sábado, março 31, 2007

Aos meus alunos * Modalidades de defesa

Aqui ficam as decisões judiciais que inspiraram alguns dos casos práticos analisados na aula prática de ontem, para que possam comparar a argumentação do acórdão com os apontamentos das aulas.

1) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-10-2002, proferido no processo n.º 02B2622:
"Constitui defesa por excepção a alegação da ré de que ficara combinado entre as partes que a quantia emprestada seria devolvida apenas e na medida em que ela pudesse.
Se o autor não replica relativamente aos factos alegados em excepção têm-se estes por confessados.
A nulidade do negócio acarreta necessariamente a irrelevância da cláusula cum potuerit alegada em excepção e tacitamente confessada pelo autor".

Nota - Não deixem de atentar, no entanto, quanto a este caso, no facto de o artigo 778.º, n.º 1 do Código Civil tratar a referida hipótese como inexigibilidade (a possibilidade de pagamento funciona como se de uma condição suspensiva se tratasse), o que faz apelo ao disposto no artigo 673.º do CPC (em caso de inexigibilidade, é proferida uma decisão de mérito, mas, excepcionalmente, o pedido poderá renovar-se). Neste caso, a excepção é material (pelo que se aproxima das peremptórias), mas não impede a repetição do pedido (no que se assemelha às dilatórias). A classificação das excepções como materiais ou processuais afastaria mais facilmente a dúvida.



2) Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-03-1992, proferido no processo n.º 9120391:
"Na contestação de acção declarativa o Réu não é obrigado a qualificar os factos que alega como de excepção para que como tal sejam considerados pelo juiz.
Tendo o R., em acção em que é pedida a sua condenação no pagamento de plantas fornecidas pelo A., oposto que as flores produzidas pelas plantas saíram de cor diversa das pretendidas e acordadas entre vendedor e comprador, defende-se com a excepção do cumprimento defeituoso pela outra parte.
A falta de resposta à contestação onde se contém tal factualidade integradora de excepção dessas implica que a mesma factualidade se considere provada, a menos que a sua aceitação esteja em oposição com a facticidade vasada na petição inicial, o que deve ter-se por verificado se nesta o A. tiver alegado que o R. não apresentara qualquer reclamação sobre as plantas vendidas".

Nota - Serviu esta hipótese para ilustrar que, apesar de, formalmente, a ausência de réplica determinar a admissão dos factos que integram a excepção invocada na contestação, uma compreensão mais equilibrada levará a concluir que não devem considerar-se admitidos factos incompatíveis com a versão dos factos constante da petição inicial e que a réplica apenas reproduziria novamente, sem qualquer inovação.
A prudência prática recomenda, porém, que, em face da invocação de excepções pelo réu, o autor apresente a réplica, para evitar interpretações literais dos preceitos.


3) Em terceiro lugar, foram analisadas várias decisões sobre a alegação de uma prescrição presuntiva, que deve ser cuidadosa, para evitar insucessos inesperados no tribunal, a saber:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-2003, proferido no processo n.º 03B3894:
"As alíneas a) e c) do artº 317º do C. Civil [no acórdão refere-se, por lapso, o artigo 312.º do CC] contemplam as chamadas presunções de curto prazo ou prescrições presuntivas.
Distinguem-se tais "prescrições presuntivas" das chamadas "prescrições verdadeiras", pois que enquanto nestas, mesmo que o devedor confesse que não pagou, não deixa por isso de funcionar a prescrição, naquelas se o devedor confessa que deve, mas não paga, é condenado na mesma maneira, não funcionado pois a prescrição mesmo que invocada.
A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo pode ser ilidida por confissão - judicial ou extrajudicial - do devedor originário - esta última só relevando quando for realizada por escrito (artº 313º, nº 2, do C. Civil).
Nas presunções deve distinguir-se entre o facto base da presunção e o facto presumido. A lei dispensa a parte que beneficia da presunção da prova do facto presumido - n° 1 do artº 350º do C. Civil. Mas não a dispensa da prova do facto que serve de base à presunção.
O devedor só poderá beneficiar da prescrição presuntiva se alegar que pagou, ou que, por qualquer outro motivo, a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo.
Devem ser considerados como admitidos por acordo, porque não especificadamente impugnados, os factos alegados pelo credor acerca da não satisfação atempada pelo Réu devedor dos créditos reclamados e das respectivas interpelações para cumprimento, sendo que a não impugnação especificada desses factos é, no fundo, tradutora da prática em juízo de "actos incompatíveis com a presunção de cumprimento" - ou seja a confissão tácita de que a dívida não foi paga (artº 490º, nº 2, do CPC)".

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-12-1993, in Colectânea de Jurisprudência, 1993, tomo V, pág. 240:
"I - Se a prescrição é extintiva, o devedor não necessita de alegar que nunca deveu ou que já pagou, bastando-lhe invocar o decurso do prazo. II - Mas, se a prescrição é apenas presuntiva (prescrição de curto prazo), o devedor só pode beneficiar dela desde que alegue que pagou, ou que por outro motivo a obrigação se extinguiu, não lhe bastando invocar o decurso do prazo. III - Na falta de impugnação especificada dos factos constitutivos da obrigação, entende-se que o demandado confessa tacitamente a dívida. IV - Pelo que, se a prescrição invocada é presuntiva, a acção procede logo no saneador".

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de de 01-06-1995, proferido no processo n.º 9530095: "I - A negação da dívida sujeita à prescrição de curto prazo presuntiva do pagamento prejudica a invocação desta prescrição.
II - O devedor de uma dívida dessas tão só pode socorrer-se de tal prescrição se alegar que pagou e que, em todo o caso, sempre tal se presumiria atenta a prescrição".

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de de 18-10-2001, proferido no processo n.º 0131354:
"A presunção de cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão judicial ou extrajudicial do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão.
Considera-se confessada a dívida se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
São exemplos de actos daquela natureza negar o devedor a existência da dívida, discutir o seu montante, invocar contra ela compensação ou remissão, invocar a gratuitidade dos serviços".

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de de 06-06-2006, proferido no processo n.º 1498/2006-7:
"Os créditos prestados no exercício de profissão liberal prescrevem no prazo de dois anos nos termos dos artigos 312.º e 317.º, alínea c) do Código Civil.
A prescrição é presuntiva o que significa que não basta ao devedor invocar a presunção, impondo-se-lhe ainda de alegar expressamente o pagamento para beneficiar da presunção.
Ainda que se defenda que a invocação da presunção traz implícita a alegação de pagamento, a partir do momento em que o A., na petição, alega expressamente que o réu reconheceu a dívida tendo sido instado a pagá-la, mas não o tendo feito, não impugnada esta efectiva alegação, o facto em causa não pode deixar de se considerar admitido por acordo (artigo 490.º,n.º2 do Código de Processo Civil), traduzindo confissão que é precisamente o meio que a lei reconhece idoneidade para afastar a prescrição presuntiva (artigos 313.º e 314.º do Código Civil)".

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sexta-feira, março 30, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 1795/05.0TBPMS-C1:
"Para que se decrete uma providência cautelar não especificada impõe-se a conjugação dos seguintes requisitos: - a probabilidade séria da existência do direito invocado; - que muito provavelmente esse direito – invocado – exista ou que venha a surgir em acção constitutiva já proposta ou a propor; - o fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na sua pendência, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito.
A probabilidade séria da existência do direito invocado basta-se com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária.
Em relação aos factos integradores do chamado “periculum in mora” o requerente tem que provar – não basta um mero juízo de verosimilhança – os danos que visa acautelar, sendo certo que se exige a prova da gravidade e da difícil reparação das consequências danosas da manutenção do “status quo”.
O que significa que apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis.
(...)"
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Nota - A afirmação de que "o requerente tem que provar – não basta um mero juízo de verosimilhança – os danos que visa acautelar" pode ser demasiado sugestiva. É usual encontrar na jurisprudência, com mais ou menos intensidade, uma distinção cortante entre a suficiência da prova da mera "aparência" do direito (fumus boni iuris) e a necessidade de demonstar a certeza, ou quase certeza, dos danos (cfr., por exemplo, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-06-1993, proferido no processo n.º 083931, de 15-04-1980, proferido no processo n.º 068730, também in BMJ 296, n.º 206). No entanto, estas expressões devem ler-se com cautelas, sempre sem prejuízo da natureza algo precária da produção e apreciação da prova no procedimento cautelar. Expressões como "certeza" "definitividade" do juízo probatório serão aqui demasiado fortes. Será mais equilibrado afirmar que, enquanto que a apreciação da titularidade do direito se basta com o fumus, a probabilidade de lesão deve ser objecto de uma prova mais convincente, sem prejuízo das limitações próprias do procedimento.
Para uma análise desta mesma questão, cfr. LEBRE DE FREITAS / A. MONTALVÃO MACHADO / RUI PINTO, Código de Processo Civil anotado, vol. 2.º, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, pp. 35/36.
A parte da fundamentação do acórdão que toca na relação substantiva é demasiado complexa para que a possa sintetizar aqui. No entanto, recomendo a sua leitura a quem se interessar pelo tema das providências cautelares nas relações decorrentes do contrato-promessa.


2)
Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 29/1997.C1:
"Transmitida a propriedade do locado, operou-se a correspondente translação da posição jurídica do locador, por efeito imperativo da lei, impondo-se a subentrada do adquirente na posição do locador, por força do direito de sequela, em consequência do princípio do «emptio non tollit locatum».
Com a citação do réu, independentemente das vicissitudes que possam vir a acontecer na titularidade do locado, sendo este propriedade dos autores, fixaram-se os elementos essenciais da causa, designadamente, no que se refere aos sujeitos, com as ressalvas previstas na lei, por força do princípio da estabilidade da instância, com a inerente limitação do objecto da acção e, consequentemente, do recurso.
Não sendo a acção de despejo uma acção real, porquanto através dela o autor não se propõe fazer valer o direito de propriedade sobre o prédio em cuja entrega está empenhado, mas antes uma acção de natureza pessoal, emergente de um contrato de arrendamento, não carece o senhorio de juntar documento que comprove a propriedade do prédio despejando.
Se os réus emigraram para a Alemanha, para conseguir melhores proventos do trabalho, onde vivem, há cerca de 30 anos, deslocando-se a Portugal, para passar as férias de Verão, e, por vezes, pelo Natal, deixaram de ter residência permanente no locado, de fazer uso do mesmo, não beneficiando da excepção que consagra a inaplicabilidade dessa causa de resolução, em virtude de o arrendatário se haver ausentado, por tempo superior a dois anos, em cumprimento de deveres profissionais por conta de outrem"
.

Nota - A natureza pessoal (não real) da acção de despejo encontra-se subjacente a outras decisões. Vejam-se, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 17-01-1989, proferido no processo n.º 076631 ("(...)a acção de despejo, ao contrario da acção de reivindicação, não pode classificar-se como acção real, ou seja destinada a fazer valer um direito real, pelo que as causas de pedir são diversas - facto juridico donde deriva o direito real, para a segunda e facto concreto invocado na outra afim de se obter a resolução contratual, na primeira(...)"), e de 28-05-2002, proferido no processo n.º 02A1294 ("à acção de despejo não interessa saber se o autor é o proprietário mas sim se é o senhorio - não é acção real").
O que pode acontecer - e é coisa diversa - é o autor configurar a acção como acção real, invocando o seu direito de propriedade para, por exemplo, pedir a reivindicação, apesar de ter celebrado com o réu um contrato de arrendamento. Tal pode acontecer porque o autor considera o contrato nulo ou inexistente (cfr., por coincidência, a hipótese constante da decisão seguinte), ou porque simplesmente opta por ignorá-lo, podendo o acordo ser invocado pelo réu por via de excepção. Para algumas hipóteses nesta linha, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 21-01-2003, proferido no processo n.º 02A1008 (não tem sumário), do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-11-2005, proferido no processo n.º 2385/05, e do Tribunal da Relação de Évora de 13-03-2004, proferido no processo n.º 2908/02-3.


3)
Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 938-H/2001.C1:
"Um contrato-promessa de arrendamento não caduca necessariamente com a declaração de falência, nomeadamente do outorgante locador.
Intentada a acção de reivindicação pela massa falida de uma sociedade, pode o Réu defender-se, nomeadamente, com a existência de um contrato-promessa de arrendamento.
Tal contrato pode resultar da conversão de um contrato de arrendamento para fins industriais nulo por falta de forma, desde que estejam preenchidos os requisitos que a lei faz depender para que se possa operar tal conversão.
A massa falida sucede, decretada que seja a falência, na relação jurídica existente que é presumivelmente a mesma que foi criada na data da realização do contrato entre os outorgantes senhorios (aqui os sócios da falida) e o ora Réu.
Nesta conformidade é lícito ao réu opor à massa falida e ao seu administrador os meios de defesa emergentes do contrato que realizou, nomeadamente os que dizem respeito à conversão do negócio jurídico.
Repugna à consciência jurídica, sendo assim, ofensivos do princípio da boa-fé, fazer tábua rasa de 11 anos de vigência de uma situação fáctica de “contrato de arrendamento” regular com o pagamento e aceitação de rendas, sendo tal facto susceptível de paralisar a reivindicação do prédio ocupado"
.

Nota - Mesmo antes da aprovação do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, o artigo 1197.º do CPC previa que a declaração de falência não importava a resolução dos contratos bilaterais celebrados pelo falido. Depois do CPEREF, o actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), não aplicável á hipótese dos autos, prevê, no seu artigo 109.º, n.º 1, que "a declaração de insolvência não suspende a execução de contrato de locação em que o insolvente seja locador, e a sua denúncia por qualquer das partes apenas é possível para o fim do prazo em curso, sem prejuízo dos casos de renovação obrigatória".


4
Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 3142/04.0TBVIS-A.C1:
"Tratando-se de matéria contratual, - estando em causa um contrato de compra e venda de bens, servindo de fundamento à acção a obrigação correspondente ao direito contratual em que se baseia o pedido do demandante – a acção deve ser instaurada no Estado-membro onde os bens foram ou deviam ser entregues".

Nota - Para mais desenvolvimentos sobre a norma da alínea b) do Regulamento (CE) 44/2001, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça
de 03-03-2005, proferido no processo n.º 05B316, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-10-2006, proferido no processo n.º 4661/2006-7.

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quinta-feira, março 29, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 20-03-2007, proferido no processo n.º 951/05.6TJCBR.C1:
"Sendo a petição inicial um todo, o juiz não pode deixar de conhecer de um pedido que, não constando embora expressamente das conclusões da p.i., está, no entanto, claramente formulado no articulado, onde se revela com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos correspondentes".

Nota - Em sentido aproximado, cfr. os acórdãos do STJ de 24-01-1995, in CJ, I, pág. 39 e de 03-02-1993, in BMJ 424, pág. 748 (citados na decisão).
Nem sempre há decisões tão favoráveis ao autor (por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-10-2003, proferido no processo n.º 02S3742, não se aceitou que o pedido pudesse resultar do segmento de narração da petição inicial, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-01-1994, proferido no processo n.º 0061016, também in BMJ 433, 607, considerou-se que por pedido se entende
"unicamente a pretensão formulada na conclusão da petição inicial independentemente de quaisquer factos constantes da parte narrativa deste articulado").
No entanto, parece inegável que, actualmente, devemos admitir, em geral, e ressalvadas hipóteses excepcionais, o aproveitamento dos actos processuais com erros meramente formais, que não atinjam o seu conteúdo, ainda que com recurso, nos articulados, ao convite ao aperfeiçoamento. Aliás, se este convite se justifica quando existem omissões ou imprecisões de fundo (como uma alegação incompleta da causa de pedir, por exemplo), mais razão haverá para admiti-lo quando a falha é meramente formal.
Questão diferente é a de saber se a omissão do convite ao aperfeiçoamento configura nulidade processual. Sobre tal assunto, disponibilizei já aqui um levantamento de jurisprudência.


2) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 667/05.3TBGRD.C1:
"Os honorários forenses, enquanto espécie indemnizatória específica, estão contemplados na chamada procuradoria, prevista nos artºs 40º e segs. do C.C.J.
Há mais de um século que a nossa lei utiliza o conceito procuradoria com o significado de compensação pelo vencido ao vencedor do litígio em razão do dispêndio com o patrocínio judicial.
Só assim não sucede, ou seja, só se procede a uma ponderação indemnizatória específica de tais despesas em termos da sua atribuição a quem as desembolsou, no quadro excepcional da condenação por litigância de má fé – artº 457º, nº 1, al. a), do CPC".

Nota - Há poucos dias (em 16 de Março), dei aqui notícia do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B220, no mesmo sentido da decisão em análise quanto à questão do pagamento dos honorários ao mandatário da contraparte. Trata-se de uma posição pacífica na jurisprudência. Para uma hipótese (excepcional) de responsabilização naqueles termos, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-11-2006, proferido no processo n.º 7390/2006-1.


3) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 2980/05.0YRCBR:
"Uma acção de divórcio extingue-se, em regra, com a morte de um dos cônjuges, uma vez que a morte constitui uma causa de dissolução do casamento.
Tendo o casamento sido extinto por morte, será escusado o prosseguimento da acção para obter a dissolução desse casamento.
Porém, a lei permite, excepcionalmente, aos herdeiros do cônjuge falecido o prosseguimento da acção de divórcio para efeitos patrimoniais.
Com efeito, estabelece o artº 1785º, nº 3, do C. Civ., que “o direito ao divórcio não se transmite por morte, mas a acção pode ser continuada pelos herdeiros do autor para efeitos patrimoniais, nomeadamente os decorrentes da declaração prevista no artº 1787º, se o autor falecer na pendência da causa”".

Nota - Convém ter em conta que o artigo 1785.º, n.º 3 do CC já foi interpretado extensivamente, por forma a abranger não só os herdeiros "mas também os sucessíveis, desde que possam vir a ser herdeiros em resultado de o cônjuge sobrevivo ser excluído da herança por ser declarado principal culpado do divórcio (artigo 2133, n. 3, daquele preceito legal)" - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-1981, proferido no processo n.º 069456. Em sentido oposto, cfr. o acórdão do mesmo tribunal de 15-04-1986, in BMJ 356, pág. 382. Por sua vez, este último teve uma anotação discordante do Professor Pereira Coelho in RLJ, 121, págs. 88 e ss. (o dito Professor subscreveu a posição que consta do primeiro acórdão).
A questão levantar-se-á, por exemplo, nos casos em que, falecendo uma das partes de um processo de divórcio, o seu irmão pretenda continuar a acção para assim obter a dissolução do casamento com os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 2133.º do CC.
Literalmente, o artigo 1785.º, n.º 3 do CC não lho permite, pois o irmão não é herdeiro, por ser preterido, precisamente, pelo cônjuge sobrevivo. No entanto, se a acção de divórcio for procedente e não houver ascendentes nem descendentes, o irmão será chamado à sucessão, pois o cônjuge será afastado nos termos do n.º 3 do artigo 2133.º do CC. Daí a posição do primeiro acórdão supra referido e do Professor Pereira Coelho, que me parece conduzir a resultados mais razoáveis, no sentido de interpretar extensivamente o preceito por forma a abranger não só os herdeiros, mas também aqueles que o podem vir a ser em consequência da produção de efeitos do divórcio. Segundo Pereira Coelho (na citada anotação) estes efeitos atingem o cônjuge sobrevivo independentemente de ser ou não culpado do divórcio.



4) Acórdão de 13-03-2007, proferido no processo n.º 1877/03.3TBCBR.C1:
"No recurso da matéria de facto o recorrente deve indicar, nas respectivas conclusões, os concretos pontos de facto impugnados, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já a especificação dos meios probatórios pode ser feita na motivação, devendo, no entanto, o recorrente conexionar cada facto impugnado com os correspondentes elementos de prova.
A omissão desse ónus de especificação, imposto no art.690º-A, nº1, do CPC, implica a rejeição do recurso.
A litispendência é concebida como pressuposto processual negativo, ligado ao objecto do processo, actuando a se, com inteira autonomia dos restantes, com vista não só à protecção do demandado (ne bis in idem), mas também colimada ao interesse de ordem pública, pelo princípio da “tutela da coerência” e da segurança jurídica (prevenindo julgados contraditórios).
Os elementos relativos à pendência do processo e à prioridade temporal dependem apenas de demonstração fáctica, sendo que os elementos da identidade contendem já com critérios estritamente jurídicos, definidos no art.498º do CPC.
A deserção da instância pode ser alegada e conhecida incidentalmente noutro processo, designadamente, em resposta à excepção de listispendência.
Ainda que o tribunal ad quem possa conhecer de qualquer facto superveniente, à data da decisão da 1ª instância, para aferir dos pressupostos processuais, não assume essa categoria a mera junção de documento com as alegações de recurso para provar a deserção da instância, quando o recorrente já antes da decisão, que lhe fora desfavorável, tinha prévio conhecimento do estado desertivo do processo".

Nota - São muitos os problemas processuais tratados neste acórdão.
Quanto ao primeiro ponto (rejeição do recurso por omissão do ónus de especificação constante do artigo 690.º-A, n.º 1 do CPC), há, neste momento, como se refere na fundamentação da decisão em análise, duas teses opostas. A primeira defende que o recurso deve ser imediatamente rejeitado sem prévio convite ao seu aperfeiçoamento (cfr. neste sentido, Amâncio Ferreira,
Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, pág. 176, nota 355, Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. I, 2.ª edição, Coimbra: Almedina, 2004, pág. 586(*), acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2004, proferido no processo n.º 04B122, de 25-11-2004, proferido no processo n.º 04B3450, de 25-05-2006, proferido no processo n.º 06B1080, e de 14-09-2006, proferido no processo n.º 06B1998. A segunda alinha pela necessidade de convite prévio ao aperfeiçoamento do recurso (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 14-03-2006, in CJ 2006, I, pág. 124, de 20-03-2003, proferido no processo n.º 02B2168, de 29-11-2005, proferido no processo n.º 05S2552, de 06-07-2006, proferido no processo n.º 06A1838, de 13-07-2006, proferido no processo n.º 06S698 (este, todavia, pondo em evidência que haverá rejeição quando não se mostre um esforço de identificação dos pontos factuais censurados e dos elementos probatórios que viabilizam), e de 07-02-2007, proferido no processo n.º 06S3541), reservando a rejeição para as hipóteses de absoluta falta de alegação quanto a essa matéria.
A primeira daqueles teses não parece ferir normas da Constituição (cfr. o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 140/2004, em processo penal mas com conclusões transponíveis para o processo civil - cfr., neste sentido, Lopes do Rego,
loc. cit.).
A segunda questão, versando sobre litispendência, acaba por depender de uma outra: a de saber se a deserção opera automaticamente ou se o despacho de deserção tem efeito constitutivo. No sentido referido no acórdão em análise (a deserção opera automaticamente após o decurso do prazo), cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-4-2003, in CJ, II, pág. 119 (
"I – Prazo processual é o período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual.
II – O prazo de deserção da instância é um prazo processual, produzindo-se esse efeito processual, logo que decorrido o prazo de interrupção da instância"
).
Para uma hipótese ligeiramente diferente de litispendência e deserção, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-05-2003, proferido no processo n.º 02A4354.
Finalmente, sobre a última questão (junção de documento em fase de recurso), cfr. o recente acórdão do STJ de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B287, e a anotação ao mesmo neste outro post.

(*) A citação das obras difere da que se encontra no acórdão, uma vez que me refiro às edições mais recentes das mesmas.

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quarta-feira, março 28, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 2 de 2)

1) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 06A3279:
"A prescrição pode ser interrompida pelo reconhecimento do direito, expresso ou tácito, efectuado perante o respectivo titular .
O reconhecimento do direito é uma mera declaração de ciência, quanto ao conhecimento do direito do titular .
Para que o reconhecimento interrompa a prescrição, não é de exigir que o seu autor o faça com essa intenção de interromper a prescrição .
Mostrar-se disponível junto do credor para proceder ao pagamento da dívida ou da indemnização, fazer pedido de prorrogação do prazo ou alegar impossibilidade momentânea para o fazer, é reconhecer inequivocamente o direito do credor".

Nota - Cfr. também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23-3-2000, in CJ 2000, I, pág. 288 ("I - O reconhecimento da dívida constitui um negócio, que deve ser interpretado com o sentido que lhe daria um declaratário normal. II – Se da declaração não for de concluir que o devedor reconheceu a dívida e se compromete a pagar, essa declaração não interrompe a prescrição."), do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-01-1990, in CJ 1990, I, pág. 82 ("I – Não é relevante o reconhecimento da obrigação feito perante terceiro "nem o reconhecimento tácito que não se baseie em factos que inequivocamente o exprimem". II – Os trabalhadores de uma empresa, pública ou privada, só pelo facto de o serem, não são representantes da entidade patronal. III – Pelo que respeita aos bancos e outras empresas públicas são os respectivos gestores e membros do conselho de administração que têm como função os actos relativos a objectivos das empresas e representá-las. IV – Tendo ficado apenas provado que o executado reconheceu perante funcionários do banco embargado a dívida em questão prometendo sempre pagá-la, e não também que tais funcionários eram representantes deste, não pode ter-se por interrompida a prescrição.").


2) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 06A4449:
"As decisões judiciais constituem actos jurídicos a que se aplicam, por analogia, as normas que regem os negócios jurídicos (art. 295º C. Civil), valendo, na respectiva interpretação, as normas do n.º 1 dos arts. 236º e 238º C. Civil;
Importa, porém, ter em consideração que, não se estando de um verdadeiro negócio jurídico, a decisão judicial não traduz uma declaração pessoal de vontade do julgador, antes exprimindo “uma injunção aplicativa do direito, a vontade da lei” no caso concreto, que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito.
A lei – DL n.º 29/95, de 15/12 – é omissa quanto à fixação de prazo para arguição de anomalias verificadas na gravação de prova;
Tratando-se de nulidade secundária de acto processual, a regra é que prazo seja de 10 dias, contado da data em que foi cometida a irregularidade;
Porém, como o acto viciado se encontra oculto e o seu conhecimento depende de um acto da parte – audição do registo – instrumental de outro acto processual – a alegação de recurso -, mas praticado fora do processo, o prazo para invocar a irregularidade/nulidade de inaudibilidade terá de ser o que está a decorrer para a prática do acto de que a regularidade do acto omitido é condição necessária e cuja regularidade igualmente pressupõe, isto é, o prazo para a apresentação das alegações, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo".

Nota - Como referi já anteriormente (cfr. aqui), é muito controvertido na jurisprudência o regime da nulidade por deficiências na gravação da prova. Na ligação anterior, é possível encontrar o levantamento que efectuei das várias correntes.
No entanto, a posição subscrita no acórdão em análise (e que também se encontra nos acórdãos do STJ de 12-03-2002, proferido no processo n.º 01A4057, e do Tribunal da Relação do Porto de 27-04-2006, proferido no processo n.º 0630901) parece-me ser a mais equilibrada, e a sua fundamentação parece-me também particularmente feliz e bem conseguida. Apesar de ser um pouco extensa para uma anotação, deixo-a aqui, por merecer o destaque.
" O art. 2.º do DL n.º 39/95, de 15-2, diploma que estabelece o regime do registo da prova nas audiências finais, é omisso quanto à fixação, seja de início, seja de termo, de qualquer prazo para arguição das anomalias verificadas na gravação, limitando-se a prevenir que "se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade" (art. 9.º cit.).
Mais se dispõe aí que incumbe ao tribunal facultar, no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência, cópia do registo á parte que a requeira, incumbindo ao requerente que use da faculdade fornecer ao tribunal as fitas magnéticas necessárias - art. 7.º-2 e 3.
Porém, apesar da falta de indicação expressa da lei, afigura-se-nos que ela fornece duas linhas de orientação incontornáveis:
- por um lado, até ao encerramento da audiência, pelo menos, a repetição do registo deve ter lugar sempre que, em qualquer momento, se tomar conhecimento da anomalia; e,
- por outro lado, as partes não estão sujeitas a qualquer prazo para solicitar a entrega da cópia, mas apenas a Secretaria Judicial, e, por isso, se a parte interessada na obtenção do registo o pede quando está a correr o prazo para apresentação da sua alegação, cumprido que seja pela Secretaria o prazo máximo para a entrega, terá ela (parte) de sofrer as inerentes consequências que corresponderão, pelo menos, a um encurtamento do prazo que lhe era legalmente concedido para a prática o acto recursivo, prazo que, no limite, pode ficar reduzido a apenas um dia.
Tratando-se de nulidade processual, e ultrapassado o campo de aplicação do art. 9.º, o prazo para a arguição é de dez dias e conta-se do dia em que, depois de cometida a irregularidade, «a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que não tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência» - art.s 205.º-1 e 153.º-1 CPC.
Ora, afigura-se-nos que o caso dos autos se não "encaixa" directamente na previsão legal sobre o momento de conhecimento do acto viciado para efeitos de início do prazo preclusivo de sanação.
Com efeito, o acto processual viciado não está patente no processo por forma a poder ser directamente detectado através de exame dos autos, como supõe o regime estabelecido no art. 205.º-1.
Diferentemente, o acto viciado encontra-se oculto e o seu conhecimento depende da prática de um outro acto material da parte, instrumental de outro acto processual - a alegação de recurso -, mas praticado fora do processo. Por isso, terá a norma sobre o momento de conhecimento de ser entendida à luz dessa especial situação e a ela devidamente adaptada.
Isto posto:
O momento do conhecimento de eventuais irregularidades que inviabilizem o efeito útil dos registos fonográficos coincidirá, como é natural, com o momento da sua audição;
A lei não fixa, nem prevê, quaisquer prazos, quer para que a parte proceda ao pedido e levantamento dos suportes de registo da prova, quer para que leve a efeito o seu exame e audição para, a partir deles, denunciar vícios de gravação;
Assim, apesar da extensão do prazo para alegações por dez dias (art. 698.º-6), nada impede, e bem pode acontecer, que a parte proceda à audição das cassetes apenas no último dia do prazo para apresentação da alegação, desde que ainda em tempo de praticar o acto - entrega do suporte da alegação de que pudesse constar a impugnação da matéria de facto - em juízo, sem ou com alguma das multas previstas no art. 146.º-5 e 6.
De facto, o último dia de um prazo processual é, como o seu primeiro, tempo útil para a prática válida do acto e, a nosso ver, do mesmo modo que não pode presumir-se que pelo facto de ter levantado as cassetes a parte logo tomou conhecimento dos defeitos de registo, também não pode ter-se por exigível que proceda à audição em termos de invocar eventuais anomalias, seja nos dez dias subsequentes a essa entrega, seja em qualquer outro prazo de dez dias que não seja o da data do efectivo conhecimento do vício - data que, por se tratar de acto praticado fora do processo, não se vê como demonstrar - que integra a nulidade e, por via disso, taxar de negligente a conduta da parte.
Consequentemente, entende-se que o prazo para arguir a nulidade terá de ser o que está a decorrer para a prática do acto de que a regularidade do acto omitido é condição necessária e cuja regularidade igualmente pressupõe, isto é, o prazo para a apresentação das alegações, sem ou com multa, salvo se se demonstrar que o reclamante teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo".

3) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07A296:
"Havendo litisconsórcio necessário, o recurso interposto apenas por uma das partes aproveita aos seus compartes que não tenham recorrido nem assumido a posição de recorrentes principais, no sentido de, além de impedir o imediato trânsito em julgado da decisão recorrida quanto aos não recorrentes, estes só poderem ver a decisão que lhes foi desfavorável ser alterada quanto a eles se também o for quanto ao recorrente".

Nota - O mesmo efeito (aproveitamento do recurso), é admitido também em relação a hipóteses de litisconsórcio voluntário, como é o caso da acção movida contra devedores solidários - cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2006, proferido no processo n.º 06A243 (embora aqui com algumas limitações, como decorre do disposto no artigo 683.º do CPC).


4) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07B708:
"(...)
O efeito cominatório próprio da revelia absoluta operante não ocorre quanto a factos para cuja prova a lei exija documento escrito, independentemente de a vontade das partes ser ou não eficaz para a produção do efeito jurídico que pela acção se pretende obter.
Seja qual for o tipo de acção em causa, o contrato de casamento só pode ser considerado provado desde que conste do processo a respectiva certidão ou boletim de registo."

Nota - Quanto à prova do casamento, já foi aqui analisada uma questão sui generis (as instâncias deram como provado o casamento sem que fosse junta a certidão respectiva e nenhuma das partes impugnou aquele facto, com fundamento em não ter sido provado pelo meio legalmente exigido no recurso para o STJ, vendo-se este obrigado a aceitar como provado o casamento mas não o regime de bens e confrontado com a questão da possibilidade de presumir esse regime, concluindo pela negativa - cfr. o acórdão de 09-01-2007, proferido no processo n.º 06A4403, analisado aqui).

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terça-feira, março 27, 2007

Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (parte 1 de 2)

1) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07A305:
"Da regularidade da notificação de uma sentença estrangeira, segundo as formalidades estabelecidas para esse acto no país de origem da decisão, não se pode, sem mais, presumindo o respectivo trânsito em julgado, dar-se como verificada a sua força executiva, sem necessidade de qualquer “documento externo”, tendo como satisfeito o requisito previsto no art. 47º-1 da Convenção de Bruxelas (hoje nos arts. 53º e 54º do Regulamento CE n.º 44/2001, de 22/12/2000);
O concurso do requisito não pode aferir-se à luz das normas que estabelecem os pressupostos de exequibilidade no direito português, impondo-se a formulação do juízo de executoriedade à luz dos critérios do Direito do estado de origem;
O tribunal tem de se assegurar que a sentença é exequível no país de origem, acautelando o risco de lhe serem atribuídos efeitos executórios que não tinha no Estado onde foi proferida".

Nota - No mesmo sentido quanto ao Regulamento CE n.º 44/2001, v. também António da Costa Neves Ribeiro, Processo Civil da União Europeia (vol. I), Coimbra: Coimbra Editora: 2002, pp. 129/130, e também Luís Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, III – Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, pág. 280 (citado no acórdão).
A falta de declaração de executoriedade justifica o indeferimento liminar do requerimento executivo (cfr. acórdãos do STJ de 16-06-2005, proferido no processo n.º 05B1547, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-2005, in CJ, 2005, I, pág. 7).



2) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07S4207:
"A força probatória plena do documento que titula um contrato de prestação de serviços, fixada nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374º, n.º 1, e 376º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, por não ter sido impugnada a veracidade da letra e da assinatura, apenas evidencia a conformidade da vontade declarada das partes, e não impede que o autor alegue e prove que o contrato foi executado em termos divergentes, de modo a poder atribuir-se-lhe a qualificação jurídica de contrato de trabalho subordinado;
Também nada obsta, nesse contexto, a que seja admitida a prova testemunhal, visto que esta se reporta, não ao conteúdo do documento com força probatória plena, mas ao modo como se processou, na prática, a execução do contrato, não ocorrendo, nessa hipótese, qualquer violação ao disposto no artigo 394º, n.º 1, do Código Civil;
É de qualificar como contrato de trabalho o contrato celebrado por uma empresa de comercialização de veículos automóveis para o desempenho de funções de vendedor/comissionista, quando se constata que o trabalhador contratado tinha de se apresentar num determinado local de trabalho com sujeição a um horário, integrava as escalas de serviço rotativo com outros vendedores, elaborava relatórios sobre a actividade de prospecção e obedecia a instruções de serviço, utilizava um veículo da entidade empregadora para uso profissional, sendo esta que suportava até determinado limite as despesas com combustível, tinha direito ao gozo de férias e devia comunicar as faltas dadas ao serviço".

Nota - Cfr., quanto à questão da prova testemunhal para sobre o modo de execução do contrato, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de 24-10-2006, proferido no processo n.º 06S1831.


3) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07P580:
"Os créditos relativos a imposto sobre o rendimento das pessoas singulares gozam de privilégios mobiliário e imobiliário gerais.
Estes créditos, quando em concorrência com créditos garantidos por hipoteca incidente sobre o imóvel penhorado, devem, em reclamação de créditos, ser graduados nos termos do art. 749º do Cód Civil, a seguir aos créditos hipotecários.
A alteração introduzida pelo Dec.-Lei nº 38/2003 de 8/3 no art. 751º do Cód. Civil tem natureza interpretativa".

Nota - Cfr., no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-09-2006, proferido no processo n.º 06B2871. V. também, sobre este assunto, o post de 25 de Março, aqui.


4) Acórdão de 22-03-2007, proferido no processo n.º 07A436:
"No âmbito do processo de falência vigora o princípio de que todos os bens que o falido for adquirindo após a declaração de falência, isto é, os bens futuros, revertem para a massa falida, de forma automática, sem necessidade de qualquer iniciativa do liquidatário judicial, automatismo este que é determinado pelo carácter universal do processo falimentar.
Não obstante a universalidade do processo falimentar, existem bens absoluta ou totalmente impenhoráveis, a que há que acrescentar os bens que, segundo a lei substantiva e várias leis avulsas, são inalienáveis e, portanto, impenhoráveis; bens relativamente e parcialmente impenhoráveis e bens só subsidiariamente penhoráveis.
Em princípio, os rendimentos auferidos pelo falido não devem estar sujeitos às regras gerais da penhora, maxime, a penhorabilidade de apenas 1/3 dessa quantia e a livre disponibilidade dos restantes 2/3.
Há, porém, que conciliar a satisfação dos interesses dos credores com as necessidades básicas do falido e, assim, a parte dos rendimentos (isto é, a parte do 1/3 dos rendimentos) que se revele indispensável à subsistência do falido permanece intocável; a parte que exceda integrará a massa falida, competindo ao juiz, em cada caso concreto, determinar de acordo com o critério de equidade o quantum que ficará sujeito à penhora".

Nota - Este acórdão do STJ resulta de recurso de um outro já referido no blog, confirmando-o. Trata-se do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-09-2006, proferido no processo n.º 1421/06-1, sobre o qual escrevi em nota ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-03-2007, proferido no processo n.º 1017/03.9TBGRD-G.C1. Neste último (e também no acórdão da mesma Relação de 24-10-2006, proferido no mesmo processo), defendia-se que os rendimentos do trabalho do falido nunca reverteriam para a massa falida, enquanto que no acórdão da Relação de Guimarães, agora confirmado, se admitiu que apenas a parte necessária ao sustento do falido pode ficar isenta de apreensão.


5) Acórdão de 15-03-2007, proferido no processo n.º 07B287:
"Pode o autor, em recurso ordinário, alegar facto superveniente e juntar documento que faça prova desse mesmo facto, desde que o facto alegado e documentado se não situe fora da causa de pedir tal como o autor a concebeu para sustentar o seu pedido.
O STJ só pode conhecer, em recurso de revista, de violação da lei de processo se dessa violação, autonomamente considerado, fosse admissível recurso, nos termos do nº2 do art.754º.
Se a ré, promitente vendedora, prometeu vender e a autora, promitente compradora, prometeu comprar, exactamente um prédio rústico para construção urbana de 30 fogos e não um simples e puro prédio rústico, verifica-se a definitiva impossibilidade de cumprimento quando em definitivo a CM competente indeferiu o projecto de construção e ordenou o arquivamento do respectivo processo.
Se promitente vendedora e promitente compradora contrataram conhecendo e aceitando a incerteza da aprovação do projecto de construção, correndo o respectivo risco, essa impossibilidade não pode ser imputada a qualquer delas.
Verificada a impossibilidade, o contrato resolve-se com a restituição em singelo do sinal recebido".

Nota - Sobre a junção de documento em fase de recurso, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-1999, proferido no processo n.º 98B908 ("A junção de um documento apenas se torna necessária em virtude do julgamento em 1. instância (artigo 524 n. 1 do CPC) quando essa decisão se haja baseado em meio probatório inesperadamente junto ou deduzido por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação os litigantes justificadamente não tivessem contado"). Cfr. ainda, sobre esta matéria, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-2006, proferido no processo n.º 06A3489, de 31-05-2005, proferido no processo n.º 05B1094, e de 10-02-2005, proferido no processo n.º 04B4506 (considerando a regra aplicável nos mesmos termos aos processos de jurisdição voluntária).
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-1994 (in BMJ 433, pág. 467) tem servido de âncora para muitas decisões posteriores, quanto a esta matéria. O seu sumário é o seguinte:
"I – O nº 2 do artigo 524º do Código de Processo Civil permite que os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, possam ser oferecidos em qualquer estado do processo. II – A expressão «em qualquer estado do processo» significa que os documentos em referência podem ser juntos mesmo depois de encerrada a discussão em 1ª instância. III – Prescrevendo o nº 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil que «as partes podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artigo 525º», deve, todavia, entender-se que é necessário, para que a junção seja lícita, que a parte demonstre que não lhe foi possível juntar os documentos até ao encerramento da discussão na 1ª instância. IV – A última parte do referido nº I do artigo 706º – que permite às partes juntar documentos às alegações «no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1. a instância» – não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o despacho da acção e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. V – Na verdade, o legislador quis cingir-se aos casos que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida decisão na 1ª instância. VI – Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar a decisão da lª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam. VII – É matéria de facto da competência das instâncias determinar se os factos constantes da especificação e do questionário são ou não suficientes para a boa decisão da causa, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias e, consequentemente, pronunciar-se sobre o acórdão da Relação que julgar da suficiência dos factos para conhecer do mérito. VIII – A matéria de facto dada como provada pela Relação só pode ser censurada pelo Supremo Tribunal de Justiça havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigos 722º, nº 2, e 729º, ambos do Código de Processo Civil)".

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segunda-feira, março 26, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 3 de 3)

1) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 424/2001.C2:
"A ampliação do pedido após a réplica não pode assentar nem numa causa de pedir ex novo; nem tão pouco numa ampliação da causa de pedir inicial, como é indiscutível face ao nº 1 do art.273º do CPC.
Não chega a haver alargamento da causa de pedir inicial quando o autor logo deixa a porta entreaberta para a probabilidade de surgimento de novos elementos circunstanciais que, sem descaracterizarem aquela, todavia a reforçam, qualitativa ou quantitativamente".

Nota - Tem algum interesse a formulação do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-11-1994, proferido no processo n.º 9450652, na linha do acórdão em análise: "só se altera a causa de pedir quando, tendo-se invocado primeiro um determinado acto ou facto, se abandona depois este acto ou facto e se passa a apoiar o pedido em acto ou facto diverso".


2)
Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1100/04.3TBVIS-A.C1:
"A habilitação incidental que acontece, por via de regra, quando, na pendência da causa, falece ou se extingue alguma das partes, pode, também, ocorrer por falecimento ou extinção anteriores à propositura da acção, certificadas no decurso das diligências efectuadas para a sua citação, sendo o meio idóneo de obter o levantamento da suspensão da instância.
Consagrada na lei a responsabilidade dos sócios pelo passivo superveniente não incluído na liquidação, ou seja, não satisfeito ou acautelado, os débitos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios, pela via da sucessão".

Nota - A solução é pacífica para o caso de falecimento, atento o disposto no n.º 2 do artigo 371.º do CPC. No sentido da aplicabilidade da mesma norma à extinção de pessoa colectiva, com consequente habilitação dos sócios, nos termos dos artigos 162.º e 163.º do CPC, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-12-2003, proferido no processo n.º 0336084.


3)
Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1054/03.3TBCTB-B.C1:
"A exigibilidade da obrigação coincide com o seu vencimento, não sendo exigível a prestação quando a obrigação está sujeita a prazo que ainda se não venceu, ou a uma condição que ainda se não verificou.
A excepção do não cumprimento do contrato não legitima o incumprimento definitivo deste pelo contraente fiel, mas, tão-só, o seu cumprimento dilatório como forma de coagir o contraente faltoso a satisfazer, igualmente, aquilo que tem de cumprir.
Encontrando-se o exequente vinculado ao cumprimento de uma contra-prestação, arguida a excepção do não cumprimento do contrato pelo executado, aquele está obrigado a cumpri-la como devedor, só podendo afastar os efeitos substantivos da aludida excepção, provando que já cumpriu ou que o executado deve cumprir, em primeiro lugar.
Tendo a acção executiva sido instaurada, sem a observância, por parte do credor, do requisito da exigibilidade da prestação, incumbindo-lhe a alegação e a prova, por via não documental, de ter efectuado ou oferecido a sua contra-prestação, deveria o processo ter sido feito concluso ao Juiz para proferir despacho liminar, podendo e devendo suprir as irregularidades do requerimento executivo e determinar o seu aperfeiçoamento, com o convite ao exequente no sentido de realizar a prova complementar do título".

Nota - Note-se que, em bom rigor, mesmo que o executado não invoque a excepção de não cumprimento, se a obrigação estiver dependente "de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação" (cfr. artigo 804.º, n.º 1 do CPC). Ou seja, se o direito do exequente estiver dependente de uma prestação a que esteja vinculado, deve este fazer prova de ter prestado ou oferecido a prestação, sob pena de não poder prosseguir a execução (cfr., a este propósito e no mesmo sentido, LEBRE DE FREITAS, A acção executiva, 4.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, págs. 92/93).


4)
Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1588/05.5TBVNO.C1:
"Os documentos particulares apenas provam as declarações atribuídas ao seu autor, ou seja, a força probatória material, desde que a sua autoria esteja reconhecida, isto é, a força probatória formal, o que não acontece quando não contêm a assinatura do seu autor, cabendo, então, ao mesmo o ónus da prova da sua veracidade, sob pena de a sua força probatória ser apreciada, livremente, pelo Tribunal.
A doação de dinheiro só não depende de qualquer formalidade externa, desde que acompanhada de tradição da coisa, sendo certo que, quando tal não aconteça, só pode ser demonstrada por documento escrito.
A cláusula contratual adicional, não constante de documento, que introduziu algo de novo e modificativo, no contrato celebrado, é insusceptível de ser provada por testemunhas, quando a razão da exigência da forma, no caso concreto, o imponha, conduzindo à consideração da respectiva factualidade como não demonstrada.
Não se provando a doação de uma importância em dinheiro, efectuada por um utente, a favor de um lar de terceira idade, onde se encontrava internado, deve a respectiva transferência bancária, resultante de um contrato misto de prestação genérica de serviço e de albergaria ou hospedagem, ser objecto do processo de prestação forçada de contas".

Nota - "A acção especial de prestação de contas é por natureza e «ab initio» uma acção de condenação que segue a forma de processo especial, nele se devendo apurar o saldo de contas e condenar-se o devedor a pagar a quantia que resultar do julgamento dessas mesmas contas" - acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-07-2000, proferido no processo n.º 1115/2000 (também no BMJ 499, pág. 387).
Embora a prestação de contas surja, muitas vezes, no contexto da sucessão por morte (estando em causa, neste caso, a obrigação do cabeça de casal) ou da administração dos bens do casal (cfr. acórdão do STJ de 25-3-2004, in CJ 2004, I, pág. 145), a obrigação de prestar contas pode surgir no contexto contratual (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-01-2002, in CJ 2002, I, pág. 255). Para uma boa análise da razão de ser e função da prestação de contas, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
de 09-02-2006, proferido no processo n.º 05B4061.
Será útil ter em mente, a este propósito, que "o sócio não pode recorrer ao processo especial previsto no artigo 1014º do Código Processo Civil para exigir a prestação de contas da gerência. O meio idóneo para a exigir é o inquérito previsto no artigo 67º do Código Sociedades Comerciais" - Acórdão do STJ de 16-05-2000, in CJ, 2000, II, pág. 61, e, no mesmo sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 01-02-2000, in CJ, 2000, I, pág. 15, e de 28-5-1996, in BMJ 457, pág. 459.

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domingo, março 25, 2007

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra (parte 2 de 3)

1) Acórdão de 06-03-2007, proferido no processo n.º 81-B/2001.C1:
"Em processo de execução para entrega de coisa certa, a notificação do possuidor, em nome próprio ou alheio, para que reconheça e respeite o direito do exequente deve ter lugar quando a sua posse tenha procedido do executado (ou do próprio exequente), deva subsistir e seja compatível com o direito do exequente.
Nos casos em que o terceiro tenha a posse da coisa a apreender por via de um título autónomo, isto é, originário ou procedente de outro terceiro, deve o agente de execução (que seja confrontado com a oposição de terceiro possuidor no acto de apreensão), regra geral, suscitar a questão perante o juiz, nos termos do artº 809º, nº 1, do CPC.
Suscitada a questão perante o juiz, é aplicável analogicamente o artº 848º, nº 2, do CPC e, seja a coisa móvel ou imóvel, a apreensão não será ordenada quando o terceiro produza prova documental inequívoca de que é o proprietário da coisa ou o titular de outro direito real que dela lhe conceda a posse.
A notificação dos terceiros (vg. detentores) a que se alude na parte final do nº 3 do artº 930º do CPC, isto é, para que reconheçam e respeitem o direito do exequente, pressupõe que a posse ou direito dos mesmos seja compatível com o direito deste último.
Se essa compatibilidade não existir ter-se-á então que questionar, perante a situação concreta, se a execução deve prosseguir para a entrega da coisa ao exequente ou se deverá ficar suspensa, a aguardar que essa conflitualidade de direitos (incompatíveis) seja decidida a nível do direito substantivo".


2) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1942/04.0TBAVR-A.C1:
"As despesas comprovadamente suportadas pelo exequente, ao cooperar com o agente de execução na realização da penhora de bens móveis, constituem encargo da execução a suportar pelo executado, saindo precípuas do produto dos bens penhorados.
Mas se a penhora for julgada ilegal, tais despesas serão já da responsabilidade do exequente, como serão da sua responsabilidade as despesas havidas com a entrega ao executado do bem móvel indevidamente aprendido".


3) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 530/04.5TBSEI-X.C1:
"Os créditos laborais [gozam] de privilégio imobiliário especial, graduando-se antes dos créditos referidos no art. 748º do CC e ainda antes dos créditos de contribuições devidas à segurança social;
E gozando de tal privilégio são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele e preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção, ainda que estas garantias sejam anteriores.
É constitucional a norma constante da alínea b) do n.º1 do art. 377º do Código de Trabalho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário especial dos créditos dos trabalhadores prefere à hipoteca, ainda que esta garantia seja anterior, nos termos do art. 751º do CC".

Nota - Muito se discutiu o regime dos privilégios imobiliários gerais, antes da entrada em vigor do Código de Trabalho. Já na vigência da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, o Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a alínea b) do n.º 1 do artigo 12º do dito diploma na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil (cfr. acórdão n.º 498/2003).
No entanto, normas de preferência de privilégio imobiliário geral de créditos fiscais face à hipoteca já foram julgadas inconstitucionais - cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 362/2002 - e da Segurança Social - cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2002.
Aqui fica um apanhado, por ordem cronológica, da principal jurisprudência sobre a constitucionalidade da prevalência dos privilégios imobiliários gerais sobre as garantias registas.
Do TC:
- Acórdão n.º 160/2000: julga inconstitucionais, por violação do artigo 2º da Constituição da República, as normas constantes dos artigos 2º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, e 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, interpretadas no sentido de que o privilégio imobiliário geral nelas conferida prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
- Acórdão n.º 109/2002: Julga inconstitucional, por violação do artigo 2º da Constituição, a norma constante do artigo 104º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, quando interpretada no sentido de que o privilégio imobiliário geral nela conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do C. Civil (com um voto de vencido).
- Acórdão n.º 362/2002: declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do artigo 2º da Constituição, da norma constante, na versão primitiva, do artigo 104º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, e, hoje, na numeração resultante do Decreto-Lei nº 198/2001, de 3 de Julho, do seu artigo 111º, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à Fazenda Pública prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil (com um voto de vencido).
- Acórdão n.º 363/2002: declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República, das normas constantes do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2º do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à Segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
- Acórdão n.º 498/2003: Não julga inconstitucional a norma constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 12º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.
- Acórdão nº 697/2004: Não julgou inconstitucional a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segunda a qual o privilégio imobiliário geral nele conferido à segurança social prefere à garantia resultante da penhora registada sobre determinado imóvel, por não violar o princípio da tutela da confiança e da proporcionalidade, previstos nos artigos 2º e 18º, nº 2, da Constituição (com um voto de vencido).

Do STA:
- Acórdão de 29-11-2000 (in Acs. Dout. do STA, 476-477, 1156): "I – De acordo com a pronúncia do Tribunal Constitucional, o artigo 11º, do Decreto-Lei nº 103/80, interpretado no sentido de que o privilégio imobiliário nele conferido prefere à hipoteca, nos termos do artigo nº 751º, do Código Civil, é inconstitucional.
II – Por outro lado, tem sido decidido neste Supremo Tribunal que o privilégio concedido pelo citado artigo 11º, do Decreto-Lei nº 103/80, deve ser tratado como privilégio imobiliário geral.
III – Nestes termos, e nos termos do artigo nº 686º, do Código Civil, os créditos garantidos por hipoteca só poderão ser preteridos por créditos que gozem de privilégio especial ou de prioridade do registo, devendo ser graduados logo a seguir aos indicados no artigo 748º, do mesmo Código"
.

Retirando consequências de anteriores juízos de inconstitucionalidade, cfr. o acórdão do STJ de 05-02-2002, proferido no processo n.º 01A3613 (também in CJ 2002, I, pág. 71), ao considerar inaplicáveis aos privilégios imbiliários gerais as regras dos privilégios imobiliários especiais ("I - A norma do artigo 751º do CC regula o regime apenas dos privilégios imobiliários previstos no CC, ou seja, os privilégios imobiliários especiais. II – Consequentemente, tal normativo não se aplica aos privilégios imobiliários gerais criados por diplomas posteriores ao CC, que encontram o seu regime no artigo 749º. III – Este preceito regula os efeitos de todos os privilégios gerais, sejam mobiliários ou imobiliários. IV – A entender-se que o artigo 751º do CC se aplica também aos privilégios imobiliários gerais, então a norma do artigo 11º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9-5 – ao atribuir aos créditos da Segurança Social privilégio imobiliário geral, graduando-os logo a seguir aos créditos referidos no artigo 748º do CC, independentemente da data da sua constituição e independentemente do seu registo – resultaria ferida de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da confiança e da proporcionalidade, ínsitos no artigo 2º e artigo 18º, nº 2, da CRP"). Tal terá como consequência que o privilégio imobiliário geral cederá sempre perante a hipoteca, como melhor se constata no acórdão do mesmo tribunal de 25-10-2005, proferido no processo n.º 05A2606, com um voto de vencido (também in CJ, 2005, III, pág. 86): "O art.º 751º do Cód. Civil contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens determinados, pelo que não está envolvido de sequela. II - Assim, os direitos de crédito garantidos por tais privilégios cedem perante direitos de crédito garantidos por hipoteca". No mesmo sentido, muitas outras decisões (cfr., por exemplo, o acórdão do STJ de 13-01-2005, proferido no processo n.º 04B4398, também in CJ 2005, I, pág. 41) acabavam por ter de negar aos trabalhadores a preferência dos seus créditos sobre os garantidos por hipoteca (tudo isto ainda aplicando a legislação anterior ao Código do Trabalho).



4) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 57/03.2TBPNH.C1:
"O interessado no reconhecimento do direito a uma servidão de passagem não só deve identificar o posicionamento relativo dos prédios dominante e serviente, evidenciando o encargo para este e o correspectivo benefício para aquele, como também o local e a extensão da pretensa servidão. É pois essencial que, tratando-se de servidão de passagem, se prove que a passagem se desenvolve no sentido do prédio que vai ser servido, assim se formando a utilidade pressuposta pelo direito de servidão. Se o autor não consegue convencer o tribunal da ligação entre determinados prédios, o serviente e o servido, a servidão não pode ser declarada.
As servidões não aparentes, ou seja, aquelas que não se revelam por sinais visíveis e permanentes, não podem ser constituídas por usucapião. Sendo a usucapião um título constitutivo não formal da servidão, a omissão de sinais visíveis que fisicamente indiquem o local de passagem entre os prédios só pode dar lugar a uma completa indefinição da concreta extensão e implantação desse local".

Nota - Quanto à necessidade de alegar e provar o percurso de ligação entre os prédios, cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-1998, proferido no processo n.º 98B789.
As servidões não aparentes são aquelas que não se revelam por sinais visíveis e permanentes. Para uma aplicação destes conceitos (visibilidade e permanência) cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-1992, proferido no processo n.º 080876, de 24-02-1999, proferido no processo n.º 98A1016, do Tribunal da Relação do Porto de 12-12-2006, proferido no processo n.º 0622564 (
"as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião; uma vez constituídas, se os sinais desaparecem ou não existem na actualidade, não desapareceu o direito antes constituído"), de 20-01-2004, proferido no processo n.º 0326196 (Para constituir a servidão por usucapião, "não se torna necessário que toda a obra ou todos os sinais estejam à vista. Basta que a parte visível seja suficiente para revelar aos olhos do observador o exercício da servidão"), de 26-10-1993, proferido no processo n.º 9320446 ("Sinais visíveis são os que podem ser constactáveis à vista pelo proprietário serviente sem necessidade de especiais investigações, embora surjam em terreno de outro proprietário e não no próprio prédio dominante ou serviente"), do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-12-2006, proferido no processo n.º 4873/2006-7 (servidão de estacionamento não aparente), do Tribunal da Relação de Coimbra de 06-12-2005, proferido processo n.º 2564/05 (conceito de sinal visível),e do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-10-2002, proferido no processo n.º 948/02-2 (sinais visíveis na servidão de escoamento).


5) Acórdão de 27-02-2007, proferido no processo n.º 1881/05.7TBVIS.C1:
"Nas acções negatórias de servidão predial recai sobre o réu o ónus de prova dos factos constitutivos da existência de servidão que se arroga.
Não sendo cumprido tal ónus a acção procede, caso contrário improcede a acção.
Não carece o réu de deduzir pedido reconvencional visando a condenação do autor a reconhecer o direito de servidão que se arroga.
Na improcedência da acção de simples apreciação negativa vai implícito o reconhecimento da existência do direito que o réu se arroga que fica definitivamente estabelecida entre as partes".

Nota - Cfr. também, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-05-2004, proferido no processo n.º 743/04. Concluindo (a meu ver, erradamente) que da improcedência de uma acção de simples apreciação negativa não resulta o reconhecimento do direito do réu e que este tem de reconvir pedindo o seu reconhecimento e que o autor seja condenado a respeitá-lo, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-01-2001, proferido no processo n.º 00A3364. Entendo que da improcedência da acção negatória resulta assente a titularidade do direito na esfera do réu, ainda que o tribunal não tenha que declará-la de forma expressa, à falta de reconvenção, subscrevendo o entendimento do acórdão em análise.
Sobre a distribuição do ónus da prova nas acções de apreciação negativa de servidão, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-10-2006, proferido no processo n.º 06A1980, e de 20-01-2005, proferido no processo n.º 05B3055.

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