terça-feira, outubro 31, 2006

Actualizações

Foram acrescentadas, na secção "Processo Civil à volta do mundo", ligações para legislação processual civil dos seguintes Estados: Japão, Peru, Argentina, Chile e Bolívia.

Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa

Destaco os seguintes acórdãos recentes do Tribunal da Relação de Lisboa:

1) Acórdão de 12-10-2006, proferido no processo n.º 9215/2005-8 (
ligação directa): "a delegação de poder paternal a favor de terceiro não constitui renúncia ao exercício do poder paternal e, por conseguinte, não há ofensa de ordem pública internacional do Estado Português, impondo-se, portanto, a revisão e confirmação da sentença estrangeira que a reconheceu (artigos 1094º e 1096º, alínea f) do Código de Processo Civil)." A conclusão semelhante chegou-se no acórdão de 03-10-2006, proferido no processo n.º 454/2006-7 (ligação directa), no qual se pedia o reconhecimento de sentença estrangeira (de Cabo Verde) em que o poder paternal foi deferido aos tios da criança.

2) Acórdão de 26-09-2006, proferido no processo n.º 6870/2006-7 (
ligação directa): o tribunal territorialmente competente para o procedimento cautelar comum onde se pede que as requeridas se abstenham de continuar a utilizar determinado slogan publicitário e de impedir ou prejudicar a campanha publicitária da requerente é o tribunal onde deve ser proposta a acção respectiva - neste caso, será o tribunal do local de residência do réu.

3) Acórdão de 21-09-2006, proferido no processo n.º 4926/2006-8 (
ligação directa): "I- Ocorre erro na forma de processo quando se instaura procedimento cautelar comum nos termos do artigo 381.º e seguintes do Código de Processo Civil, por apenso a acção de regulação do exercício do poder paternal, pedindo a atribuição em exclusivo do poder paternal ou, em alternativa, o exercício por ambos os progenitores visto que, nos processos de jurisdição tutelar cível, atento o disposto no artigo 157.º/1 da Organização Tutelar de Menores, pode o tribunal, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, decidir, a título provisório, relativamente a matérias que devam ser apreciadas a final. II- No entanto, o requerimento não deve ser indeferido liminarmente, antes deve o Tribunal aproveitar o requerimento inicial, determinado que se siga a tramitação processual adequada em conformidade com o prescrito no artigo 199.º do Código de Processo Civil".

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Absolvição da instância em processo penal - sim ou não?

Eis algo de que não se ouve falar todos os dias: absolvição da instância em processo penal. Justifica-se, creio, um desvio aos temas centrais deste blog. Embora pense não ser caso único (mas certamente pouco habitual), o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18-10-2006 (ligação directa) considerou esta figura, que tem a marca típica das forjas do processo civil, aplicável também nos processos criminais, quando, por deficiente elaboração do auto de notícia, este não permite a condenação do arguido (no caso concreto, estava em causa a condução sob influência de álcool, mas o auto não indicava claramente o arguido como condutor do automóvel).

Será tal possível, atendendo, designadamente, aos princípios in dubio pro reo (que contém em si uma dimensão processual) e ne bis in idem?

Não subscrevo as conclusões do acórdão. A estrutura do processo penal só muito forçadamente receberá um tal instituto, que, no limite, permitirá que o arguido seja levado mais de que uma vez (e quantas?) a julgamento sobre os mesmos factos. Quando o Ministério Público ou o juiz dão impulso ao processo, fazem-no no pressuposto de haver fundamento para uma possível condenação. Cabe-lhes providenciar pelo regular andamento do processo. Nas actuações de juízes, procuradores-adjuntos, funcionários judiciais e órgãos de polícia criminal, podem exisitir falhas, mas esse risco não pode correr por conta do arguido.

Pergunto-me se este processo seguirá para o Tribunal Constitucional (o que se me afigura difícil, já que, aparentemente, não foi levantada a questão da inconstitucionalidade no requerimento em que se arguiu a nulidade)
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Aqui fica, para que cada um forme o seu juízo, uma parte da fundamentação (podendo aceder-se à restante na ligação supra indicada).

"É sabido, e não será o recorrente que se poderá arrogar o topete de nos ensinar o que quer que seja, que a legislação adjectiva processual penal não contempla a figura da absolvição da instância.

No entanto, tivesse o recorrente atentado no último dos acórdãos citados, relatado por um dos mais sapientes Juízes Conselheiros que lavraram no nosso mais Alto Tribunal, o Dr. Lourenço Martins, e talvez não se arrojasse na sua apodíctica prosa.

A figura de absolvição da instância não se encontra especialmente prevista no ordenamento jurídico-processual, mas doutrinariamente é defendida por tratadistas, dada a necessidade de acorrer a situações similares aquelas que ocorreram nos autos. Isto é, não poder o infractor quedar impune, por factos que, indiciariamente, terá praticado, e que se não se utilizasse a figura da absolvição da instância formar-se-ia relativamente ao crime cometido caso julgado material que impediria a perseguição por factos similares, na obediência ao principio do ne bis in idem.

O Código Processo Penal não é um diploma completo – a prova desta asserção vem que desde que foi publicado já sofreu duas ou três alterações e está prestes a sofrer outra – e contém lacunas que ele próprio prevê poderem ser colmatadas com recurso a figuras existentes no ordenamento adjectivo civil.

No caso que ocupou a decisão ora acoimada de nula, por ter decidido absolver o arguido da instância, o que terá ocorrido foi uma deficiência na descrição factual de uma actividade que é pressuposto da infracção noticiada. Não se indicou que o arguido era quem na altura exercia a condução, sendo certo que todos os factos posteriores evidenciam ter sido ele o condutor que se recusou e ser fiscalizado e pantominou juntou ao posto da autoridade policial. O acto de desobediência, acto matricial e axial do ilícito pelo qual o arguido se mostra acusado, está demonstrado faltando um pressuposto formal, qual seja a qualidade de condutor que não vem expressamente referida no auto de noticia mas que ressalta de toa a materialidade factual que ressuma dos autos. É por isso que, nestas circunstâncias, em que a materialidade substantiva está demonstrada, mas que falha um pressuposto formal decorrente de uma deficiente padronização dos formatos utilizados pelas forças de segurança, que entendemos que a solução deve ser atalhada com recurso à figura da absolvição da instância de modo a impedir que se frustre a realização da Justiça histórico-social.

Repontar-se-á que com este expediente a justiça penal, que se rege pelos princípios da legalidade, da oficialidade e da verdade material, para só citar aqueles que mais poderão atinar com o caso, ficará inane a qualquer atropelo que possa ser feito, pois que poderia sempre ser reaberto um procedimento criminal, com os custos e gravames pessoais que tal pode acarretar. Concedemos, só que também não nos parece que se cumpra o princípio da verdade material, se se deixa de realizar justiça, e com isso ficar alguém impune, porque ocorre uma deficiência num auto estandardizando que é utilizado pelas forças de segurança. Repontar-se-á, ainda, no atinente a este argumento, sibi imputat. Se as forças de segurança agem desatinadamente com o formalismo legal não deverão ser os cidadãos a pagar pelas suas falhas e pelos erros grosseiros que cometem na transmissão das notícias de crimes que lhes está cometido reprimirem e/ou prevenirem.

Seja, porém, como for, o facto é que, em nosso juízo, a figura de absolvição de instância tem cabimento, doutrinalmente, e revela-se como forma ajustada a evitar absolvições injustas e decorrentes tão só de falhas processuais, que verificadas impedem a realização da justiça material. E este é um princípio cardeal do direito e da justiça penal que deverá sobrelevar e conlevar aos demais.

Ainda que, concedemos, seja discutida a figura de absolvição da instância, o nº3, al.b) do art. 374º, nem o art. 376º do CPP, não excluem a figura da absolvição da instância, dado que com a absolvição da instância o arguido é desonerado deste processo, isto é fica extinta a sua responsabilidade neste processo. A partir daqui, o Ministério Público, deverá organizar um outro procedimento que, tendo por base certidão da participação inicial e outros elementos que forem achados pertinentes, indague da, eventual, responsabilidade criminal do arguido.

Neste processo o arguido não terá que prestar mais contas. Se alguma responsabilidade lhe vir a ser assacada só poderá decorrer da averiguação que venha apurar a eventual responsabilidade criminal pelos factos noticiados pela autoridade policial.

Este processo não deixou de ter o seu ocaso e o seu fim, com a decisão de absolvição da instância, cumprindo-se assim o determinado na al.b) do nº3 do art. 374º do CPP, só que a partir de agora, se o Ministério Publico assim o entender, poderá iniciar outro procedimento.

Com este procedimento que não é ilegal, nem acarreta a nulidade da decisão proferida, se cumpre o princípio da justiça material, trave mestra da Justiça e do Direito material penal."

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segunda-feira, outubro 30, 2006

Actualizações

Foi acrescentada uma ligação à legislação processual civil chinesa na secção "Processo Civil à volta do mundo".

Comissão Europeia - Livro Verde sobre penhora de contas bancárias

Para consulta aqui (via www.oa.pt).

Aos meus alunos,

uma notas breves sobre princípios de direito processual civil.

A importância dos ditos princípios torna-se mais evidente quando atentamos nas suas interpretação e aplicação concretas pelo Tribunal Constitucional. Muitos princípios jurídico-processuais têm consagração constitucional. O artigo 20.º da CRP constitui, neste ponto, um centro nevrálgico de onde irradiam múltiplas regras essenciais a que o intérprete deve atender.
A consideração de algumas (entre muitas) decisões do Tribunal Constitucional permite apontar algumas consequências práticas decorrentes daqueles princípios.
Tocando apenas, por agora, no direito à tutela jurisdicional efectiva, aponto os seguintes acórdãos que salientam algumas das suas vertentes(*), recomendando a leitura das respectivas fundamentações:


1) No acórdão n.º 485/00, de 22 de Novembro de 2000, foi declarada inconstitucional "por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição, a interpretação dos artigos 668º, n.º 1, alínea d), 669º, nº 1, alínea a), e 670º, nº 3, do Código de Processo Civil, segundo a qual, apresentado o requerimento de aclaração do acórdão, não pode a mesma parte arguir a respectiva nulidade, em virtude de a apresentação daquele requerimento permitir concluir que a parte concorda com a decisão".


2) No acórdão n.º 209/04, de 24 de Março de 2004, declarou-se inconstitucional, "por violação do princípio do contraditório, em que se integra a proibição da indefesa, ínsito nos artigos 2º e 20º da Constituição, a norma contida no n.º 2 do artigo 772º do Código de Processo Civil, na parte em que prevê um prazo absolutamente peremptório de cinco anos para a interposição do recurso de revisão, contados desde o trânsito em julgado da sentença a rever, quando interpretada no sentido de ser aplicável aos casos em que a acção na qual foi proferida a decisão cuja revisão é requerida foi uma acção oficiosa de investigação de paternidade, que correu à revelia e seja alegado, para fundamentar o pedido de revisão, a falta ou a nulidade da citação para aquela acção".

Note-se, porém, que a posição do Tribunal Constitucional, nesta matéria, parece depender do direito que se pretende fazer valer na acção, uma vez que, no
acórdão n.º 310/05, de 8 de Junho de 2005, reconhecendo-se a doutrina do acórdão n.º 209/04 já referido, se decidiu "não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 772º, nº 2 do CPC, na parte em que refere não poder ser interposto recurso de revisão se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, quando esteja em causa o caso julgado formado por uma sentença homologatória de partilha, num inventário para separação de meações, que tenha corrido à revelia do requerente da revisão e este alegue a falta ou nulidade da citação para esse inventário, nos termos do artigo 771º, nº1, alínea f), do CPC". Considerou-se, neste segundo acórdão (a meu ver, em dissonância com os fundamentos do primeiro), que os interesses em causa na acção não tornariam intolerável a compressão do direito ao contraditório.


3) Protegendo a confiança no domínio específico das relações processuais, no acórdão n.º 183/06, de 8 de Março de 2006, o Tribunal Constitucional decidiu "julgar inconstitucional, por violação do artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição, a norma do artigo 198°, n° 2, do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de considerar sanada a nulidade da citação no prazo para apresentar a contestação, quando a Secretaria informa a ré, erradamente, de que não é obrigatória a constituição de advogado e esta somente reage quando é notificada da sentença condenatória, revogando, consequentemente, a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade".


Ainda em tema de apreciação constitucional de normas processuais, note-se que, no acórdão n.º 287/90, de 30 de Outubro de 1990, foi julgada inconstitucional, por violação do princípio da confiança, uma norma que "imprevisivelmente" restringia o direito de recurso por via da alteração das alçadas, aplicando-se aos processos pendentes.

O Professor Lebre de Freitas assinalou algumas incontitucionalidades do CPC, antes da revisão em 1995-1996, no estudo "Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil (antes da revisão de 1995-1996)", in "Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil", Coimbra: Coimbra Editora, 2002, pp. 11-25.

(*) Note-se que o Tribunal Constitucional, no exercício de competências de fiscalização concreta, aprecia a conformidade constitucional de normas jurídicas concretamente aplicadas na decisão recorrida, na interpretação que lhes foi dada na dita decisão.

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Actualizações

Foi inserida, na barra da esquerda, a secção "Processo Civil à volta do mundo", com uma selecção de legislação e sítios relevantes para esta matéria, que se destina a crescer, sempre que o tempo me permitir acrescentá-la.

domingo, outubro 29, 2006

Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto

Chamo a atenção para os seguintes acórdãos recentes do Tribunal da Relação do Porto:

O acórdão de 16-10-2006 proferido no processo n.º 0655115 (ligação directa) tem especial interesse, pronunciando-se sobre a questão da aplicabilidade de sanção pecuniária compulsória à entidade expropriante/devedora da indemnização. O acórdão foi favorável à aplicação da medida, mas com um voto de vencido. Na fundamentação do acórdão e do voto de vencido, há jurisprudência em ambos os sentidos. Em resumo, a decisão em apreço considera que a lei, ao prever a sanção pecuniária compulsória, não distingue entre devedores sujeitos a regras de direito privado e devedores sujeitos a regras de direito público, aplicando-se geral e automaticamente a qualquer hipótese em que haja condenação ao cumprimento de uma prestação pecuniária. Nas decisões citadas em sentido oposto, considera-se que as normas que regulam as formas de pagamento da indemnização por expropriação constituem lei especial, derrogando as regras da sanção pecuniária compulsória.

No acórdão de 17-10-2006 proferido no processo n.º 0625117 (ligação directa), declarou aquele tribunal superior que "os Tribunais Portugueses são internacionalmente incompetentes para decretar o arrolamento de bens existentes no Brasil ou proceder à sua partilha". Recusou-se a aplicação do artigo 65.º, al. d) do CPC, por falta de prova da impossibilidade absoluta de intentar a acção no Brasil. Esta decisão está na linha de jurisprudência estável.

No acórdão de 19-10-2006 proferido no processo n.º 0634126 (ligação directa), reafirmou-se a conhecida doutrina (aliás, legalmente consagrada) de que o despacho saneador só constitui caso julgado relativamente a excepções e nulidades concretamente apreciadas. Com mais interesse, acrescentou-se ainda que a matéria alegada apenas na reconvenção pode ser tida em consideração pelo tribunal como defesa do réu.

No acórdão da mesma data proferido no processo n.º 0635536 (ligação directa), tocou-se em matéria mais delicada: a do pedido implícito, admitindo-se que, na petição de embargos, a posição do embargante quanto à titularidade dos bens contém um pedido implícito de levantamento da penhora.

Sobre a competência do foro laboral, considerou-se no acórdão de 12-10-2006, proferido no processo n.º 0634621 (ligação directa), em linha com a jurisprudência dominante, que a desocupação do imóvel cujo uso integrava a retribuição é da competência dos tribunais do trabalho.

Quanto à partilha de competência entre tribunais judiciais e tribunais administrativos, foram os primeiros, no acórdão de 12-10-2006 proferido no processo n.º 0634770 (ligação directa), declarados competentes para conhecimento de acção em que os autores, invocando ofensa à honra e outros direitos de personalidade, pelo Ministro da Saúde, em discurso proferido no exercício das suas funções, pediam a condenação deste no pagamento de indemnização compensadora dos referidos danos.

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sábado, outubro 28, 2006

Novo template

Certamente notaram que este cantinho está de cara lavada. A artífice que se encarregou do arranjo - um espelho da humildade e do recato, dominando um gosto evidente - quis permanecer no anonimato, mas não poderia deixar de manifestar-lhe, por este meio, o meu agradecimento.
Se as ideias não melhorarem, é certo que, pelo menos, terá melhorado o aspecto. Como se sabe, este confunde-se facilmente com aquelas, sendo, assim, duplo o benefício da alteração para quem aqui escreve.
Continuemos então o caminho desta página, endereçando um "bem haja" à boa alma que, nesta paragem, a elevou aos píncaros da estética, coisa que o seu autor, com os parcos recursos na área, não poderia concretizar.

Aos meus alunos,

que desde a aula de ontem sabem da existência deste blog, um muito caloroso "bem-vindos". Embora os temas tratados até agora tenham sido um pouco densos para quem ainda dá os primeiros passos nos princípios do direito processual civil, terão, daqui em diante, algumas linhas que vos serão especialmente dedicadas. De futuro, com o crescimento do blog, espero que encontrem aqui um espaço de útil debate e de informação organizada.

Em tempo de reformas

Muitas reformas estão em curso, no mundo jurídico. Seria bom tentar perceber o que falhou em alterações anteriores.

Antes de mais, parece-me inegável que qualquer alteração deva ser precedida de estudos. Os estudos fazem falta e são um momento imprescindível da fundamentação das opções políticas.

Mas os estudos mostram apenas uma parte dos problemas, na asséptica formalidade dos números. Falta ainda tudo o resto. Quem olha os números mas não sabe como pensa o advogado, o juiz, o funcionário judicial e o cliente médios, as suas expectativas, resistências, hábitos e preconceitos, a sua experiência, o juízo de cada um sobre os restantes e o modo de entender a sua função, vê apenas uma parte do sistema real, da carne e do sangue quotidianos da justiça. E cada uma destas pessoas, ao perceber que esse mesmo mundo não é o destinatário da lei, desinteressa-se com facilidade de um propósito que julga (por vezes sem razão) irrealista ou prejudicial para si e para os da sua "classe".

A solução só pode passar pela participação de todos. Mas não se chame participação à mera auscultação, na fase terminal ou semi-terminal do procedimento legislativo, quando a estrutura dos diplomas está já em grande parte definida. Não se pense então que o acolhimento de algumas propostas permite afirmar que o trabalho final resulta do compromisso de todos, sossegando o fantasma da colaboração democrática dos interessados.

Providencie-se antes por que todos possam contribuir desde o início, ilustrando e iluminando o que os números esquecem, comprometendo-se numa estrutura e num sentido geral de um projecto legislativo.

E, no final, que não se adapte o resultado ao gosto da oportunidade política.

Será assim tão difícil?

sexta-feira, outubro 27, 2006

A ler, sobre julgados de paz,

este pequeno texto do Dr. J. F. Moreira das Neves, no Dizpositivo, bem como os comentários anexos.

Reorganização judiciária

A justiça é a rapariga popular do liceu: ninguém lhe dá sossego. O "Público" de hoje destaca a apresentação de um estudo sobre o qual, aparentemente, assentará uma futura reorganização do mapa judiciário (notícia aqui - mais ligações na base dessa página). Algumas linhas gerais parecem emergir da notícia, designadamente a tendência para aproximar os mapas judiciário e administrativo.
Ocorre-me, em cima do acontecimento, que:
- é inegável a necessidade de reorganizar o mapa judiciário actual;
- espero que o Estado aproveite a oportunidade para arrumar a casa e não apenas para poupar dinheiro;
- não me parece que a "justiça itinerante" possa levar-se demasiado longe ("a que horas chega o autocarro da justiça?", perguntará o cidadão...).
Mais tarde, certamente terei outras coisas a dizer. Entretanto, e porque se procedeu, na notícia do "Público", à comparação entre sistemas de vários países, convém lembrar que pode encontrar-se uma análise comparativa detalhada no website da Rede Judiciária Europeia em matéria civil e comercial. Veja-se, também, o website do respectivo ponto de contacto em Portugal.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Ainda sobre o limite de testemunhas...

...deve corrigir-se uma omissão, no post anterior. Na verdade, não referi que a tese da possibilidade de admissão de número superior de testemunhas é subscrita pela Professora Mariana Gouveia, na anotação ao artigo 11.º do RPE (Regime Processual Experimental Anotado, Coimbra: Almedina, 2006, pp. 119-120 e 124), o que parece esclarecer a vontade legislativa subjacente à norma.

Jurisprudência - Tribunal Constitucional - Apoio judiciário

Não é violadora da Constituição, nem de qualquer preceito da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a interpretação do artigo 28.º, n.º 3 da Lei n.º 30-E/2000, no sentido de o prazo de 10 dias para a administração enviar o recurso para o tribunal ser meramente ordenador e não preclusivo ou de caducidade. É esta, no essencial, a decisão constante do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 475/2006, in DR, II Série, n.º 203 de 20 de Outubro de 2006, pp. 22686 e seguintes (ligação directa).

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quarta-feira, outubro 25, 2006

Jurisprudência do STJ

Duas decisões do STJ, disponibilizadas ontem ou hoje no website da DGCI, que me despertaram a atenção:

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A limitação do número de testemunhas

Num processo a que se aplique o Regime Processual Experimental, será possível o juiz admitir, no uso do poder de gestão processual, um número de testemunhas superior a 10 por parte?
Tenho ouvido várias opiniões e não encontro uma corrente que possa considerar maioritária.
Sou tentado a responder com uma afirmativa. O número previsto de 10 é baixo e a verdade é que o dito regime é aplicável, nos tribunais designados, a todos os processos comuns, sem limite de valor.
O que leva à resposta afirmativa é considerar que uma limitação tão drástica do número de testemunhas, se aplicada simplesmente e sem mais, pode facilmente reconduzir-se a verdadeira denegação de justiça. Tenho citado exemplos de certas hipóteses (raras, é certo, mas não extraordinárias) em que até mesmo o actual limite de 20 testemunhas para a forma ordinária se pode revelar exíguo (prova de defeitos na execução de empreitada que abranjam vários momentos de execução do contrato e, em geral, prova do modo de execução de contratos de execução continuada; prova de má-fé na negociação de contrato, quando estejam em causa relações múltiplas com terceiros estranhos ao negócio projectado, etc.).
Mas dar a resposta afirmativa é o início de muitos outros problemas. Na verdade, aceitar que o juiz pode admitir mais testemunhas levanta problemas delicadíssimos. Onde parar? Como deve a parte fundamentar um tal pedido? Como garantir a igualdade das partes (subindo o limite de ambas nos mesmos termos, ainda que a justificação apenas diga respeito a uma)?
Quid iuris?

terça-feira, outubro 24, 2006

Sobre outro processo...

...mais concretamente o de ajustar a aparência do blog, devo dizer que uma boa alma, mais sensível à estética das páginas, se ofereceu, pro bono, para fazer alguns ajustamentos. Até lá, espero que este novo esquema torne a leitura mais fácil.

Normas processuais do Tribunal de Justiça das Comunidades

Após conversa com o Dr. Paulo Duarte Teixeira, dediquei alguma atenção às normas processuais aplicáveis no Tribunal de Justiça das Comunidades.
O modelo processual consta, no essencial, do
Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A ele voltarei, em breve, após estudo mais persistente. Dois pontos, porém, me chamaram a atenção, à partida: (i) a construção da fase imediatamente posterior aos articulados (artigos 44.º e ss.); e (ii) a seguinte previsão quanto a férias judiciais (note-se que as ditas férias não suspendem os prazos processuais mas implicam a não comparência, salvo convocação excepcional, de juízes e advogados-gerais):

"Artigo 28.°

1.Salvo decisão especial do Tribunal, as férias judiciais são as seguintes:
─ de 18 de Dezembro a 10 de Janeiro,
─ do domingo que precede o domingo de Páscoa ao segundo domingo subsequente ao domingo de Páscoa,
─ de 15 de Julho a 15 de Setembro.
Durante as férias judiciais, a presidência é assegurada, no local onde o Tribunal tem a sua sede, quer pelo presidente, que se mantém em contacto com o secretário, quer por um presidente de secção ou por outro juiz que o presidente designe para o substituir.
2. Durante as férias judiciais, o presidente pode, em caso de urgência, convocar os juízes e os advogados-gerais.
3. O Tribunal observa os feriados oficiais do local em que tiver a sua sede.
4. O Tribunal pode, por motivo justificado, conceder licenças aos juízes e advogados-gerais."


Muitíssimo interessantes são as "instruções práticas relativas às acções e recursos directos e aos recursos de decisões do Tribunal de Primeira Instância", que constituem um excelente manual de bem alegar, de bem relatar e de bem se organizar. Deixo aqui uma pequena amostra das ditas regras, recomendando a todos a leitura do texto completo:

- [Sobre a forma de apresentação dos documentos]: "Os articulados e peças das partes devem ser apresentados de modo a permitir a gestão electrónica dos documentos pelo Tribunal, nomeadamente a possibilidade de digitalizar documentos e de efectuar o reconhecimento dos caracteres." (corpo do número 5.º).

- [Sobre o conteúdo dos articulados]: "
No interesse da tramitação célere dos processos, o redactor de um articulado deve ter em conta, designadamente, os seguintes elementos:
— o articulado é a base do estudo do processo e, para facilitar esse estudo, deve ser estruturado, conciso e sem repetições,
— o articulado deve, em geral, ser traduzido e, para facilitar a tradução e permitir que esta seja tão fiel quanto possível, recomenda-se a utilização de frases e estruturas simples e de um vocabulário simples e preciso,
— o tempo necessário para a tradução e a duração do estudo do processo são proporcionais à extensão dos articulados apresentados e, quanto mais concisos estes
forem, mais rápido será o tratamento do processo.
" (número 44.º)

- [Sobre a extensão dos articulados]: "A experiência do Tribunal de Justiça demonstra que um articulado útil pode limitar-se, salvo circunstâncias especiais, a 10 ou 15 páginas, podendo as contestações, as réplicas e as tréplicas limitar-se a cinco ou 10 páginas." (número 45.º)

- [Sobre a necessidade e utilidade de alegações orais]: "
O Tribunal de Justiça pode decidir não organizar audiência de alegações quando nenhuma das partes tiver pedido para ser ouvida em alegações orais (artigos 44.º-A e 120.º do Regulamento de Processo). Na prática, e não sendo apresentado um pedido nesse sentido, só muito raramente é organizada uma audiência de alegações.

O pedido deve indicar os motivos pelos quais a parte deseja ser ouvida. Esses motivos devem resultar de uma apreciação concreta da utilidade de uma audiência de alegações para a parte em causa e indicar os elementos dos autos ou da argumentação que essa parte considera necessário desenvolver ou refutar de forma mais detalhada numa audiência. Não são suficientes motivos de ordem geral, relativos à importância do processo ou das questões a decidir.
" (número 48.º)

- [Ainda sobre alegações]: "
Antes do início da audiência, os agentes ou advogados são convidados para uma breve troca de impressões com a formação de julgamento, destinada a organizar a audiência. O juiz-relator e o advogado-geral podem indicar nessa ocasião as questões que gostariam de ver abordadas nas alegações.

A duração das alegações é limitada, no máximo, a 30 minutos perante o tribunal pleno, a grande secção e uma secção de cinco juízes e a 15 minutos perante uma secção
de três juízes. A duração das alegações de um interveniente é limitada, perante qualquer das formações de julgamento, a 15 minutos, no máximo.

Pode ser excepcionalmente concedida uma ampliação do tempo de palavra a pedido da parte, acompanhado de uma fundamentação detalhada, dirigido ao presidente da formação em causa. Esse pedido deve dar entrada no Tribunal o mais cedo possível e, para ser tomado em consideração, o mais tardar duas semanas antes da audiência.

A notificação para a audiência convida os agentes e advogados a informar o secretário da duração previsível das alegações. As indicações dadas servem para planificar os trabalhos do Tribunal e das secções e os tempos de palavra
anunciados não podem ser ultrapassados.

Os juízes que participam na deliberação e o advogado-geral adquirem, através das peças escritas, um bom conhecimento do processo, do seu objecto e dos fundamentos e
argumentos das partes. As alegações não têm como finalidade apresentar de novo o ponto de vista de uma parte mas acentuar as questões que o agente ou o advogado
consideram particularmente importantes, em especial as questões mencionadas no eventual pedido de audiência (ver supra, n.º 48). A repetição do que já ficou escrito
nos articulados deve ser evitada; basta, se necessário, fazer-lhe referência nas alegações. Recomenda-se que as alegações se iniciem com a apresentação de um plano da exposição.

As alegações são frequentemente seguidas pela formação de julgamento através de interpretação simultânea. Para permitir a interpretação, é necessário falar pausadamente, a um ritmo natural e não forçado, utilizando frases curtas e de
estrutura simples.

Não é aconselhável ler um texto redigido previamente. É preferível falar com base em notas bem estruturadas. Se, porém, as alegações forem preparadas por escrito, na redacção do texto recomenda-se que seja tido em conta o facto de que esse texto será apresentado oralmente, devendo aproximar-se, tanto quanto possível, de uma exposição
oral. Para facilitar a interpretação, os agentes e advogados são convidados a enviar previamente o eventual texto ou suporte escrito das suas alegações à Divisão de Interpretação [Fax: (352) 4303-3697].
" (números 49 a 52)

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segunda-feira, outubro 23, 2006

Jurisprudência STJ - princípio do pedido

Dois acórdãos do STJ, muito recentes, têm a utilidade de lembrar que os princípios gerais de direito processual civil que, desde os bancos da faculdade, damos por adquiridos nem sempre encontram fácil tradução na prática judiciária.

No acórdão proferido no processo 06A2615, em 28/09/2006 (
ligação directa), o STJ concedeu a revista, num recurso interposto de uma decisão em que o tribunal julgou para além do pedido, configurando uma determinada acção como tendo por objecto a anulação de deliberações sociais, quando o próprio autor a não construiu assim.

Num outro acórdão da mesma data, proferido no processo 06A2464 (
ligação directa), foi parcialmente concedida a revista de uma decisão do tribunal da Relação de Coimbra. Na acção, o autor pedia o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre determinado prédio, bem como a condenação do réu a demolir uma construção ali erguida e ao pagamento de uma indemnização. O tribunal da Relação julgou ser o primeiro daqueles pedidos procedente mas acrescentou, na parte decisória do acórdão, o seguinte: "sem prejuízo do reconhecimento do dever que assiste a ambas as partes, como loteadora e como donos dos lotes ...., ..... e ....., de diligenciarem na rectificação do loteamento aprovado, com a colaboração da C.M. de Pombal, por forma a serem correctamente equacionados e definidos os limites, quer da urbanização em si mesma, quer desses mesmos lotes, sempre tendo-se em conta que a construção que pela Ré já foi erguida no lote ....., e bem assim os limites a nascente das áreas atribuídas a tais lotes, para onde está prevista a construção de garagens". O segmento citado, por não ter sido objecto de pedido, implícito ou explícito, exorbitava os poderes do tribunal, pelo que, reconhecendo-se o limite intrasnponível do (não) pedido, foi tal parte da decisão declarada nula pelo STJ.

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Ainda sobre custas, duas palavras.

Os acórdãos citados no post anterior sugerem-nos alguns comentários.
A legislação segue, um pouco como as modas, tendências. No direito processual civil, são nítidas inúmeras tensões contraditórias, entre um modelo privatista e um outro publicista, entre a potenciação e o recuo da oralidade, entre a multiplicação de formas especiais e o regresso à (ou a uma) forma comum, etc.
Também em matéria de custas é possível ler, pelo menos, sinais de novos rumos. As custas judiciais são taxas. Por aqui se ficaria a dogmática fiscal e, para ela, seria indiferente a forma como elas se repartem, ressalvadas as hipóteses de tributação ilegítima. Mas, para o processo civil, as custas envergam outras vestes e têm um sentido próprio, onerando com a taxa, que contribui para financiar o sistema judicial, a parte que deu causa à acção (ergo, ao gasto público), seguindo as regras que conhecemos. Deste "embate" deverá sair razoavelmente ilesa a parte vencedora, por ter visto confirmada a sua posição. Este modelo é hoje menos puro, com a existência de liquidações prévias da taxa de justiça. Ora, sendo admissível, até certo ponto, que o Estado exija pagamento adiantado, para evitar dificuldades em futuras execuções, não é menos verdade que, com este passo, se iniciou uma tendência - ainda ligeira, admita-se - de torção do sentido original das custas, posicionando-as como um instrumento ao serviço da conveniência e do pragmatismo administrativos.
O segundo acórdão citado pode ser um sinal de que, não sendo os ajustamentos de negar liminarmente, devem ser introduzidos com cautelas e não conceder demasiado ao proveito administrativo em desfavor das partes. Aliás, outras tendências para que as custas sirvam não como incentivo, mas como penalização por comportamentos legítimos (veja-se o novo Regime Processual Experimental) devem ser revistas ou, pelo menos, repensadas, para que o respectivo regime não se converta num instrumento de pressão para que o processo se transforme no que o Estado quer que ele venha a ser e não no que as partes fundadamente pretendem que ele seja.

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quinta-feira, outubro 19, 2006

Tribunal Constitucional - dois acórdãos sobre custas judiciais

No Diário da República II Série n.º 202, de 19 de Outubro de 2006 foram publicados dois acórdãos do Tribunal Constitucional para os quais se chama a atenção.

No acórdão n.º 420/2006 (link para download directo), foram julgados inconstitucionais os artigos 6.º, n.º 1, al. o), 14.º, n.º 1, al. a), 23.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, al. c), 28.º e 29.º do Código das Custas Judiciais, com a redacção decorrente do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na interpretação que adiante se indicará.
A factualidade que levou à aplicação das normas foi a seguinte. Uma sociedade comercial havia formulado um pedido de apoio judiciário à Segurança Social, com vista à dispensa do pagamento de custas e demais encargos de um processo judicial. Tal pedido veio a ser indeferido por aquela entidade administrativa.
Do indeferimento recorreu a sociedade para o Tribunal Marítimo de Lisboa, que, após receber o processo, veio exigir da recorrente a liquidação de taxa de justiça inicial devida pela impugnação. O juiz daquele tribunal proferiu então despacho no qual recusou a aplicação das normas supra citadas na interpretação segundo a qual a impugnação judicial da decisão sobre a concessão de apoio judiciário não estar dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça inicial.
Desta decisão recorreu então o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, al. a) da Lei do Tribunal Constitucional.
Por sua vez, o Tribunal Constitucional confirmou o juízo de inconstitucionalidade "dos artigos 6.o, n.o 1, alínea o), 14.o, n.o 1, alínea a), 23.o, n.o 1, 24.o, n.o 1, alínea c), 28.o e 29.o do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.o 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção emergente do Decreto-Lei n.o 324/2003, de 27 de Dezembro, quando interpretadas no sentido de que a impugnação judicial da decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário não está dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça inicial, calculada com referência ao valor da causa principal, e determinando a omissão do pagamento o desentranhamento da alegação apresentada e a preclusão da apreciação jurisdicional da impugnação deduzida", por infracção do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Transcreve-se a parte mais relevante da fundamentação: "ao condicionar a viabilidade do recurso jurisdicional ao prévio pagamento da taxa de justiça devida — calculada com referência ao valor da causa principal — introduziu o legislador uma restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental consagrado no n.º 1 do artigo 20.º, inviabilizando o acesso à justiça — desde logo, para questionar a decisão administrativa — a quem esteja efectivamente carenciado de meios económicos para suportar o prévio pagamento da taxa de justiça devida pela impugnação».
Na verdade, se a resolução da questão da insuficiência de meios económicos para suportar os custos de um processo estiver, ela própria,condicionada ao pagamento de uma taxa de justiça prévia, imperioso se torna concluir que os requerentes de apoio judiciário que não possuam tais meios—e não pode obviamente excluir-se a hipótese
de existirem requerentes nessa situação, a quem a administração indevidamente negou o apoio judiciário—nunca têm acesso aos tribunais, quer para discutir o acerto da decisão administrativa que lhes indeferiu o pedido de apoio judiciário, quer para, em última análise, sustentarem em juízo as suas pretensões.
O direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição pressupõe, desde logo, que tal acesso não seja dificultado em função da condição económica das pessoas, o que necessariamente sucede quando a lei constrange o particular a acatar a decisão administrativa proferida a propósito dessa mesma condição económica, unicamente porque não tem meios económicos para obter
a sua reapreciação judicial.
Resultando esta consequência da interpretação normativa que constitui o objecto do presente recurso, forçoso é concluir que tal interpretação não respeita a proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, assim restringindo, de forma excessiva e desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição".


No acórdão n.º 421/2006 (link para download directo), foi julgado inconstitucional, "por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, a norma do n.o 3 do artigo 31.º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na interpretação segundo a qual tal norma é aplicável aos casos em que, em consequência de a administração fiscal ter oficiosamente anulado uma liquidação tributária, a instância da correspondente impugnação judicial se extinguiu por inutilidade superveniente da lide."
O artigo 31.º, n.º 3 do Código das Custas Judiciais prevê a não devolução da taxa de justiça de valor igual ou inferior a meia UC. O Tribunal Constitucional, reconhecendo a finalidade pragmática de simplificação da actividade do Estado implícita na norma, fundamenta assim a decisão: "Não se vê assim como poderiam os custos inerentes à devolução da taxa de justiça em causa prevalecer sobre o interesse da parte impugnante no ressarcimento dos prejuízos sofridos, tendo em conta os critérios anteriormente referidos, quer os subjacentes às regras da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional quer os relacionados com o valor do processo, a respectiva tramitação, a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes.
Nestas circunstâncias, há que concluir que o valor em causa, correspondente à taxa de justiça paga e não devolvida, se revela manifestamente excessivo e desproporcionado, tomando como paradigma «a capacidade contributiva do cidadão médio» (Acórdão n.º 248/94, in Diário da República, 2.ª série, n.º 171, de 26 de Julho de 1994, a pp. 7503 e seguintes). Por outro lado, não é de excluir que o valor em causa pudesse mesmo ter como efeito impedir o contribuinte de recorrer ao tribunal a fim de, em situações como a dos autos, impugnar uma liquidação tributária de baixo valor.
Da ponderação de todos estes dados, não pode pois deixar de emergir um juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa questionada no presente recurso, por ofensa do direito de acesso aos tribunais, subjacente ao artigo 20.o, n.o 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade".

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domingo, outubro 01, 2006

Lista de alterações legislativas do Código de Processo Civil

A redacção actualmente em vigor do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44129, de 28 de Dezembro de 1961, resulta das seguintes alterações legislativas:

Decreto-Lei n.º 47690, de 11 de Maio de 1967;
Decreto-Lei n.º 323/70, de 11 de Julho;
Portaria n.º 439/74, de 10 de Julho;
Decreto-Lei n.º 261/75, de 27 de Maio;
Decreto-Lei n.º 165/76, de 1 de Março;
Decreto-Lei n.º 201/76, de 19 de Março;
Decreto-Lei n.º 366/76, de 5 de Maio;
Decreto-Lei n.º 605/76, de 24 de Julho;
Decreto-Lei n.º 738/76, de 16 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 368/77, de 3 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 533/77, de 30 de Dezembro;
Lei n.º 21/78, de 3 de Maio;
Decreto-Lei n.º 513-X/79, de 27 de Dezembro;
Decreto-Lei n.º 207/80, de 1 de Julho;
Decreto-Lei n.º 457/80, de 10 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 242/85, de 9 de Julho,
Decreto-Lei n.º 381-A/85, de 28 de Setembro,
Decreto-Lei n.º 177/86, de 2 de Julho;
Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto;
Decreto-Lei n.º 92/88, de 17 de Março;
Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 211/91, de 14 de Julho;
Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril;
Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro;
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro (republica o Código de Processo Civil);
Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro (rectifica o Decreto-Lei n.º 329-A/95);
Decreto-Lei n.º 125/98, de 12 de Maio;
Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro;
Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, Dec. Rect. n.º 7-S/2000, de 31 de Agosto, e Dec. Rect. n.º 11-A/2000, de 30 de Setembro;
Lei n.º 30-D/2000, de 20 de Dezembro ;
Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro e Dec. Rect. n.º 20-AR/2001, de 30 de Novembro; Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro;
Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, Dec. Rect. n.º 14/2002, de 20 de Março, e Dec. Rect. n.º 18/2002, de 12 de Abril;
Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro;
Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março e Dec. Rect. n.º 5-C/2003, de 30 de Abril (republica o Título III do Código de Processo Civil);
Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro e Dec. Rect. n.º 16-B/2004, de 31 de Outubro;
Lei n.º 105/2003, de 10 de Dezembro;
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro e Dec. Rect. n.º 26/2004, de 24 de Fevereiro;
Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro e Dec. Rect. n.º 24/2006, de 17 de Abril;
Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março
Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março e Dec. Rect. n.º 28-A/2006, de 26 de Maio; e
Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril.
Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro.