerem uma função jurisdicional, a qual apenas é exercida pelos juizes; Todavia, quando a acção de responsabilidade é proposta com fundamento em actos atribuídos ao juiz e ao MP, praticados em processo-crime que, conjunta e combinadamente, terão atingido direitos fundamentais do A. e lhe terão provocado danos, o tribunal competente para o efeito é o tribunal judicial".

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segunda-feira, dezembro 17, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 2 de 3)

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 7506/2007-8:
"O contrato respeitante às despesas de um escritório de advogados pode ser celebrado consensualmente (artigos 219.º e 405.º ambos do Código Civil).
Decorrendo de sentença transitada em julgado que houve contrato do qual emergia o pagamento repartido de determinados serviços, a acção ulterior onde se reclamam prestações em dívida fundadas no mesmo contrato e derivadas das mesmas circunstâncias está abrangida pela autoridade do caso julgado, pois há casos, como o presente, em que os fundamentos em si possuem valor próprio de caso julgado, designadamente nas situações em que se verificam relações de prejudicialidade, ou seja, quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior."


Nota - Questão muitíssimo complexa e que, em vez de uma nota, mereceria uma ou duas teses inteiras é esta dos efeitos do caso julgado.
Tentando resumir (sem trair) um pouco o problema, a jurisprudência tem oscilado entre um entendimento mais restrito, que limita os efeitos do caso julgado, praticamente, à parte decisória da sentença, e um outro mais amplo, segundo o qual o dito efeito pode atingir alguns pontos do percurso lógico que conduziu à decisão.
Exemplo paragigmático da primeira corrente é o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 18-02-1999, proferido no processo n.º 99B040 (também in BMJ n.º 484, pág. 318- desde logo contando com um voto de vencido, no que a esta questão diz respeito), alinhando o acórdão aqui anotado pela segunda corrente. Exemplo desta segunda linha de pensamento, mais ampla, são os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2004, proferido no processo n.º 03B4074 ("O caso julgado da decisão também possui um valor enunciativo, que exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada e afasta todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada, ainda que apenas dependente do decidido por uma relação de prejudicialidade."), e, com uma justificação não inteiramente coincidente, o de 09-10-2003, proferido no processo n.º 98B057 ("O caso julgado material abrange o respectivo segmento decisório, bem como a decisão das questões preliminares que desse segmento sejam antecedente lógico necessário. O efeito processual do caso julgado, que se prende com a autoridade do caso julgado, decorrente da decisão transitada em julgado, impede que o tribunal volte a pronunciar-se sobre o decidido e vincula-o ao concernente conteúdo. Decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça que a procedência da acção de resolução do contrato de arrendamento por falta de residência permanente no locado posterior ao contrato de compra e venda do locado implicava que o arrendatário não mantivesse o seu direito de preferência na compra, embora com vista à suspensão do recurso de revista com fundamento em causa prejudicial, não pode aquele Tribunal decidir em sentido contrário no acórdão subsequente ao trânsito em julgado da sentença que decretou a resolução do contrato de arrendamento e deve aplicar o disposto no nº. 2 do artigo 284º do Código de Processo Civil."), do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-06-2006, proferido no processo n.º 9993/2005-7 (de leitura recomendada, ao colocar a tónica certa na diferença entre a a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado), do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-03-2005, proferido no processo n.º 4128/04 (idem), de 25-09-2007, proferido no processo n.º 524/04 ("O caso julgado material forma-se sobre a decisão relativa ao objecto da acção, abrangendo também as decisões preliminares e preparatórias que constituam premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva da decisão, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado").
Podem ler-se ainda, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 28-01-2003, proferido no processo n.º 02A3965, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-06-2007, proferido no processo n.º 1737/2007-6.
Outros aspectos do caso julgado (limites subjectivos, identidade de pedidos, etc.) foram já tratados aqui no blog. Podem encontrar-se reunidos seguindo
esta ligação.
Nem sempre subscrevendo a fundamentação das decisões (que, a este respeito, mesmo dentro da mesma linha jurisprudencial, nem sempre coincidem), a minha posição é, sem dúvida, favorável a um entendimento menos restrito do caso julgado, pois a posição mais restrita não garante o desejado efeito de evitar a contradição prática e teórica de julgados. Os acórdãos já citados do Tribunal da Relação de Lisboa
de 06-06-2006, proferido no processo n.º 9993/2005-7, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-03-2005, proferido no processo n.º 4128/04, encontram-se muito próximos do que eu defendo, quanto a este assunto.
Assim, não me choca a decisão anotada, quando conclui que "tendo ficado provado, na sentença anterior transitada, que A. e R. acordaram que a empregada prestaria serviços a ambos e que os salários, segurança social e os demais encargos com aquela seriam suportados por ambos, resulta de forma inequívoca que o R. tem a obrigação de suportar metade dos valores despendidos pelo A. com a empregada, com fundamento no acordo ao qual se vinculou."


2)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 7641/2007-8:
"Os Tribunais administrativos são competentes em razão da matéria, nos termos do artigo 4.º,alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, para conhecer da acção em que se pretende a responsabilização da ré, empresa pública com capitais exclusivamente públicos, por danos resultantes do facto de não ter cumprido o seu dever de zelar pela segurança de pessoas e de bens no porto sobre o qual tem jurisdição, ou seja, por actuação exercida no âmbito dos poderes de autoridade que lhe foram conferidos pelo Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro e pelo Decreto Legislativo Regional n.º30/2003/A, de 27 de Junho."

Nota - A decisão segue muito de perto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2224, especialmente na parte em que se escreve que "a “pedra de toque” para efeitos de determinação da competência material dos tribunais administrativos não reside propriamente na dicotomia “actos de gestão pública – actos de gestão privada”, mas sim no critério constitucional plasmado no artigo 212º, nº 3 da Lei Fundamental, ou seja compete aos tribunais dessa jurisdição especial o julgamento de acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das denominadas relações jurídicas administrativas. Âmbito assim definido com apelo ao mesmo critério na legislação intra-constitucional (cf. artigo 3º do ETAF, presentemente, artigo 4º); do que se trata é de uma actividade, acto, comportamento ou conduta, vista da perspectiva de um lesado (terceiro) particular, cuja avaliação, para efeitos do apuramento da respectiva responsabilidade civil é regulada por normas de direito privado que não por normas, princípios e critérios de direito público." Aliás, a posição segundo a qual a qualificação de um acto como de gestão privada ou de gestão pública releva só por si para a determinação da (in)competência dos tribunais administrativos tem vindo a ser rejeitada pela jurisprudência mais recente - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A1004 (referido já aqui), de 12-02-2007, proferido no processo n.º 07B238 (referido já aqui), do Tribunal de Conflitos de 26-10-2006, proferido no processo n.º 018/06 (referido já aqui), e do Tribunal da Relação do Porto de 12-10-2006, proferido no processo n.º 0634770, e de 26-11-2007, proferido no processo n.º 0755601 (já referido aqui). Nas ligações que acabei de deixar para textos anteriores é possível encontrar mais informação sobre esta matéria.
Para além destes, podem ler-se sobre o mesmo assunto, na linha do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 20-10-2005, proferido no processo n.º 05B2224, os acórdãos do mesmo tribunal de 17-03-2005, proferido no processo n.º de 17-03-2005, proferido no processo n.º 05B431, e de 07-10-2004, proferido no processo n.º de 07-10-2004, proferido no processo n.º 04B3003.
Vejam-se, ainda, os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa
de 14-12-2006, proferido no processo n.º 988/2006-6, de 23-01-2007, proferido no processo n.º 9911/2006-7, e de 19-10-2006, proferido no processo n.º 4956/2006-6.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 64422/2007-6:
"Para ser julgada interrompida a instância nos termos do art. 285º do CPCivil, é necessário que a parte a quem cabe o impulso processual tenha sido negligente em promover os seus termos;
Não é o caso do exequente na hipótese de a execução ter sido sustada por força do disposto no nº1 do art. 871º do CPCivil
."


Nota - Parece que não oferecerá grande discussão esta decisão.
Sobre a imputabilidade da não promoção dos termos do processo, cfr. também o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 28-06-2005, proferido no processo n.º 5822/2005-7, citado na decisão: "A interrupção da instância, nos termos do art. 285º, só se verifica quando as partes, designadamente o exequente, se mostrarem negligentes no impulso processual, ou seja quando deixaram de praticar qualquer acto que tinham o ónus".
No caso concreto, encontrando-se sustada a execução por existência de penhora anterior (nos termos do artigo 871.º do CPC), parece evidente que não existe negligência. Sobre a necessidade de um juízo de apreciação da negligência, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 08-06-2006, proferido no processo n.º 06A1519, de 15-06-2004, proferido no processo n.º 04A1992, do Tribunal da Relação do Porto de 01-06-2006, proferido no processo n.º 0633112, de 12-06-2006, proferido no processo n.º 7507/2006-6 (especialmente detalhado), de 08-03-2007, proferido no processo n.º 1436/2007-8, e do Tribunal da Relação de Évora de 28-06-2005, proferido no processo n.º 1163/05-2.
Questão que se tem colocado é a de saber se o despacho que aprecie a negligência das partes e declare a interrupção da instância tem carácter constitutivo ou meramente declarativo. Há que distinguir, quanto a este problema, duas questões distintas, que, à primeira vista podem confundir-se: se a interrupção da instância necessita de ser declarada por despacho do juiz; e se a deserção da instância necessita de ser declarada por despacho do juiz.
A jurisprudência tem entendido que a interrupção da instância deve ser declarada por despacho (ainda que este não tenha natureza constitutiva, ou seja, limita-se a declarar a interrupção mas não marca o início do prazo desta, para efeitos de deserção), e que a deserção opera por mero decurso do prazo previsto no artigo 291.º do CPC - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 15-06-2004, proferido no processo n.º 04A1992, de 13-05-2003, proferido no processo n.º 03A584 (trata apenas da vertente da interrupção), de 29-04-2003, proferido no processo n.º 03A955 (idem), do Tribunal da Relação do Porto de 12-12-2006, proferido no processo n.º 0625685, de 01-06-2006, proferido no processo n.º 0633112, de 02-05-2005, proferido no processo n.º 0552005 (trata apenas da vertente da interrupção), do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-4-2003, in CJ, II, pág. 119, de 12-06-2006, proferido no processo n.º 7507/2006-6, de 17-05-2007, proferido no processo n.º 3912/2007-6, de 07-11-2006, proferido no processo n.º 8568/2006-7, de 17-10-2006, proferido no processo n.º 5238/2006-7, de 14-09-2006, proferido no processo n.º 5447/2006-2, de 22-06-2006, proferido no processo n.º 3890/2006-8, de 28-06-2005, proferido no processo n.º 5822/2005-7, do Tribunal da Relação de Coimbra de 03-07-2007, proferido no processo n.º 918/2002.C1, e de 03-10-2006, proferido no processo n.º 404/2000.C1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-05-2006, proferido no processo n.º 746/06-2, e do Tribunal da Relação de Évora de 23-02-2006, proferido no processo n.º 1312/05-3, e de 28-06-2005, proferido no processo n.º 1163/05-2.
No entanto, ainda que opere por mero decurso do prazo, tem-se entendido que a deserção da instância deve ser declarada no despacho que declare extinta a instância (embora este não tenha natureza constitutiva) - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 16-10-2003, proferido no processo n.º 03B2796, ("A obrigatoriedade de despacho a declarar a deserção e consequente extinção da instância não pretende significar que só a partir dele se produzem os efeitos da deserção; tal obrigatoriedade é, antes, o resultado da necessidade do controlo judicial de um fenómeno capital da vida (morte) do processo"), de 31-01-2007, proferido no processo n.º 06B3632, e de 17-06-2004, proferido no processo n.º 04B1472, do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-12-2006, proferido no processo n.º 7356/2006-7.
Também se discute se a insuficiência de bens penhoráveis pode conduzir à interrupção da instância. Para não alongar mais esta nota, cfr., sobre esta matéria,
este post, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-05-2007, proferido no processo n.º 4141/2007-6, e em particular, os comentários a esse texto.


4)
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-11-2007, proferido no processo n.º 8781/2007-7:
"No caso de resolução do contrato de arrendamento por comunicação à contraparte, que a lei consente designadamente no caso de mora superior a três meses no pagamento de renda (artigo 1083.º/3 do Código Civil) o título executivo que serve de base à execução para entrega de coisa certa é integrado pelo contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1084.º do Código Civil( artigo 15.º/1, alínea f) da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro).
Não é admissível, na falta de contrato de arrendamento, a sua substituição por fotocópia da declaração de prédio urbano total ou parcialmente arrendado com base em declaração dirigida à entidade tributária, ou seja, o escrito que consubstancia o contrato de arrendamento é necessário para que estejamos perante título executivo que habilite o senhorio a requerer o despejo coercivo sem necessidade de previamente obter sentença condenatória."


Nota - Subscrevo a posição constante deste acórdão.
Para efeitos da sua apreciação enquanto título executivo, o contrato de arrendamento não pode ser substituído por uma declaração do arrendamento à administração tributária.
Como se escreve na decisão anotada,
"quanto à força probatória da fotocópia de Declaração de Prédio Urbano Total ou Parcialmente Arrendado, o que a agravante ou um seu antecessor tenha declarado ao fisco (e que este se limitou a aceitar sem qualquer intervenção confirmatória) não passa disso mesmo, uma declaração sua a terceiro, que não tem o condão de, por si só, fazer prova do que é declarado pela própria agravante.
Mas, independentemente da força probatória da citada declaração, a letra da lei não permite uma interpretação de modo a que onde o legislador exige o contrato de arrendamento se possa entender que se trata da prova do contrato de arrendamento por qualquer meio.
E se o argumento literal da interpretação parece obstar, desde logo, à interpretação defendida pela agravante, certo é, também, que não vislumbramos qualquer outro argumento de interpretação a seu favor.
De facto, a nossa tradição jurídica quanto à prova do contrato de arrendamento urbano para habitação e em ordem à protecção do contraente débil, o arrendatário, desde o Dec. Lei n.º 188/76 de 12 de Março, tem sido a de que apenas o arrendatário pode fazer essa prova por qualquer meio, desde que não haja invocado a nulidade por inobservância de forma escrita (art.º 1.º desse diploma), de que a inobservância de forma escrita só pode ser suprida pela apresentação do recibo de renda e, logo, pelo arrendatário (art.º 7.º, n.º 3 do R. A. U), não admitindo que o senhorio faça prova do contrato de arrendamento por qualquer outro meio que não seja a apresentação do respectivo escrito.
E é no seguimento dessa tradição que se deve interpretar o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 15° da Lei 2006/06 que atribui a natureza de título executivo à comunicação do senhorio para aumento (art.º 37.º, n.º 5) ou aplicação de nova renda (art.º 43.º, n.º 5) acompanhada de declaração de denúncia do arrendamento pelo arrendatário.
Por uma questão de coerência do sistema, se o arrendatário denunciou o contrato de arrendamento em resposta a declaração de aumento de renda ou a aplicação de nova renda, bastará ao senhorio, para obter a entrega do arrendado a apresentação de tais declarações sem ter de apresentar o escrito que corporiza o contrato.
Tendo presente o necessário equilíbrio entre celeridade e segurança na definição de título executivo a que acima nos referimos, o legislador entendeu que para a situação a que se reporta a al. f) os dois documentos nela referidos têm força executiva, sem que isso signifique admitir a prova do contrato de arrendamento por qualquer meio.
Para a situação prevista na al. e) que ora nos ocupa, o escrito que consubstancia o contrato de arrendamento é necessário para que estejamos perante título executivo que habilite o senhorio a requerer o despejo coercivo, sem necessidade de previamente obter sentença condenatória.
Não tendo apresentado o escrito que consubstancia o contrato de arrendamento não podia o requerimento executivo deixar de ser liminarmente indeferido, como foi."

Não conheço outra decisão sobre esta matéria. No entanto, chamo a atenção para o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 17-05-2007, proferido no processo n.º 1657/2007-2, no qual se entendeu, já à luz do NRAU, que, à semelhança do que vigorava no RAU, "se o senhorio exigir o pagamento da renda actualizada no caso de o locado não ter licença de utilização ou de habitação e recusar-se a receber do locatário o valor da renda pelo valor inicial, o senhorio entra em mora" e "não pode decretar-se o despejo imediato, por falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da acção de despejo, quando nesta está ainda em discussão saber se o locatário tinha ou não a obrigação de pagar as rendas indicadas pelo autor ao fundamentar a causa".

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sexta-feira, dezembro 14, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa (parte 1 de 3)

1) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2007, proferido no processo n.º 5399/2007-6:
"O art. 1014.º do CPC regula o objecto da acção especial da prestação de contas.
O direito substantivo define a atribuição do dever da prestação de contas.
Em termos gerais, quem administra bens ou direitos alheios está obrigado à prestação de contas.
O tesoureiro, enquanto membro da Direcção de pessoa colectiva, não tem o dever da prestação de contas, com o alcance emprestado pelo art. 1014.º do CPC."

Nota - É interessante seguir o fio racional do acórdão. Importará, talvez, atentar na fundamentação da decisão, já que não conheço outra sobre matéria propriamente semelhante. Ali se escreve: "o apelado integrou a Direcção do apelante, incumbindo-lhe nesse âmbito o desempenho das funções de tesoureiro. Todavia, enquanto membro desse órgão social, o apelado actua e exprime a vontade própria da respectiva pessoa colectiva. Actua, assim, em sua representação, a quem são imputáveis os respectivos actos.
Neste contexto, facilmente se depreende que o apelado, ao administrar como tesoureiro da Direcção o património do apelante, não está a administrar bens alheios, mas bens próprios da pessoa colectiva, cuja legitimidade lhe advém da qualidade de membro da respectiva Direcção. Os actos praticados nesse âmbito, pelo apelado, não são actos próprios deste, mas antes da pessoa colectiva.
Torna-se, assim, claro que, excluída a configuração da situação de administração de bens alheios, não há fundamento para a aplicação do princípio geral da obrigação da prestação de contas, com o alcance conferido pelo disposto no art. 1014.º do CPC.
Nestas condições, não faria sentido qualquer apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas, assim como a eventual condenação no pagamento do saldo que viesse a apurar-se.
Certamente, embora com um sentido muito mais amplo da prestação de contas, que ultrapassa o consagrado no art. 1014.º do CPC, o apelado não deixa de ter o dever societário de prestar contas aos restantes membros da Direcção, até para esta poder, designadamente, cumprir a obrigação estatutária de apresentação das contas, com submissão à aprovação do órgão social competente.
Aliás, como resulta da materialidade apurada nos autos, as contas do apelante, relativas aos exercícios de 1995 e 1996 (espaço temporal da pretensão jurisdicional), foram até apresentadas pela Direcção à respectiva Assembleia-Geral (8.).
Concluindo, afirma-se que o apelado, enquanto membro da Direcção do apelante, com a distribuição das funções de tesoureiro, não tem o dever da prestação de contas, com o alcance que lhe empresta o art. 1014.º do CPC.
A falta de exigência legal desse dever - importa deixar claro - não obsta, obviamente, à efectivação da eventual responsabilidade civil imputável ao respectivo tesoureiro, emergente do alegado “desvio de fundos”, desde que, evidentemente, se verifiquem os correspondentes pressupostos legais."
Para hipóteses próximas - mas não análogas - cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-09-1995, proferido no processo n.º 087452, do Tribunal da Relação do Porto de 08-07-2004, proferido no processo n.º 0423549, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-07-2004, proferido no processo n.º 3625/2004-1.



2) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2007, proferido no processo n.º 9716/2007-6:
"O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre, necessariamente, sob o controlo do juiz.
Actualmente, o exequente tem apenas o ónus de indicar, no requerimento executivo, sempre que possível, os bens de que o executado é titular.
Cabe ao solicitador de execução a realização da penhora, designadamente a determinação dos bens a apreender, embora com respeito pelas normas constantes dos arts. 821.º, n.º 3, e 834.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
O exercício funcional do solicitador de execução está balizado tanto pelo fim da execução, como pela forma seguida para o atingir, em garantia da tutela jurisdicional eficiente do direito do credor.
Por efeito do disposto, designadamente, no art. 833.º, n.º 4, do CPC, o juiz deve determinar, incluindo a solicitação do exequente, a penhora de certos bens, indicados no requerimento executivo, e também advertir o solicitador de execução, quando se justifique, para o cumprimento célere e eficaz do respectivo dever processual."

Nota - Neste caso curioso, o exequente havia nomeado um conjunto de bens à penhora. O solicitador de execução aguardava pelo resultado de algumas diligências, mas o exequente entendia que nada obstava a que se procedesse, desde logo, à penhora do recheio de um imóvel. Assim o requereu ao juiz. Este, indeferiu o requerido, entendendo que a penhora competia ao solicitador de execução, não tendo o exequente pretensão atendível no que toca à determinação da melhor forma de concretização da penhora, tendo-se concluído, na decisão anotada, que "não só o Juiz deveria ter deferido o requerimento do recorrente (com indicação genérica dos bens a penhorar), com o fundamento, designadamente, do disposto no art. 833.º, n.º 4, do CPC, sendo certo que, apesar do largo lapso de tempo entretanto decorrido, ainda não tinham sido encontrados bens penhoráveis, como também, no âmbito do controlo jurisdicional dos actos do solicitador de execução, o deveria ter advertido, seriamente, para o cumprimento cuidadoso e eficiente do seu dever processual.
Com efeito, do exame dos autos, é notório que o solicitador de execução se desinteressou, indevidamente como se viu, da indicação dos bens à penhora, feita desde logo no requerimento executivo, com a agravante de nada ter sido ainda penhorado, não obstante o largo lapso de tempo decorrido, quando a aceitação da respectiva função ocorreu em 6 de Fevereiro de 2005 e a acção foi instaurada em 23 de Janeiro de 2004. Uma tal situação não pode, de modo algum, ser tolerada.
Desta forma, na acção executiva donde emerge o presente recurso, a tutela do direito de crédito do recorrente foi, manifestamente, esquecida, com a frustração total dos justos objectivos traçados pelo legislador para a acção executiva, que, reiterando, visou “conseguir maior eficácia e consequente celeridade na administração da justiça” (extracto do preâmbulo do DL n.º 38/2003, de 8 de Março)."
Decisão esta, a meu ver, que reflecte acertadamente sobre o papel do exequente na acção executiva, entendendo-se que o solicitador de execução deve
"começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do n.º 1 do artigo 834.º do CPC" - Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra: Almedinam 2004, pág. 66, citado na decisão, tendo-se também decidido que "não pode a acção executiva “marginalizar” a intervenção do exequente como se, em relação ao seu objecto, se tratasse de pessoa alheia ou estranha, quando também é reconhecido, como já se aludiu, que o solicitador de execução actua por conta do exequente, como se fosse seu “mandatário”".
Gasto algumas linhas de texto nesta - aqui pouco habitual - transcrição da fundamentação, por me parecer especialmente interessante o problema por ela levantado.
Não conheço muitas decisões que se debrucem especificamente sobre este problema - circunstância a que não será alheia a relativa novidade do actual regime da acção executiva, nesta parte, e a lentidão da sua tramitação, habitualmente -, mas existe uma outra, também do Tribunal da Relação de Lisboa, que trata de um problema aproximado (mas não idêntico), em termos não inteiramente coincidentes. Aliás, por coincidência, o relator da decisão anotada formula ali uma declaração de voto no sentido de se manter fiel à linha traçada no acórdão que relatou - cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 8277/2007-6, a que aqui se fará referência de seguida.



3) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 8277/2007-6:
"No novo regime executivo abandonou-se a tradicional exigência de nomeação de bens à penhora, por parte do exequente, que agora só deve, "sempre que possível" indicar os bens do executado, bem como os ónus e encargos que sobre os mesmos incidam (art. 810º n° 3 CPC).
Esta indicação só é dada na medida do possível e não vincula o agente de execução a penhorar os bens indicados, tendo a liberdade de, em vez deles, penhorar outros (art. 821 n° 3, 834 CPC), podendo o agente de execução proceder a consulta não só do registo informático de execução, como das bases de dados da segurança social, das conservatórias do registo e de outros registos ou arquivos semelhantes (artigos 332° n° 2 e 833° n°1 CPC) e devendo começar pela penhora dos "bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostre adequado ao montante do crédito do exequente" (art. 834° n° 1 do CPC).
Sempre o juiz da execução tem um poder que se pode sobrepor à escolha do agente de execução, desde que razões fundadas aconselhem um afastamento da conduta-padrão desenhada pelo legislador como regime regra."

Nota - A decisão contou com uma declaração de voto (veja-se a nota ao acórdão anterior, em particular o seu último parágrafo).


4) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 9503/2007-6:
"O princípio da extinção do poder jurisdicional, que assegura a estabilidade da decisão jurisdicional, comporta certos desvios.
Proferido despacho a declarar extinta a instância, o juiz está ainda obrigado a conhecer do requerimento no qual, tacitamente, se invoca o cometimento de uma nulidade processual, que, sendo procedente, implicará a anulação do despacho, nos termos do n.º 2 do art. 201.º do CPC."

Nota - Parece ser esta a melhor solução a seguir, caso a arguição da nulidade seja tempestiva.
No sentido segundo o qual enquanto não se aprecia a nulidade não ocorre trânsito em julgado, cfr. Lebre de Freitas / Montalvão Machado / Rui Pinto,
Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pág. 664 e s., e jurisprudência aí citada (chamando os autores a atenção para a circunstância de a jurisprudência não ser unânime, neste ponto).


5) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 7646/2007-8:
"O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores garante, nos termos da lei face ao incumprimento, não apenas as prestações vincendas após notificação do Tribunal mas ainda as prestações vencidas, não se mostrando afastada a regra constante do artigo 2006.º do Código Civil nem pela Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro nem pelo Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio."

Nota - Sobre a matéria citada existem três correntes jurisprudenciais diferentes - cfr. este post anterior e ainda este outro, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 4961/2007-8, bem como a jurisprudência citada nos ditos textos, e ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-07-2007, proferido no processo n.º 5455/2007-6.


6) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2007, proferido no processo n.º 7587/2007-8:
"Com a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, a competência territorial para as acções destinadas ao cumprimento de obrigações passou a pertencer imperativamente ao tribunal da COMARCA do réu sendo a incompetência relativa de conhecimento oficioso.
Foi igualmente vedada a possibilidade de as partes afastarem, por convenção, as regras de competência territorial nesses casos, por força do disposto no nº1 do artigo 100º do C.P.C.
Através da Lei n.º 14/2006 visou o legislador um triplo objectivo: o descongestionamento dos tribunais, a racionalização dos meios e custos envolvidos e a salvaguarda e tutela dos consumidores endividados, estabelecendo uma proximidade territorial em benefício claro da defesa dos direitos destes.
Defender a vigência do artigo 21.º do Decreto-lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, para as acções de resolução do contrato (seja de compra e venda, seja de mútuo) seria contrariar os citados objectivos fundamentais do legislador, impedindo os resultados projectados
O artigo 212.º do Decreto-lei n.º 54/75 foi tacitamente revogado pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril."

Nota - A questão aqui apreciada não é pacífica na jurisprudência (e, aliás, o acórdão em análise não foi tirado por unanimidade, reflectindo assim essa divisão), como tenho vindo a assinalar. Aproveito para actualizar as notas anteriores.
A decisão anotada diverge de outras já analisadas neste blog, designadamente os acórdãos do mesmo tribunal de 15-02-2007, proferido no processo n.º 1180/2007-8, e de 06-03-2007, proferido no processo n.º 7958/2006-1, (cfr., respectivamente, aqui e aqui), mas está em linha com os acórdãos da mesma Relação de 22-03-2007, proferido no processo n.º 1935/2007-8 (anotado aqui), de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4386/2007-7 (referido no ponto "2)" deste post), de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4117/2007-7 (referido no ponto "1)" deste post), e de 12-07-2007, proferido no processo n.º 6140/2007-7 , e ainda com a decisão individual do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 16-07-2007, proferida no processo n.º 6604/2007-7 (referidos neste post).
São estas as nove decisões que conheço sobre a matéria em causa (como também já referi, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-09-2006, proferido no processo n.º 6952/2006-8, embora, à primeira vista, trate de questão semelhante, ocupa-se de outra: a inaplicabilidade do regime do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12/02 ao mutuante que tem a seu favor inscrita registo de reserva de propriedade de veículo automóvel).
Embora a argumentação que se encontra nos acórdãos que seguem a linha das decisões anotadas seja interessante, não me convence ao ponto de considerar que o legislador pretendeu revogar a lei especial, continuando, pois, na linha dos outros dois acórdãos, convencido da vigência do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 54/75 de 12/02, que não terá sido revogado pela Lei n.º 14/2006 (ou seja, entendo que a revogação da lei geral não implica a revogação da lei especial, por entender que não há motivos evidentes para concluir que foi outra a vontade do legislador).
Mantenho, por isso, alguma dúvida, quanto a esta matéria. A propósito, note-se o relator do citado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-05-2007, proferido no processo n.º 4386/2007-7 (desembargador Abrantes Geraldes) alterou ali a posição anteriormente assumida, enquanto adjunto, em acórdão anterior (não publicado), espelhando assim, de certo modo, as dificuldades de interpretação dos preceitos em causa.

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quinta-feira, dezembro 13, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

1) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-12-2007, proferido no processo n.º 0754302:
"A oposição a execução não é equiparável à petição inicial de acção declarativa no que toca ao prévio pagamento da taxa de justiça devida.
À junção do documento comprovativo de tal pagamento são aplicáveis as regras da contestação: dispõe ainda do prazo de dez dias para o fazer (não o tendo feito com o articulado) e se não o fizer, será notificado para o efeito, no prazo de dias e com o aumento da multa respectiva
."


Nota - A corrente jurisprudencial em que se insere esta decisão tem vindo a ser acompanhada aqui no blog.
Encontra-se uma posição semelhante no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 12-07-2007, proferido no processo n.º 4953/2007-8 ("Numa oposição deduzida a uma execução, tendo o oponente junto no prazo legal o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial, mas por valor inferior ao devido, não tendo o requerimento de oposição sido rejeitado pela secretaria, não pode o juiz ordenar o seu desentranhamento sem dar ao oponente a possibilidade de pagar as quantias em falta, devendo este ser notificado para efectuar o seu pagamento no prazo de dez dias, com a sanção referida no nº 3 do artigo 486º-A do CPC"). Ou seja, parte-se do princípio da equiparação do dito articulado à petição inicial (tal como a jurisprudência já vinha, de forma constante, afirmando, quanto aos embargos de executado no regime anterior - cfr os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 09-10-2006, proferido no processo n.º 0654628, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-11-1991, proferido no processo n.º 0034371, e de 17-12-1991, proferido no processo n.º 0049961), na linha, por exemplo, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-02-2007, proferido no processo n.º 0730569. Isto conduziria, em princípio, a aplicar à oposição à execução o disposto nos artigos 467º, nº 3 e 474º, f) do CPC. No entanto (e é aqui que a argumentação do acórdão de 12-07-2007 se torna especialmente interessante), considerou-se que, no que toca a custas, não deveria ser assim. Citando a fundamentação, "bem se compreende que a secretaria recuse o recebimento da petição inicial nos casos em que não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou do pedido de apoio judiciário nos termos da alínea f) do artigo 474º. É que tem então o autor a possibilidade de apresentar nova petição nos termos do artigo 476º, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo. Faculta-se, assim, ao autor um prazo de dez dias para apresentar nova petição, com o documento em falta, ou, se for acaso disso, juntar apenas este documento em igual prazo. Mas esta regra não poderia ser aplicada à oposição, pois tal significaria conceder-se ao oponente (o infractor) um novo prazo de dez para deduzir oposição. A PI, sendo o primeiro articulado, com o qual se inicia a instancia, deverá merecer um tratamento diferenciado, o que já não sucede com a oposição". Assim sendo, entende-se, na decisão, fazer mais sentido, no que toca a custas, aplicar ao dito articulado o regime da contestação, constante do artigo 486.º-A do CPC, do qual decorre a solução constante do sumário acima transcrito. Esta solução de equiparação da oposição à contestação apenas para o dito efeito não é inédita na jurisprudência, encontrando-se, por exemplo, nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 16-04-2007, proferido no processo n.º 0750244, do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-11-2006, proferido no processo n.º 6366/2006-2 (considerando este entendimento "admissível"), e do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-03-2007, proferido no processo n.º 2564/06-2. O acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-10-2006, proferido no processo n.º 0654628, manteve-se, nesta matéria, pela equiparação da oposição à petição inicial, embora ali se tenha afirmado "que não repugnava, para efeitos de pagamento de taxa de justiça, equiparar o opoente antes ao R.. As razões que levaram a fixar um regime diferente para o R., nesta matéria, parece valerem igualmente para o opoente à execução".
Independentemente da via de fundamentação escolhida, a jurisprudência tem convergido no entendimento segundo o qual a omissão do pagamento não conduz imediatamente ao desentranhamento do articulado, mesmo quando considera aplicáveis à oposição à execução, em toda a linha, as regras da petição inicial - cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa
de 16-11-2006, proferido no processo n.º 6366/2006-2 e de 30-10-2007, proferido no processo n.º 5488/2007-1. Sobre a omissão do pagamento da taxa de justiça na petição inicial, cfr. a anotação que deixei aqui ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-09-2007, proferido no processo n.º 0734321, bem como a jurisprudência ali citada, bem como o acórdão da mesma Relação de 18-09-2007, proferido no processo n.º 0722858, e ainda (embora em hipótese ligeiramente diversa), o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1189/2007-7.


2)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-12-2007, proferido no processo n.º 0753563: "Resolvido o contrato de aluguer de veículo de longa duração, são requisitos da providência cautelar subsequente para entrega da viatura os seguintes: a resolução do contrato e a não entrega do bem objecto do contrato de locação. O fundado receio de lesão dificilmente reparável a que alude o n.º 1 do art. 381.º do CPC não é aqui exigível."

Nota - Quanto à necessidade de prova do justo receio, nos procedimentos cautelares a que se refere o Decreto-Lei n.º 149/95 (apreensão do veículo nos contratos de locação financeira), matéria sobre a qual a jurisprudência não tem mantido um rumo uniforme, podem ler-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 01-07-1999, proferido no processo n.º 99B528, do Tribunal da Relação do Porto de 19-04-2007, proferido no processo n.º 0731622, de 11-11-2004, proferido no processo n.º 0434300, de 06-05-2004, proferido no processo n.º 0432352 (com um voto de vencido), de 30-09-2003, in CJ, tomo IV, pág. 177, de 10-02-2004, proferido no processo n.º 0420181, do Tribunal da Relação de Évora de 08-03-2007, proferido no processo n.º 109/07-2, do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-11-2002, in CJ , tomo V, pág. 65, de 04-07-2006, proferido no processo n.º 5235/06-2, de 03-02-2005, proferido no processo n.º 475/2005-6 (analisando também, ou melhor, principalmente, a relação entre esta apreensão e a penhora), de 11-11-2004, proferido no processo n.º 8854/2004-6, de 30-03-2004, proferido no processo n.º 10813/2003-7 (com um voto de vencido), de 06-11-2003, proferido no processo n.º 7353/2003-6, de 11-07-1996, proferido no processo n.º 0004831, de 11-07-1996, proferido no processo n.º 0005741, de 18-06-1996, proferido no processo n.º 0000871, e de 23-04-1996, proferido no processo n.º 0000391.
A propósito, discute-se se será de aplicar aos procedimentos cautelares a que se refere o Decreto-Lei n.º 149/95 a regra da caducidade da providência por força do trânsito em julgado da sentença em primeira instância. No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 18-09-2007, proferido no processo n.º 6370/2007-7, admitiu-se o prosseguimento do procedimento cautelar. Implicitamente, também assim se entendeu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-03-2007, proferido no processo n.º 1687/2007-2, aí, porém, com um voto de vencido.
Sobre qual o tribunal competente para conhecer o pedido da providência prevista no Decreto-Lei n.º 149/95, cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa
de 24-05-2007, proferido no processo n.º 2653/2007-8, e de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1182/2007-7.
Note-se que, face à redacção do artigo 110.º do CPC dada pela Lei n.º 14/2006, os pactos de desaforamento, em casos como o deste processo, já não são válidos - daí que a jurisprudência mais antiga a este respeito, como, por exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
de 29-06-2000, proferido no processo n.º 0053208, tenha que ser lida com cautela, pois a sua conclusão não seria, hoje, válida. A polémica sobre este problema conheceu o seu fim com o recente acórdão uniformizador de jurisprudência de 18-10-2007, proferido no processo n.º 07B2775, onde se fixou tal entendimento. No Supremo, esta questão havia sido tratada, antes do acórdão uniformizador, no mesmo sentido, no acórdão de 24-05-2007, proferido no agravo n.º 1372/07, da 2.ª secção (v. aqui). Tal entendimento, no que respeita à invalidade superveniente dos pactos, não mereceu a censura do Tribunal Constitucional, que analisou o problema nos acórdãos números 691/2006, 41/2007, 53/2007, 60/2007 e 84/2007.Para mais desenvolvimentos sobre a divisão da jurisprudência antes do acórdão uniformizador, cfr. a nota que a ele deixei aqui.


3)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-11-2007, proferido no processo n.º 0716286:
"Um juízo de competência especializada criminal é incompetente, em razão da matéria, para julgar uma acção de honorários relativa a serviços prestado por advogado no âmbito de um processo de natureza criminal que por ali correu termos."

Nota - Contra a decisão anotada, tenho entendido, sem prejuízo de algumas dúvidas, que a norma do artigo 76.º do CPC tem uma abrangência que ultrapassa a mera função de determinação da competência em razão do território, apesar da sua localização sistemática, e liga umbilicalmente a acção de honorários ao tribunal onde correu o processo.
Daí que, em oposição à decisão anotada, deferiria competência ao juízo de competência especializada criminal, em termos próximos aos decididos nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães
de 12-05-2007, proferido no processo n.º 229/06-1 (e demais jurisprudência aí citada), e do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-04-1998, proferido no processo n.º 0073843.

Defendo, pois, embora com algumas dúvidas, que não releva aqui a incompetência em razão da matéria, precludida pela força de atracção do artigo 76.º do CPC (desde que se trate, ainda, de competência dentro da ordem dos tribunais judiciais). É que a aplicação desta norma apenas nos limites da competência territorial pode conduzir a resultados absurdos (considerarem-se competentes, por exemplo, os juízos cíveis do Porto para o julgamento de uma acção de honorários respeitante aos serviços prestados numa acção que correu os seus termos nas varas criminais do Porto, estando o advogado domiciliado em Lisboa e o cliente em Coimbra, só porque territorialmente se trata da mesma comarca), para além de que a simples aplicação da norma no plano territorial não parece respeitar a letra do preceito, que se refere ao "mesmo tribunal" e não ao "tribunal de um lugar", como acontece com os artigos 73.º, 74.º, e 75.º, por exemplo.
No sentido da decisão anotada, podem ler-se, porém, também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2000, in BMJ n.º 499, pág, 236, e do Tribunal da Relação do Porto
de 06-06-2005, proferido no processo n.º 0456359.


4)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-11-2007, proferido no processo n.º 0755511:
"Para que em recurso se pretenda beneficiar do alargamento do prazo normal das alegações ter-se-à de impugnar a matéria de facto.
Tal intenção não tem de constar do requerimento de recurso, podendo ser feita de forma expressa ou tácita, mas inequívoca, efectuada antes do decurso do prazo regra para alegações
."


Nota - O acórdão segue a linha, que considero correcta, de um outro, do Supremo Tribunal de Justiça
de 08-07-2003, proferido no processo n.º 03B1917, onde se escreveu: "O apelante não tem que manifestar a sua intenção de impugnar a matéria de facto da sentença de que recorre, com a reapreciação da prova gravada, no requerimento de interposição do recurso. Tal manifestação, expressa ou tácita, mas inequívoca, pode ser efectuada em qualquer momento, antes naturalmente de ter decorrido o prazo regra para apresentação das alegações previsto no nº. 2 do artº. 689º do C.Proc.Civil. Serve como manifestação da intenção de impugnar a matéria de facto, designadamente para que goze do prazo adicional de 10 dias para alegar, nos termos do nº. 6 daquele artº. 689º, o requerimento em que, ainda antes de proferida a sentença de que vai recorrer, o recorrente pede que lhe seja fornecida cópia das gravações realizadas em audiência de julgamento."


5)
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-11-2007, proferido no processo n.º 0755601:
"Quer a C………., S. A., quer a D………. são sociedades, sendo a primeira uma empresa pública em sentido restrito, que devem ser demandadas nos tribunais comuns e não nos tribunais administrativos.
Em termos actuais compete a estes o julgamento das questões que tenham por objecto:
- a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão pública;
- a responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público pelos danos decorrentes da sua actividade de gestão privada;
- relativas à responsabilidade civil extracontratual pelos danos resultantes do exercício da função jurisdicional e legislativa
."


Nota - Terá, por certo, interesse transcrever uma parte da obra
Grandes Linhas da Reforma do Contencioso Administrativo, de Diogo Freitas do Amaral e Mário Aroso de Almeida (Coimbra: Almedina, 2007 - reimpressão da 3.ª edição), onde se escreve, a págs. 34 (a transcrição é feita a partir da fundamentação da decisão): "nas propostas de lei que o Governo apresentou à Assembleia da República, foi assumido o propósito de pôr termo a essas dificuldades, consagrando um critério claro e objectivo de delimitação nestes dois domínios. A exemplo do que, como vimos, acabou por suceder em matéria ambiental, o critério em que as propostas se basearam foi o critério objectivo da natureza da entidade demandada: sempre que o litígio envolvesse uma entidade pública, por lhe ser imputável o facto gerador do dano ou por ela ser uma das partes no contrato, esse litígio deveria ser submetido à apreciação dos tribunais administrativos. Propunha-se, assim, que a jurisdição administrativa passasse a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvessem pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado...Em defesa desta posição sustentava-se na Exposição de Motivos do ETAF que, se a Constituição faz assentar a definição do âmbito da jurisdição administrativa num critério substantivo, centrado no conceito de “relações jurídicas administrativas e fiscais”, a verdade é que ela “não erige esse critério num dogma” porquanto “não estabelece uma reserva material absoluta”. Por conseguinte, “a existência de um modelo típico e de um núcleo próprio da jurisdição administrativa e fiscal não é incompatível com uma certa liberdade de conformação do legislador, justificada por razões de ordem prática, pelo menos quando estejam em causa domínios de fronteira, tantas vezes de complexa resolução, entre o direito público e o direito privado”...O art.4º do ETAF só veio a consagrar, no essencial, estas propostas no domínio da responsabilidade civil extracontratual. Já não no que toca aos litígios emergentes de relações contratuais...".
A posição segundo a qual a qualificação de um acto como de gestão privada ou de gestão pública releva só por si para a determinação da (in)competência dos tribunais administrativos tem vindo a ser rejeitada pela jurisprudência mais recente - cfr. os acórdãos
do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2007, proferido no processo n.º 07A1004 (referido já aqui), de 12-02-2007, proferido no processo n.º 07B238 (referido já aqui), do Tribunal de Conflitos de 26-10-2006, proferido no processo n.º 018/06 (referido já aqui), e do Tribunal da Relação do Porto de 12-10-2006, proferido no processo n.º 0634770.

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